sábado, 22 de janeiro de 2022

Tenha fé, mas tome vacina

Por Emanoel Barreto

Finalmente os governos do Rio e São Paulo compreenderam que Carnaval e covid são incompatíveis e jogaram a festa lá para abril. Por que é tão difícil aos governantes admitir que o tempo não é de comemoração e festejos, mas de trabalho árduo para salvar vidas? Resposta: porque ele são políticos profissionais e querem seguir a valha máxima romana “dai ao povo pão e circo.”

 Já o governo do Rio Grande do Norte permite que supermercados atendam a todos sem apresentação de comprovante de vacinação; o mesmo privilégio se estende a igrejas católicas e protestantes.

Pastores, registre-se, chegaram a ir ao Centro Administrativo reivindicar que toda a aglomeração dos ditos fiéis seja mantida mesmo com todo o risco que podem correr. Não tenho informações se a Igreja Católica mandou algum representante fazer o mesmo tipo de pressão. Mas poderia, por precaução, tomar a iniciativa de exigir o comprovante da vacina.

Fica para mim a dúvida: qual a dificuldade de um pastor ou de um padre mandar seus seguidores se vacinar? Qual o problema em tomar as três doses e garantir-se contra os efeitos da covid?

Muitos ignorantes recusam a vacina e pagam o preço mais alto: o exemplo mais recente é a atriz Elizângela: negacionista radical, recupera-se lenta e sofridamente do poderoso ataque da covid. Segundo li, seus assessores dizem que ela era “muito rebelde”. Deu no que deu.

Para a covid não tem milagre: ou você se vacina ou corre um sério risco. Isso sem esquecer que pode contaminar pessoas que nada têm a ver com a estupidez do abstencionista.

Gilberto Gil canta: “Andar com fé eu vou / Que a fé não costuma faiá.” Por precaução não acredite nisso: sendo cega a fé pode levar ao pior dos caminhos.

 

 

 

 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

 Ouvírus da covid às margens plácidas

Por Emanoel Barreto

Um exército de insensatos trabalha no Brasil intensamente batalhando para reafirmar a crença de que a covid em sua versão Ômicron é algo até mesmo benéfico, conforme apregoa o capitão reformado que hoje está presidente da república. Há quem acredite. E entoam o estranho hino ouvírus da covid às margens plácidas.

E o riacho Ipiranga da História, por onde navega a vida do povo, das gentes, de todos nós, tem nas suas margens exatamente aqueles que querem a todo custo trazer a desordem, a confusão, buscam convencer que a covid seria apenas uma espécie de brincadeira de mau gosto, um empurrão que a gente facilmente esquece. Deixa pra lá, não é mesmo?

Com isso, o hino do ouvírus da covid às margens plácidas tem os já citados, que o cantam em uníssono. Eles esperam, desejam, querem que as pessoas não se vacinem, pelo menos não tomem a segunda dose, ou se assim o fizeram que esqueçam a dose de reforço.

Os argumentos em defesa da covid são os mais absurdos e vão desde o anúncio de que um menino tomou a vacina e morreu; uma mulher passou mal; alguém disse num sei o que da vacina, esse num sei o que fez num sei o que lá com uma velhinha e ela caiu seca no chão, e por aí vai.

Políticos, notadamente prefeitos, liberam o carnaval em via pública, mas, claro, tomando-se todas as precauções e cumprindo-se os requisitos que vão garantir aos foliões que podem se reunir e nada lhes acontecerá. Mas são apenas safados. O ouvírus não negocia nem respeita nada ou ninguém que ouse desafiá-lo. Mas os safados querem festa.

Somos enfim o Brasil. Sei que não somos exceção. Lá fora há países onde esse tipo de loucura também se apresenta. Afinal, somos todos humanos e errar faz parte dessa humanidade tão nossa e tão troncha.

Aqui a vacinação, todavia, cresce. Ainda bem. Mas é doloroso ter de ouvir de muitos histéricos a voz pilantra que diz: “Ouvírus da covid às margens plácidas.”

 

 

 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

 Elza Soares partiu; ela agora pisa num chão de estrelas

Por Emanoel Barreto

O Brasil perdeu Elza Soares – foi-se embora quem não podia faltar.

Somos agora um samba acabado, uma voz calada, um silêncio grande, uma larga tristeza. A bateria parou em respeito para abrir alas aos versos de Nelson Cavaquinho: “Tire o seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor.”

Elza era alegria e sofrimento, dor e força, coragem e talento. Tudo isso a marcou, toda essa mistura deu o tom de sua vida. Era fulgurante. Elza do Brasil. Foi casada com uma das lendas do futebol brasileiro, Mané Garrincha. Ele sambava com a bola, ela era a passista do grande gênio de pernas tortas.

A carreira começou em 1953 quando participou do programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso. Paupérrima, usava um vestido da mãe, ajustado a seu corpo com alfinetes. Barroso, zombando de sua aparência, que incluía um penteado que ampliava sua figura de criança favelada, perguntou de que planeta ela viera. Resposta:

"Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome." Ela sabia do que falava: ela passava fome mesmo. Sofrimento era coisa de todo dia. Fora casada à força aos doze anos e aos treze já era mãe. Mas, ali, perante Ary Barroso surgia a voz do Brasil, nascia Elza Soares, voz e grito.

O Brasil é, e isso ela deixou bem claro, um país que canta vestindo uma fantasia de alegre viver, mas no fundo traz uma dor profunda e sentida. Explica-se: o Brasil é o planeta fome. Caetano Veloso já disse: “O Haiti é aqui.”

Sua passagem ganha um intenso e forte peso dramático pois ocorre quando somos acossados pela peste que se avoluma enquanto vozes de degradados alardeiam que está tudo bem, e o capitão reformado diz que o Ômicron é bem-vindo. Sai Elza, chega a incerteza, cresce a onda de medo e dor.

Ela morre num mesmo 20 de janeiro, também data em que Garrincha tirava as chuteiras para nunca mais voltar. O Brasil, porém, continua em campo e no palco, na avenida das escolas de samba e nas ruas, onde os caminhantes já sabem: é preciso esperançar sem parar para esperar. Há perigo na esquina, nos bares, nas festas, nos becos. Cuidado.

Perdemos Elza Soares: o Brasil está escorrendo pelo ralo e estamos descendo a ladeira. Novamente Nelson Cavaquinho nos chama: “O sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações / Do mal será queimada a semente / O amor será eterno novamente.”

Elza se foi; mas não completamente. Agora ela está lá em cima e pisa nos astros distraída. Seu chão é feito de estrelas.