sexta-feira, 29 de março de 2019


You can’t always get what you want

O título desta crônica foi tirado de composição dos Rolling Stones. Em tradução livre quer dizer mais ou menos que você não pode ter tudo o que deseja. E a canção tem tudo a haver com a história que vou contar.

Seguinte: corria o ano de 1975 e eu era repórter do Diário de Natal, editoria de polícia. 
Certa vez, procurando telegramas das agências noticiosas que tratassem de assuntos da área policial encontrei uma história incrível. Rodriguiana, totalmente rodriguiana. 
Eis a história do tal telegrama: um sujeito, batendo pernas por uma rua do Rio de Janeiro deu de cara com uma cena que o deslumbrou: mulher gravemente bela varria a calçada da casa. 

O olhar do homem deslumbrou-se com a visão,que nele gerou uma epifania de encantamento; um misto de desejo e  respeito sagrado por aquela vênus.

A partir de então passou a cumprir com seu ritual de ânsias platônicas: observar seu objeto de afetos. A mulher passou a ser a santa deliciosa, a madona de prazeres ocultos, proibidos encantos. O interesse virou obsessão, a obsessão transformou-se em decisão e um dia pensou: estava pronto, iria dirigir-se a ela. 
E se assim pensou melhor o fez: certo início de noite, munido de revólver invadiu a casa e ali encontrou-a. A ela e ao marido. Na sala.  Pego de surpresa o casal não reagiu. Marido e mulher pediram que se fosse. Cao quisesse assaltar poderia levar tudo. 

Possesso de todas as vontades, embriagado de licenças, mandou que o casal se calasse. Eles obedeceram. Então ele mandou: queria que a mulher se despisse; lentamente. Foi inútil o pedido para que não, não fizesse aquilo. Ele determinou e pronto: a arma tremendo na mão, o nervoso intenso da situação. E não houve jeito: a mulher obedeceu.

Ela livrou-se primeiro da blusa, depois da saia; do sutiã em seguida, e então da peça mais íntima, ao sul do seu corpo fêmeo: a calcinha caiu ao chão. E ele, afinal, após todas as angústias vividas só para si, a viu nua: seios opulentos, ancas suntuosas, o vértice feminino adornado de delicado e denso veludo negro. 

E então aconteceu: tonto de paixão, atordoado de beleza, ofegante daquela sórdida alegria, o coração desesperado em síncope de blue, ele deixou cair a arma, pediu perdão ao casal, girou nos pés e caiu morto daquela encantação terrível e deslumbrante. 



O repórter-fotográfico João Maria Alves, um dos olhares mais experientes e talentosos desta Natal tão nossa, promove a partir do dia 5 de abril, a partir das 19h, a exposição Vivo Sertão, na galeria Margem Hub de Fotografia, à Rua Amaro Mesquita, Lagoa Nova. Como apresentação da mostra preparei o seguinte texto:

Grande sertão: belezas
Emanoel Barreto – repórter
A pressão do jornalismo diário forjou no olhar do repórter-fotográfico João Maria Alves a percepção do momento preciso, instante exato do disparo da máquina que transforma em imagem a cena de vida; ação e pulsação, brutalidade e grandeza, gesto imprevisto e foto imediata – todo jornalismo é ofegante.
É isso, essa pressa sem parar que define os grandes fotógrafos: a precisão da foto, a transformação do fato em texto de imagem, o teatro do mundo como tragédia e manchete. Com suas lentes João Maria faz isso – como poucos.
Conheci João nos idos dos anos 1970 e continuamos a trabalhar juntos na Tribuna do Norte ao longo de boa parte da década seguinte: muito tempo. Muitas matérias de rua, acontecimentos em ação, assaltos e mortes – a dor do povo nas filas, ônibus lotados, hospitais sofrendo, favelas e gritos; políticos anunciando eras magistrais, obras grandiosas, gente feliz. João registrando tudo.
É que o fotógrafo tem a compulsão do tempo. Ninguém sabe quantos instantes tem um momento, quantos segundos tem um lapso, quantos átimos há num minuto. Mas o fotógrafo sim. Ou sabe disso instintivamente ou não será nada. Ele é dessa estirpe. Captura a alma do fato. Fotógrafo pé quente.
Suas fotos são documentos. Dados e passados no cartório do Tempo.
A exposição que ora realiza traz um João Maria na fase da maturidade pessoal e profissional. Trata-se de trabalho que só consigo definir como magnífico. Seja pelos enquadramentos, expressividade das cores, textura e oportunidade do disparo, ou pelo fato de que nos traz o sertão em forma de beleza. Um sertão reluzente de alguma ternura, mas sem perder a dureza jamais.
João Maria conseguiu dar à paisagem – e à presença humana subjacente – um dado de pujança e força. Somos atraídos às fotos como se estivéssemos atravessando um portal, descobrindo um grande sertão agreste e belo. O sertão parado em seu tempo; sertão como entidade, o homem como vivente enraizado na bruteza do chão.
Não é fácil transformar paisagem em flagrante. Para fazer isso é preciso ser aliado do tempo, saber dos tais instantes e momentos fotográficos – eles são o precioso tempo que os relógios não marcam. João soube fazer isso muito bem, trazendo à tona a essência da paisagem; ele transformou a paisagem em fato e o que está parado em acontecimento. Trabalhou com a luz, captou o silêncio poderoso das sombras. É exímio colorista. Nada mais jornalístico que isso.
Esta exposição é também um registro de vida, os passos na estrada de um grande profissional. Vida, esforço, presença, dedicação e talento. Abraço grande, amigo. Que venham novos momentos.