sábado, 31 de julho de 2010

DEUS O LIVRE DO PCL-84

Você sabe o que é PCL-84?
Emanoel Barreto

O homem penetrou na imponência atemorizante da Repartição Pública. Construção pesada, com mais de cem andares de altura, era inteiramente pintada de cinzento. Ar de contrito, cabisbaixo, caminhava entre filas e filas de pedintes do serviço público. Agia assim cumprindo plano que tinha considerado como ardiloso: "Se eu demonstrar humilhação acho que vou ser mais bem atendido."

Dirigiu-se a uma senhora sentada a uma mesinha e disse: "Olhe", a mulher não olhou, estava lendo uma revistinha de moda, "eu queria saber..." - "se quiser saber tem que tirar ficha para poder saber. Ficha para poder saber não é comigo. É com aquela ali", e apontou um longo dedo em direção a um guichê onde havia enorme fila.

O homem, paciente, entrou na filha  e após mais de três horas foi atendido. Tirou ficha para quem queria saber. Entrou noutra filha. Afinal, mais duas horas e chegou ao guichê. "Olhe", o funcionário também não olhou; lia o noticiário de futebol. "Olhe, é o seguinte: recebi em casa esse comunicado - e mostrou o papel onde estava o comunicado - dizendo que, pela lei n. 8.789.998.000, de 1767, fui multado com base no artigo 5º do despacho PCL-84. Como não sei o que é isso..."

O funcionário, ainda de cabeça baixa, anunciou:"Veio ao lugar certo". Isso animou muito o homem, quero dizer, o paciente, o pobre, o coitado, o miserável: "Então, o que é PCL-84?". Resposta: "Não sei. Isso é assunto da diretoria, informação sigilosa, entende? Precisa de ficha para ter acesso ao seu processo. Agora, uma coisa adianto: se é coisa do PCL-84, deve ser coisa séria. Tome essa ficha. Ela dá direito de usar o elevador.Vá ao centésimo décimo sétimo andar e lá eles lhe informam."

O pobre pegou a ficha e esperou mais uma hora até entrar no elevador. Elevador moderno, cabiam mais de 100 pessoas. E, nele, todos estavam implicados ao PCL-84, foi o que apurou nas mais de duas horas que o elevador levou, até chegar ao centésimo décimo sétimo andar. Gente muita, não é?, por isso a demora; peso grande, a máquina funcionava devagar.

Chegando, todos foram à Diretoria Especializada em PCL-84. Decepção: o diretor tinha dado uma saidinha. "Uma saidinha?". Todos ficaram desesperados: funcionários públicos quando dão uma saidinha demoram muito, é o costume, é regra consuetudinária, tem de ser respeitada. Mais dez horas de espera e o diretor chegou.

Todos foram levados à sua sala, explicaram a que vinham e pediram explicações. "Explicações? Ora, explicações... Nem eu mesmo sei o que é PCL-84. É uma lei tão antiga e tão complicada que nem mesmo os legisladores do tempo a compreenderam por inteiro. Vejam: só para pensar em pagar o sujeito precisa recolher taxas e emolumentos. Depois, tem acesso ao processo e paga a dívida toda."

"Onde se pagam as taxas e os emolumentos?"
"Vão direto à Coordenadoria de Taxas e Emolumentos que lá eles explicam."
"Isso fica aqui, neste edifício?"

"Não. Fica do outro lado da cidade e, detalhe: não podem ir de carro. Têm que ir em nossos ônibus especiais para devedores de Taxas e Emolumentos. Mas aviso: esses ônibus só funcionam de mil em mil anos."
Todos fizeram: "OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!........."

Mas, bondoso, o diretor disse: "Tiveram sorte. Hoje faz mil anos do último funcionamento e vocês vão embarcar sem problemas. Isto é, se passarem pela Polícia Especial de Taxas e Emolumentos devidos à Lei do PCL-84. Quem sai daqui devendo eles prendem."

"E se a gente não passar?"
"Problema de vocês."

Cabisbaixos, os pobres desceram pelo elevador. Quando se dirigiam para o ônibus e já iam sendo presos, o homem do início desta história teve uma ideia. Gritou: "Vocês da Polícia Especial: já pagaram seus emolumentos do PCL-84?"

Os guardas embranqueceram. Pálidos, fizeram que não com a cabeça. A turba então os atacou e todos foram surrados. Achando pouco, os homens invadiram o grande edifício, expulsaram todos os funcionários, o diretor e quantos mais e se apoderaram da burocracia. Agora mandavam em tudo.

Pouco depois chegou um homem, que perguntou: "Posso saber o que é PCL-84?"
Foi imediatamente dominado e entregue aos novos guardas da Polícia Especial e nunca mais se ouviu falar dele.

O pixador ataca outra vez

Uma profunda discussão sobre cousas mui sérias


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Nobres e errantes divagações com um gorila e um papagaio
Emanoel Barreto

O macaco e o papagaio que me visitaram há poucos dias, voltaram. Pessoas circunspectas, desceram de um tílburi, cruzaram o pequeno bosque de tílias que circunda a minha vivenda, que é casa retirada, ancestral e mui avoenga, dirigindo-se ao vestíbulo.

Recebi-os com uma mesura e manifestei augusta alegria com a nova entrevista. "Entrem, cavalheiros". Uma criada recebeu suas cartolas e as depôs em conveniente local de chapelaria. Homens de finesse, manifestaram gentil fidalguia quando mandei lhes servissem um  porto.

Tinham, como supunha, cousas sérias a tratar. O macaco, gorila de modos dignos, logo revelou o que os trazia a mim: o papagaio estava sendo acusado de ser francês. Como se sabe, franceses são defensores de estranhas medicinas, ateus de muitos deuses, proferem impropérios contra o rei e contra a Coroa, acreditam que um dia haverá máquinas que maquinam. Sim, pessoas francesas praticam obscuras cousas, cousas indomáveis - o que quer que isso signifique.

Assim, sob acusação tão tremenda, o papagaio já fora aprisionado em um bergantim, do qual se safara com a ajuda prestimosa do gorila, que à época era alto comissário da Real Força Armada de Goa. Aportanto acá, logo a pecha de ser francês o acompanhara. "O que fazer?", perguntaram-me, sob inquietante angústia.

Só há um jeito, sugeri. Digam-se animais. Animais não têm pátria. Portanto, não podem ser apodados de qualquer gentílico. Mas como, manifestaram-se surpresos. "Homens é que somos. Integrantes da gentil e munífica espécie humana".

Como advogado que sou, expliquei-lhes que isso seria apenas uma manobra processual. Corrido o processo, o litígio que impetraria em seu favor, provaria que, além de humanos, nem o papagaio nem o gorila seriam tidos como franceses, caso alguém quisesse apor o labéu de francês também ao macaco. Preventivamente, o processo englobaria os dois.

Ficaram satisfeitos. Então, acalmados os temerosos ânimos de meus dois convivas, passamos a falar de coisas amáveis, dos trópicos, das velas dos grandes navios bailando ao mar e nos esquecemos de que no mundo há pessoas que são acusadas de ser francesas.
 Proteção aos criminosos
Emanoel Barreto

A Operação Arcanjo, deflagrada na madrugada de ontem pela Polícia Rodoviária Federal e o Ministério Público Estadual, resultou na prisão de quatro pessoas que integravam uma quadrilha de aliciamento de mulheres, com atuação na principal na região Oeste. Com ajuda da Polícia Civil e Militar, foram cumpridos ainda sete mandados de busca e condução coercitiva. Entre os clientes do esquema de prostituição estavam políticos, empresários e profissionais da “alta sociedade”.


As prisões incluíram uma mulher e três homens, um dos quais se encontrava de férias em Brasília e os demais em Apodi. Os mandados foram cumpridos também em Umarizal e Portalegre. Os “serviços” da quadrilha eram oferecidos nesses municípios e também em Mossoró e Natal. Em entrevista coletiva no final da manhã de ontem, o promotor de Justiça Olegário Gomes e o superintendente da Polícia Rodoviária Federal-PRF, Francisco Charles Lindemberg, deram informações sobre a operação, mas afirmaram que os nomes dos presos serão mantidos sob sigilo, bem como os dos clientes.
....
O texto acima é da edição de hoje da Tribuna do Norte e traz informação gravíssima. O jornal admite publicamente sua incompetência, pelo menos num primeiro momento: não conseguiu investigar, descobrir e publicar os nomes dos criminosos envolvidos: os aliciadores e os que desfrutavam dos corpos das mulheres.

Contentou-se com a informação da polícia e pronto.

Se a TN não pôde apurar os nomes, deveria agora dar andamento a um trabalho de jornalismo investigativo e denunciar todos os criminosos, especialmente os da elite. A matéria também não justifica o porquê de os nomes terem sido ocultados. Isso, entendo, é uma forma de privilégio.

Uma das formas de combater o crime é expor os criminosos ao olhar público. Não há porque escondê-los num conveniente e nublado silêncio informativo.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O pixador

Debussy : Clair de lune

A Marcha da Maconha
Emanoel Barreto

Defensores da descriminalização do uso da maconha manifestaram-se hoje à tarde no Campus da UFRN. Foi uma atitude de sociedade civil, ato político de pessoas com um determinado estilo de vida, um modo de conceber o mundo. Nisso, extremamente válido.

Todavia, é preciso estar atento aos efeitos não desejados: o fortalecimento do crime organizado, que garante a produção e o consumo da cannabis.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Marlene Dietrich Sag mir wo die blumen sind

O diário de Bicalho O Diário de Bicalho O Diário de Bicalho


Os cenaculadores dizem que Bicalho tem o direito de morrer

Bicalho encontra-se no Cenáculo, onde os Cenaculadores estão todos vestidos de faraó e fazem o povo, que fora comprado em uma liquidação, trabalhar na construção de pirâmides. Bicalho pergunta ao Cenaculador-mor quem é o estranho personagem conhecido como o Embalsamador.

-Quem é o Embalsamador? Perguntei, Dileto Diário. E o Cenaculador fez gesto largo, apontando para uma liteira que era trazida por doze homens. Sobre ela, abanando-se com enorme ventarola, pesadamente sentado, ricamente vestido como nobre egípcio, quem vejo? Não imagina? Veja só: o homem que vinha ali era ninguém menos que Dr. Quaresma, o advogado que supunha meu bom amigo, lídimo integrante da Ordem dos Homens Bons. "Dr. Quaresma?" , mal tive forças para arquejar.

- Sim, sim, sim, meu caro Bicalho. Eu mesmo. Eu sou o Embalsamador. E vim aqui para exercer minha nobre arte e meus finíssimos fazeres. E você terá a subida oportunidade de ser o primeiro a ser embalsamado. Terá sua pirâmide logo logo, após morrer, claro. Que grande honra. E já vamos já já providenciar a cerimônia de sua morte... E será conforme antigos rituais, heim?

- Eu, eu, eu... - balbuciei em pleno medo.
- Não, não, não. Não agradeça, bondosa criatura. Sei que seu pequeno coração está aflito de tanto contentamento - disse e saltou, ágil como um sagui, para o chão, meu Caro Diário.

Percebi que estava em dificílima situação. Minha mente matraqueava uma solução para aquilo. Rapidamente, parti para a defensiva: - Quaresma, você é um traidor. Sempre esteve a serviço da Conspiração.
- Sim.
- Sempre  nos espionou.
- Sim.
- Não era você quem acendia velas e fazia promessas para se livrar de situações difíceis?
- Sim.
- Não foram atentidas as suas promessas para se livrar da Conspiração?
- Sim. Fiz uma promessa e fui iluminado. Se não podia livrar-me da Conspiração, deveria unir-me a ela. E foi o que fiz, para meu grande gáudio. Mas, agora, tratemos de sua morte benfazeja a fim de que possa desfrutar de sua pirâmide - asseverou, gritando em seguida: "Lacaios, tragam os instrumentos!"

Entram dois homens munidos de ferros, facas e estiletes. "É o meu fim", pensei. Mas, eis que, de repente, troa uma voz a meu favor. Entra pela porta a figura exponencial do Dr. Roboão, de quem eu nunca havia lhe falado, Diário Caridoso. Dr. Roboão, o advogado da Augusta e Responsável Ordem dos Homens Bons, Frequentadores de Porões.

Vestido com poderosa e imponente toga, ergueu o braço causídico e disse: "Basta!" - todos tremeram. E ele continuou: - Estou aqui em defesa deste réu sem culpa formada.

Um Cenaculador interpôs recurso: - Não se trata de um réu. Mas de um abençoado pela Fortuna. Homem dotado de suntuosa sorte, não vê? Ele e o povo que trabalha nas pirâmides, louvando e Ísis e Osíris, seu esposo.

Dr. Roboão redarguiu: - Vejo aqui enorme farsa . Contra este homem e contra o povo que moureja na construção daquelas pirâmides - e apontou a massa de desgraçados que arrastava pedras enormes. Continuou: - Como pode a morte ser prêmio e o trabalho forçado ser louvor?

O Cenaculador, pomposo, respondeu: - Nesta casa imperam a lei e a ordem. A lei e a ordem que queremos que sejam a lei e a ordem; e a lei e a ordem querem que queiramos que elas sejam a lei e a ordem, e assim sucessivamente. Então - enfatizou -, a lei e a ordem dizem que o absurdo deve ser regente, e a desigualdade algo permanente e de muito bom-tom. 

- Absurdo, e ridículo absurdo, são essas roupas de faraó! - bradou o Dr. Roboão. - Povo! - gritou - povo!, venha cá povo, para ver como é ridículo o poder que vos domina. Um bando, um magote de homens vestidos à fantasia - e os trabalhadores largaram seu trabalho bruto e vieram ver o ridículo.

E quando viram o ridículo, Diário Amigo, os trabalhadores começaram a rir. O cenáculo era um baile de máscaras - o povo compreendeu. E os Cenaculadores entraram em pânico. Estavam desmoralizados. Fugiram espavoridos. Saíram feito loucos. Em seguida o povo, eu e o Dr. Roboão saímos também. Assim, Diário Confidente, escapei da Conspiração. Pelo menos por enquanto. Amanhã voltarei a me reunir com o Honorável Rabaça, Deão da Ordem dos Homens Bons. Vamos traçar planos para o futuro. Precisamos redobrar os cuidados.

Atenciosamente,
Bicalho
O olho do lince
João Maria Alves lançou ontem seu livro de fotos. O repórter-fotográfico expõe seu olhar, maagnetizado pelas belezas  de Caicó, seu povo, sua luminosidade. Sua privilegiada visão de lince o inscreve entre os grandes profissionais da imagem jornalística. Estou na foto, da esquerda para a direita, com o jornalista Verailton Alves e o velho João.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O DIÁRIO DE BICALHO: FRENTE A FRENTE COM OS FARAÓS


"...QUER MORRER? QUER MORRER AGORA MESMO?"

Prestimoso Diário,

Tive hoje marcante demonstração da força sinistra da Conspiração, que se alevanta contra a Augusta e Responsável Ordem dos Homens Bons, Frequentadores de Porões. Saía eu de preclara palestra no Porão Central, onde me houvera com nosso Deão, o Honorável Raçaça, quando fui atacado. Fui atacado!, Diário Amigo, atacado!

Sim, não se tratava de ilusão de paranóico, como costumam me dizer minha sogra e minha mulher, disfarçando seus reais intentos de me verem morto: "Bicalho, querido, acalme-se. Você não está sendo perseguido. Isso é coisa da sua cabeça". Certamente querem, assim , que eu saia de peito aberto e seja eliminado. Só pode ser.

Mas, voltemos ao solerte ataque. Caminhava eu em direção ao meu carro, quando senti um forte empurão. Já quase caía, e quatro velhacos, veja bem, velhacos!, se apoderaram de mim. Meteram-me acabeça abaixo um saco de aniagem que me chegava aos pés. Fiquei parecido com um tapete enrolado. Gritei, lutei, mas não tive condições de me livrar dos assaltantes.

Fui levado a um beco escuro, apesar de ser dia, e ali covardemente interrogado. Os celerados tiraram-me do saco e o mais tosco dele perguntou-me: - Procuramos o Embalsamador. Você é o Embalsamador? Temos ordens de achar o Embalsamador. Você é o Embalsamador?

Respondi aos berros: - Do que diabo vocês estão falando? Pensam que eu trabalho em alguma funerária, por acaso? Quem diabo é embalsamador aqui?

- Não é embalsamador. É o Embalsamador. O mestre dessa nobre e funérea arte. Logo que vimos você, soubemos que é o Embsalsamador. Desculpe-nos os maus tratos, mas era preciso levá-lo rapidamente.

- Eu não sou embalsamador. Detesto embalsamadores. Se pudesse, matava todos - respondi.

Esse, Diário, meu erro. Deixando transparecer em seus semblantes de ferro bruto toda a sua inclemência e sordidez, um deles me esmurrou: - Então é você que quer matar o Embalsamador, heim? Patife! Tome! Bem que os Cenaduladores avisaram: tem gente querendo matar o Embalsamador.

E desferiu-me outro soco. Uh!, doeu, Diário colendo. Nesse instante percebi: era a Conspiração agindo novamente. Os Cenaculadores, os políticos do Cenáculo, estavam por trás disso. Rápido como um raio, gritei: - Eu também sou um Cenadulador, idiotas! - e lhes mostrei meu diploma falso de Cenaculador.

Foi água na fervura. Imediatamente fizeram-se cheios de mesuras e pedidos de vênia, perdão e subserviência. Exigi ser levado imediatamente ao Cenáculo e lá, muito bem recebido, notei, pasmo, estranho ambiente: estavam todos vestidos de faraós. Com aquele chapelão de faraó, com aqueles dois pauzinhos cruzados e aquela barbicha na ponta do queixo.

Logo logo, duas mocinhas me vestiram de faraó também. Não entendia nada Caríssimo Diário. Então, fui forçado a perguntar: - O que se passa, meus nobres pares?

E o mais velho deles me disse: Vinde e vede - e puxou enorme cortina. Surgiu enorme panorama. Ao fundo viam-se enormes pirâmides em construção; e milhares de pobres seres trabalhavam puxando pedras colossais, erguendo as ciclópicas construções.

- O que diabo é isso, digno Cenaculator? Estamos num hospício? - perguntei.
- Por Osíris!, Cenaculator, não diga isso. Não ofenda os deuses. O que vedes são as obras de nossas vidas. Não vedes que o povo trabalha docemente? Não vedes que as pirâmides serão nossos túmulos? Assim, para a glória de Hórus no ninho, todos se dedicam a este piedoso trabalho: erguer nossas pirâmides. Para isso o Cenáculo existe, para construir túmulos. Túmulos. Grandiosos. E nada mais grandioso que uma pirâmide. Pirâmides impõem respeito. Por isso o Cenáculo é respeitado.

- Meu Deus, Cenaculador. Quem teve tão desastrada e monstruosa ideia? - quis saber imediatamente, Amicíssimo Diário. - E o que me responderam? O que responderam?

O seguinte: - Um grande empreiteiro, a quem muito favorecemos, nos deu todo esse terreno, vasto e lindo, a troco de nosso patrocínio político à sua causa: construir, construir enlouquecidamente. Em qualquer parte, qualquer coisa que der na telha, para o bem da nação. Muito nobre, muito nobre, não?

- Mas, Cenaculador - exigi uma explicação - e esse povo, esses trabalhadores, de onde vêm.
- Ah!, nobre colega. Dissestes bem: o povo. O povo nós compramos numa liquidação. Estavam vendendo povo aos magotes e compramos povo e preço de custo. Enfardamos, colocamos em portantosos caminhões e lá está o povo, trabalhando. O trabalho enobrece o homem, sabíeis? - respondeu ele com um leve sorriso.

- E o que o povo ganha com isso? - perguntei aterrado, Digno Diário.
Ele respondeu: - Chibata. O povo ganha chibata. Chibatadas, golpes de azorrague, de látego e de açoites. Látego, que palava imponente, não? Já pensou?: látego, látego, látego. É sonoro e tem ritmo. Látego, látego, látego,meu  digno par. É poético. Látego: um achado poético.

- E o Embalsamador, quem é?
- Ah, tocastes em ponto que nos é caríssimo, bondoso Cenadulador. É ele quem nos irá embalsamar quando morrermos. Quer morrer? Quer morrer? Terá exéquias de faraó. Quer morrer? Quer morrer agora mesmo? Será uma honra inaugurar nosso grande sítio fúnere com vossos respeitáveis despojos. E daqui a milhares de anos será descoberto como grande descoberta aquelógica por neoegiptólogos.

Com essa conversa entrei em pânico. A Conspiração, mesmo pensando que eu era Cenaculador, me propunha a morte Amigo Diário. A morte. Ao que vi, o Cenáculo só presta para matar.
E fiz a pergunta decisiva: - Quem é o Embalsamador?
(Continua na edição de amanhã).

DEFENSORES DA MACONHA FARÃO ATO SEXTA-FEIRA


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  Garanta-se a liberdade de expressão
Emanoel Barreto

O Diário de Natal informa: Após reunião realizada hoje, 28, com os organizadores da Marcha da Maconha e representantes das Polícias Militar e Civil, a Promotora de Justiça Isabela Lúcio Lima da Silva esclarece que não existem impedimentos legais à manifestação pública pela legalização da droga através da realização de uma marcha.


A marcha está prevista para acontecer no dia 30 de julho, a partir das 16h, na Praça Cívica do Campus da UFRN, e tem como objetivo chamar a atenção da sociedade para a questão da descriminalização da maconha.

...

UMA DAS FONTES DIREITO é o costume, a circunstância social historicamente reiterada, da qual os legisladores retiram objetivamente o motivo para o estabelecimento do que será ou não permitido.

É sabido que, historicamente, o consumo da cannabis tem crescido e hoje uma parcela da população - seus usuários - a vê e entende como algo já instaurado; faz parte dos costumes, portanto.

Desta forma surgem manifestações esporádicas reivindicando a descriminalização do consumo da maconha, que até meados do século passado era chamada de erva maldita. Coisas da época, poucos a consumiam.

Tais manifestações, apesar das resistências que encontram, constituem-se legitimamente como atitudes de sociedade civil; indiciam algum percentual social que se quer fazer ouvir e apresenta argumentos favoráveis à liberação.

Como grupo minoritário e sem acesso aos meios de comunicação, a solução encontrada é a realização de atos em público, divulgando suas ideias.

A mobilização programada para sexta-feira segue os padrões disruptivos que caracterizam tais acontecimentos programados: foi enovelada à realização da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, evento que deverá reunir em Natal público circulante estimado em 10 mil pessoas.

Com isso, além do fato mesmo da mobilização, que em si tem forte potencial de quebra de paradigmas, os seus organizadores estimam, suponho, grande repercussão. Polícia e Ministério público se reuniram com os organizadores e ficou estabelecido que será respeitada a liberdade de manifestação do pensamento, jamais a apologia ao consumo, jamais o favorecimento ao tráfico.

O assunto é polêmico uma vez que, permitindo-se a maconha, não haverá como enfrentar o crescimento do poder do crime organizado, que não perderá essa oportunidade para legalmente atuar no país. Grandes extensões de terra agricultáveis serão utilizadas para plantação. Além disso, será ingenuidade acreditar que, num país como o nosso, tudo se dê em respeito estrito à lei que disciplinaria comercializão e consumo.

A liberdade individual e coletiva de agir, de comportar-se, é parte essencial da democracia. Sou levado a supor que os defensores da descriminalização se pautam por esse princípio. Sinceramente, não os vejo como arruaceiros ou vinculados organicamente ao crime organizado.

Gostam de fumar maconha e desejam que isso seja um direito assegurado em lei. É assim que penso. Todavia, os efeitos não pretendidos, como o fortalecimento dos grandes traficantes, alçados à condição de empresários, podem ser devastadores.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ripa na chulipa! E o povo suava e dançava... Ah! como dançava
Emanoel Barreto

Certa vez, como repórter, eu cobria a inauguração da sede de uma entidade assistencialista. Era um sábado de sol forte. Um sol que, dependendo da situação, poderia ser tido por uns como caliente e estimulante, charmoso, um sol com gosto de Jamaica. Outros, quem sabe, o chamariam de tórrido, ou como já se usou dizer, capaz de provocar um calor senegalês.

E o povo chegando, chegando, chegando, se aglomerando numa grande mancha morena e suarenta. E vieram as tais autoridades civis, militares e eclesiásticas. Os políticos falaram, os grandes empresários jactaram-se do grande serviço prestado à comunidade. Enfim, todos, cada um dos falantes cumpriu o seu papel, enaltecendo o feito, ali mostrado em cal, pedra, cimento armado e sol, mas muito sol.

Onze e meia da manhã e começou a circular cerveja servida em copo de plástico, tira-gostos grosseiros vasculhavam até o céu-da-boca das bocas famintas. Alegria, a malta suava e vibrava. Nisso, uma banda, que naquele tempo era chamada de conjunto musical, ataca seu som vibrante e seco, jogando no ar acordes vulgares.

Um sorriso enorme, um sorriso daqueles do gato risonho de Alice-no-País-das-Maravilhas achegou-se a todas as bocas: as alegres, as desdentadas, as bocas das moças bonitas e pobres. Um sorriso de ocasião, plenamente compatível com tão vulgar acontecimento.

Eu e um colega jornalista estávamos numa espécie de mezanino dali observando a cena, quando ele comentou: “Veja, Barreto, como é fácil ter o povo na mão. Como é fácil espremer alegria dessas pessoas.”

Era já então meio-dia. O sol fez rebrilhar seus melhores e mais fortes raios, inundando aqueles corpos de suor e expandindo, em cada músculo, em cada parte daqueles corpos que dançavam aquela festa na verdade tão rude, um sentimento de satisfação braçal, embora maquiada de bons pensamentos de promoção social.

E aquele povo dançou, ah!, como dançou. Dançou até enxugar de si todo aquele convescote. Feito sob medida para os necessitados de dignidade, mas alimentados a pão e circo.

O talento mágico de um louco sublime

Sônia Furtado
João Maria Alves: o olho do lince
Emanoel Barreto

João Maria Alves, o fotógrafo, lança hoje às 10h no Campus Central da UFRN seu livro de fotos onde capta a luz e a vida na região do Seridó. Publicada pelo Sebo Vermelho, instituição de resistência cultural dirigida pela coragem visionária de Abimael, trata-se de obra nascida de um olhar de lince.

João Maria, o lince, tem aquele olho de mira: age no momento decisivo e transforma a aparente banalidade da vida em cena e faz da cena a foto.

João tem o olhar perplexo, característica dos grandes repórteres fotográficos. Lá se vão trint'anos de lutas. Muitas delas e meu lado. Domínio pleno no equilíbrio de volumes e formas, mas, acima de tudo, o olhar exato e cúmplice da informação.

Uma certa e desnessária timidez o faz calado. O talento fala por ele.

Meu velho amigo, velho lince. Receba o meu abraço. Estarei lá, com você, no lançamento do seu livro.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O DIÁRIO DE BICALHO O DIÁRIO DE BICALHO (CONTINUAÇÃO)

Os Cenaculadores estão nus

(No cápítulo anterior Bicalho, o paranoico, estava em câmara secreta do Cenáculo onde Cenaculadores eram aleitados nas Tetas do Estado, e uma funcionária lhe dizia: "Pode aproveitar. Aproveite as tetas do Estado e exerça o seu mandato e, mais que isso, entre de vez na Conspiração").

... Devo confessar, Amigo Diário, que tal situação deixou-me atordoado. A moça levou-me a um dos nichos, de onde brotava adorável seio. Ela notou que eu estava indeciso e perguntou: - O Cenaculador não quer? Todos querem, por que não o senhor
- Mas moça - eu disse - isso não está certo. Aqui é o Cenáculo, a Casa do Povo...
- O povo não tem casa, Cenaculador. Só os Cenaculadores têm casa. E a grande maioria dos Cenculadores conspira para que isso continue assim.

A Conspiração!, velho Amigo, a Conspiração!, dei-me conta novamente. Pedi licença um instante, peguei meu celular e liguei para o Honorável Rabaça, Deão da Augusta e Responsável Ordem dos Homens Bons, Frequentadores de Porão. Avisei que havia descoberto o funcionamento da Conspiração e comprovado a sua existência. Narrei o que estava vivendo.

E, ante tais revelações, ingentes e de alta terribilidade, ensinou-me: - Só há uma saída. Se você aceitar o que a moça lhe pede, cairá nas mãos da Conspiração.

- E o que faço? - caminhava em círculos.
- O escândalo. Somente o escândalo o salvará.  Cenaculadores somente temem, quando temem, o escândalo. Faça um escândalo e você se salvará. Aceitando, passará a ser conspirador e se voltará contra nossa augusta entidade.

Ato contínuo comecei a gritar: - Os Cenadularores estão nus! Nus, nus, todos nus! Vergonha" Vergonha! Vergonha! De alguns eu arrancava os roupões; a outros, que já estavam sem roupa eu empurrava e eles caíam no chão.

Em menos de um minuto instalou-se o caos. "Escândalo?" gritava um. "Escândalo?", desesperava-se outro. Enfim, todos começaram a gritar escândalo, escândalo, escândalo e corriam como loucos.

Pouco depois estavam compostos. Paletó, gravata e falsidade compunham o traje oficial. E um deles disse: - Se há um escândalo, vamos instalar uma CPI. - Sim, sim, sim, gritaram todos. Vamos descobrir os escandalosos, que toldam e enxovalham a nossa Casa. O Cenáculo é sagrado ambiente do povo.

Imediatamente foram ao plenário e instalaram a CPI. Fui o último a sair, pois eles eram rápidos demais. Quando saí, a moça que me acompanhara disse-me, com um sorriso lindo, e enquanto batia a porta da câmara secreta: - Isso aqui nunca aconteceu, Cenaculador.

Um abraço, Amigo Diário.
Sinceramente,
Bicalho

De Folha a folhetim

 Vamos discutir o sexo dos anjos?
Emanoel Barreto

O jornalismo é levado a efeito diariamente a partir de valores/notícia. Que são o conjunto de propriedades/características que um fato ou uma declaração têm - importância ou interesse -, que justifiquem sua escolha, tornando-os potencialmente noticiáveis. Ou seja: quanto mais um fato/declaração for importante ou interessante segundo uma determinada política editorial, maior possibilidade terá de ser noticiado, virar notícia.

Observe bem que tudo isso é relativo, como relativa é a própria vida histórica onde tais fatos/declarações acontecem. A política editorial de cada jornal é, no fundo, o que determina o que é importante ou interessante. Essa política editorial mescla interesses político-ideológicos, público-alvo, questões de mercado. Todos esses fatores atuando uns sobre os outros.

Como exemplo a Folha de S. Paulo é bastante elucidativa. Sua recente reforma gráfico-editorial a encaminhou, no plano do conteúdo, a privilegiar questões que antes o Projeto  Folha engulharia só de pensar-se em sua admissão: o noticiário policial ganha espaços na primeira página, o futebol alarga-se na mancha gráfica, trivialidades viram manchete.

Exemplo claríssimo é a edição de hoje que tem como manchete "Maioria já deu, levou e é contra probir palmadas". Trata-se de projeto de lei do governo federal que proíbe castigos físicos em crianças. Afora o fato de que o projeto parece ser inexequível, pois se se tornar lei não se terá como vigiar pais e mães no recesso dos lares, a tola notícia eleva à condição de manchete de primeira página assunto de menor monta.

Para quem sabe ler uma manchete além de sua mera formulação sintática, está claro que ela representa atitude tático-mercadológica do jornal em busca de público que dê atenção ao sensacional em detrimento de questões sérias, como política.

Tanto, que notícia da divulgação de papéis secretos que tratam da guerra suja dos EUA no Afeganistão foi colocada bem abaixo, no canto direito, minimizando a descoberta. Essa seria a manchete dotada de valor/notícia sob todos os aspectos. A guerra dentro da guerra. Um espetáculo sórdido com assassínios perpetrados por tropas e criminosos profissionais a serviço de Tio Sam.

Mas isso não fez manchete. Como também não o fez notícia dando conta de que Marta Suplicy lidera voto ao Senado em pesquisa do Datafolha. Mas, cuidadosamente, foi colocada ao lado dela "informação" dando conta de que o historiador e antropólogo mexicano Carlos Castañeda considera que "Lula acumula fracassos em sua política externa". Uma notícia desconstruindo outra, por suposto.

Quem conhece jornalismo por dentro sabe que o declaratório de alguém muitas vezes serve para o jornal dizer, por terceiro ator, aquilo que ele próprio, jornal, queria mencionar. Foi o caso de Castañeda. Aí entram dois aspectos de relevo: primeiro porque suas declarações estão inseridas na seção "Entrevista da Semana", ou seja: o ator declarante é escolhido previamente para falar a respeito de algo. É convidado, percebe? Não dá a entrevista a partir de fato ocorrido como um grande acidente ou o resultado de eleição presidencial, por exemplo.

O declarante é chamado a depor. Não refere a fato. Sua declaração "é" o fato, esse é o segundo aspecto. Se não tivesse sido convidado não haveria fato. Castañeda, inxplicavelmente, foi constituído em autoridade para, de repente, tratar de política externa brasileira e dizer aquilo que a Folha queria que dissesse. Não há notícia, construiu-se uma notícia visando obter rumor social no seu entorno.

Sim... ele está participando de debate hoje, em S. Paulo, a respeito de democracia na América Latina. O gancho foi esse, somente esse. 

Castañeda não aprofundou o assunto. Até porque respondeu a apenas seis perguntas - pelo menos somente foram publicadas seis perguntas e suas respostas. Se a intenção era abarcar a complexa situação da América Latina com seis perguntas...

O dado Lula na entrevista é tão-somente isso: faz parte de ação metódica, de fogo de artilharia do jornal castigando o objetivo de guerra PT e sua maior figura icônica. Bater sempre é a norma. Tudo parte de ação tática diária: não dar tréguas ao inimigo. Vamos à edição de amanhã. Quem sabe, discutir o sexo dos anjos.