sábado, 3 de dezembro de 2016

Insensível e temeroso

Acabo de ler no Twitter que Temer confirma presença no velório dos jogadores da Chapecoese. Mantenho, entretanto, o texto em que critico sua inicial disposição de  fugir a esse compromisso humanitário. (São 10h16min).

a) Emanoel Barreto 


Temer mata no peito a dor do povo e escanteia sentimento de solidariedade

Por todo o país corre a informação: Temer não vai a campo prestar homenagens fúnebres aos jogadores da Chapecoense. A Folha diz com todas as letras em chamada de primeira página: “Por medo de vaia, Temer não vai a velório coletivo”.
Mesmo admitindo que o redator do título cometeu cacofonia primária, pois a palavra “vaia” pode ser lida duas vezes na frase, isso, de alguma forma, faz sentido: serve para enfatizar a fraqueza presidencial ante o imperativo de expor-se em público e arrostar momento difícil.
E aí vem a pergunta: de um homem que teme uma vaia o que se pode esperar? Creio que nada; no máximo muito pouco – com perdão do oximoro.
Se a Temer falta grandeza para prestar solidariedade em momento de comoção nacional, comoção que chegou a outros países, faltará também grandeza de estadista para dar rumo ao país.
Ao inverso, quando atua nos entreatos de bastidores ele é figura com desembaraçada presença; homem de acordos e acertos – até mesmo com adversários que pedem sua cassação – como fez o PSDB. Temer, isso não é novidade, tem fugido sempre ao contato com o Brasil real e pulsante.
Sobre ele já se diz que não chegará ao fim do mandato. A mobilização de amanhã seria o primeiro ato preparatório ao fatídico desfecho.
Em Chapecó o lúgubre personagem cumprirá neste sábado lamentável passagem do seu já desprezível governo: vai mas não estará; e chegando vai mostrar toda a sua ausência.
É que Temer matou no peito a dor do povo e chutou para fora o sentimento de solidariedade.  
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Charge do EB

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A respeito de coragem e decisão

Uma conversa aparentemente maluca numa tarde de calor

Foi numa tarde de calor abafado, meados de 1976, que fiz uma entrevista com um executivo. Não lembro se era empresário ou gerente de banco. Era jovem, e fora entrevistado a respeito da situação da economia do Rio Grande do Norte. Falava bem, era assertivo, fluente. O tipo da fonte boa de entrevistar. Respostas certeiras e objetivas. Chamava-se José do Egito. Voltamos a nos ver mais uma ou duas vezes.

Mas foi em nosso primeiro contato que ele me impressionou. Foi assim: depois dessa conversa aplicada a que chamamos entrevista passamos a falar de outros temas; isso é comum, enquanto o repórter espera o carro do jornal para voltar à redação. Não lembro bem porquê, mas falamos a respeito da capacidade humana de decidir, aquele momento em que precisamos tomar atitude, firmar posição.

Disse-me ele: “Barreto, não tenho coragem para nada; mas também não tenho medo de nada.” Rimos muito da afirmativa, seu conteúdo paradoxal, sua matreira incompreensibilidade, até mesmo aparente falta de sentido; uma coisa anulando a outra.

Dias depois, pensando bem, creio que cheguei ao sentido daquela frase: seria ela o indicativo de que o homem que adota tal atitude - que o leva a um ponto zero -, ter atingido uma espécie de serenidade. 

Sente-se imerso numa situação, percebe que não tem como sair a não ser pelo enfrentamento, e escolhe de que forma se dará tal enfrentamento: recuar taticamente (numa suposta falta de coragem, que na verdade é atitude engenhosa) ou partir para o ataque (a coragem vivida dê no que der).

Creio então que é isso: devemos, precisamos escolher o momento preciso para tomar atitudes. Experienciar os momentos, neles imergir e avançar na direção daquilo que deve ser o comportamento compatível. 

Cuidado com os traiçoeiros e dissimulados, mas mantenha-se perto deles para perceber quando arquitetam sua traição. Conheça seus métodos, suas palavras, suas regras. Faça de conta que é a vítima perfeita. Mas apoie e apoie-se nos que sejam confiáveis e retribua à altura seus gestos de dignidade.

É isso; bom fim de semana. E, de qualquer forma, um abraço a José do Egito, aonde quer que esteja.

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 Charge do Barreto




quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Um brasileiro sai gritando

"O delegado sou eu! O delegado sou eu!"

Eu o vi duas ou três vezes: bêbado, mirrado, bracinho fino erguido e indicador apontado para o alto, caminhava bradando uma inútil advertência: "O delegado sou eu! O delegado sou eu!" Ninguém contestava, até porque nele ninguém prestava atenção a não ser eu, em minha ingênua curiosidade de menino; não sei se perplexo ou estranhamente fascinado com aquela cena que oscilava entre o ridículo e o comovente eu acompanhava com o olhar aquele homem trôpego e mal-vestido.
http://www.depplovers.com.br/blog/wp-content/uploads/2013/07/Tontoantigotonto.jpg

Corriam os anos 60 e da minha casa eu o via seguir ladeira abaixo, Rua Princesa Isabel, centro de Natal. Ele passava na calçada do outro lado da rua e seus gestos hoje me lembram um Carlitos torto e anônimo, um brasileiro pobre que se dizia autoridade.

Bem que eu poderia tê-lo presenteado  (meninos, se você não sabe, podem tudo) com uma viatura policial que naqueles tempos eram chamadas de "tintureiras", para ele fazer valer sua disposição de Quixote e prender todo mundo. A tintureira seria toda pintada em preto e branco e Delegado poderia cumprir mandados, fazer flagrantes, capturar os maus. 

E mais: eu poderia pedir ajuda aos meus amigos Zorro e Tonto, Billy the Kid, Kit Karson, Roy Rogers, o Fantasma, Búfalo Bill, Águia Negra, Falcão Negro, Daniel Boone, Dom Chicote, Cavaleiro Negro, Kid Colt e, claro, Jerônimo, Aninha e Moleque Saci. 

Se a coisa ficasse muito feia poderia chamar o Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda e mais: El Cid, o imperador Carlos Magno e os Doze Pares de França. Athos, Porthos, Aramis e d'Artagnan também poderiam vir.

Eles eram invencíveis, eram meus amigos e jamais se negariam a ajudar a mim e ao Delegado. Eu daria a ele um dos meus revólveres de plástico, quem sabe até mesmo um de metal, o mais bonito, o que disparava espoletas. 

Com essas armas eu mesmo prendi muitos bandidos que habitavam esconderijos imaginários somente conhecidos por mim. Eu tinha até uma estrela de xerife ganha numa promoção da Toddy, premiação chamada Patrulheiros Toddy. Eu era um Patrulheiro Toddy e bem poderia ter ajudado ao Delegado. Mas não fiz nada. 

Não chamei os caubóis meus amigos, nem os grandes espadachins, não lhe dei a tintureira, não lhe dei meu revólver, não saí galopando a seu lado rua abaixo.  

Nada, nada, nada; somente o vi passar; tão desamparado, maltrapilho e tão bêbado, um pobre brasileiro e se perder na pesada ladeira da Princesa Isabel. 
E ele se dizia o delegado. Ele só queria respeito. Porque tinha a autoridade de ser povo, pobre e cambaleante.

Após aquele dia nunca mais reencontrei o Delegado. E, acho, somente hoje descobri que ele também era meu amigo, e tão corajoso e firme como Jerônimo ou Zorro. Afinal, eu e o Delegado vivíamos em mundos, universos imaginários e queríamos ajudar, prendendo bandidos. Naquele tempo além de querer prender bandidos eu tinha outra paixão: queria ser arqueólogo, pensava em ir ao Egito e fazer grandes descobertas.  

Hoje penso no meu amigo Delegado, reduzido a uma réstia de lembranças. E agora me vem, não sem um certo temor e uma fisgada de angústia: acho que quando ergo minha voz nestes textos de internet também estou descendo alguma ladeira e grito como o louco sublime: "O delegado sou eu! O delegado sou eu! O delegado sou eu!"



Quando o jornal trabalha contra o jornalismo



Folha tenta ocultar
 manobra de Renan

Na contramão da história a Folha de S. Paulo tentou minimizar em sua edição de hoje a fracassada manobra do presidente do senado, Renan Calheiros, que pretendia votar em caráter de urgência lei que pelo menos parcialmente favorece a corrupção.

A manobra para reduzir o impacto da notícia foi a seguinte: o jornal dos Frias colocou no canto inferior esquerdo da primeira página a informação, sob o título “Após ameaça, Renan perde em manobra contra a Lava Jato”.

Lamentável a tentativa de minimizar acontecimento histórico tão relevante. O jornal perde credibilidade e pratica uma espécie de fraude a seu próprio noticiário. 

É sabido que as primeiras páginas, especialmente no jornalismo brasileiro, seguem uma técnica que ensina o seguinte: a diagramação deve ser feita de cima para baixo e da esquerda para a direita. 

Matérias à direita atraem mais a atenção e, com isso, têm maior índice de legibilidade. Desta forma, como o jornalão expôs o texto sobre Renan à esquerda, na parte do baixo da página, buscou literalmente esconder o fracasso do presidente do Senado.  

 Além dessa manobra, não acrescentou qualquer foto, o que reduz ainda mais o potencial de legibilidade da matéria. 

Fica patente que os Frias, aliados naturais do tucanato desde priscas eras não querem contribuir para aumentar as ondas do mar tenebroso em que navega o governo Temer, de já tão carcomido cerne moral
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A ação da folha não impedirá Temer de, em algum momento, e momento historicamente próximo, de ver-se às voltas com vetar ou sancionar a lei que garante a punibilidade da corrupção no país.
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Quando a autoridade precisa ser punida

É certo que juízes, promotores e procuradores não podem valer-se da função pública para promover abuso de autoridade, punir indiscriminadamente ou pura e simplesmente praticar crimes e escapar de punições.

É claro que todos devem ser iguais perante a lei e causa asco social quando a sociedade é informada de que promotores e juízes, quando delinquem, são punidos com aposentadoria. Ou seja: são criminosos de luxo e lhes é dado ócio com dignidade. Inaceitável. 

Deve-se punir juiz e promotor quando delinquem. Como também deve-se impedir que deputados continuem a delinquir. 
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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Pressão em cima dos políticos



A enrascada de Temer:
fugir or not fugir, eis a questão

Os procuradores da Lava Jato podem renunciar caso Michel Temer sancione o projeto anticorrupção da forma como se encontra. A respeito o Portal G1 informou:

 “Os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato repudiaram o que chamam de ataque feito pela Câmara contra as investigações e a independência dos promotores, procuradores e juízes. Em entrevista em Curitiba, nesta quarta-feira (30), eles criticaram as mudanças no pacote anticorrupção, que foi aprovado pelos deputados nesta madrugada.”

Disse o procurador Carlos dos Santos Lima: "Nós somos funcionários públicos. Temos uma carreira no estado e não estaremos mais protegidos pela lei. Se nós acusarmos, nós podemos ser acusados. Nós podemos responder, inclusive, pelo nosso patrimônio. Não é possível, em nenhum estado de direito, que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados. Nesse sentido, a nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa proposta seja sancionada pelo presidente.”

Creio que agora a chamada classe política chegou ao seu ponto-limite, Temer incluso. É a hora da verdade; o presidente terá que tomar uma posição: ficando a favor dos seus iguais estará necessariamente contra a sociedade, que tem-se manifestado firmemente a favor da Lava Jato. 

Escolhendo o projeto que foi aprovado estará galopando ao lado dos que no plenário apontaram um golpe literalmente sujo; vetando, terá que enfrentar sua reação virulenta, pois o veto poderá ser derrubado. 

O Brasil vive assim momento hamletiano, aquele do ser ou não ser. É preciso escolher de qual lado ficar: se da farsa dos seus, se da força  das ruas. É preciso ter grandeza, coisa que não acredito tenha o presidente Temer. Mesmo sabendo ele que há algo de podre em nosso reino. 

Mas o dilema está posto e suponho que não é coisa a ser tratada com os salamaleques típicos do ocupante do trono brasiliense. E até mesmo o jornalismo que apoia Temer não tem como ocultar que ele encontra-se na encruzilhada. Vejamos amanhã a repercussão. 
Mas uma coisa é certa: não há como fugir or not fugir...
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Ser ou não ser, o Brasil shakespeariano

Leia a íntegra do que disse o personagem Hamlet na peça de mesmo nome. Algo alude ao Brasil. 

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e flechas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocaçoes
E em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais.

Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais-herança do homem:
Morrer para dormir... é uma consumação
Que bem merece e desejamos com fervor.

Dormir... talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da existência,
No repouso da morte o sonho que tenhamos
Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.

Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,
O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
Toda a lancinação do mal-prezado amor,
A insolência oficial, as dilações da lei,
Os doestos que dos nulos têm de suportar
O mérito paciente, quem o sofreria,
Quando alcançasse a mais perfeita quitação
Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
–Essa região desconhecida cujas raias
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?

O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da melancolia;
E desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo
De se chamar ação.