sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Sábado gordo

Caros amigos,
E chegou o carnaval.
A cintilante alegria programada,
o hedonismo sazonal e intenso,
que obriga anualmente o brasileiro a ser feliz.

E chegou o carnaval.
Gente vai cair no samba,
outros seguem rumo à praia.
E o Brasil é obrigado a ser feliz.

Quantas loucuras deslumbrantes,
alegrias filtradas, esperadas dia a dia;
trabalhadas, ansiadas no escuro da alma, vão acontecer.
E o Brasil é obrigado a ser feliz.

Veias, coração e vida
vão destilar, no alambique dos pandeiros,
o absinto de emoções - tão tortas, tão aladas,
passageiras e banalmente essenciais.
E o Brasil é obrigado a ser feliz.

E
o
B
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a
s
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l
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b
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g
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d
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Emanoel Barreto

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Tristeza não dá samba

Caros Amigos,
A Justiça do Rio proibiu o desfile de um carro alegórico da Unidos de Viradouro, que seguiria pela avanida cheio de esculturas representando judeus chacinados pelos nazistas. Mesmo admitindo-se as boas intenções do carnavalesco, convenhamos: carnaval não é o espaço apropriado para uma crítica desse tipo, especialmente se se utiliza o recurso impressionista de figuras esquálidas amontoadas, como efetivamente aconteceu e foi registrado pelos Aliados.

Isso somente fará reacender a memória da brutalidade, a sensação de sofrimento. Pior: poderá parecer, de alguma forma, escárnio, deboche com quem tanto já sofreu. Como eu vou reverenciar mortos em meio a uma festa - belíssima, indisutivelmente -, feita de libido, narcisismo, explosões de egolatria e fausto? Só um louco para pensar nisso como reverência.

Liberdade de expressão precisa ser exercida com bom senso: a sátira, a caricatura, o texto dionisíaco e sarcástico, quaisquer alusões críticas a pessoas ou fatos, são perfeitamente aceitáveis, desde que instituídos em suas formulações sociais exatas. E o carnaval não é o lugar escolhido pela tristeza, para instalar-se com seu vale de lágrimas. Tristeza não dá samba.
Emanoel Barreto

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O Lobo e os Três Porquinhos

Caros Amigos,
Como foi visto no texto anterior, o Lobo Mau conseguiu seqüestar o Brasil, depois de atacar a Vovozinha. Chamado a depor numa comissão parlamentar de inquérito, onde também era acusado de tentar derrubar a casa dos Três Porquinhos, defendeu-se: "Também, tudo agora é culpa minha. Não seqüestrei o Brasil, foram outros, que se fizeram passar por Caçadores. Quanto à casa dos Três Porquinhos, nada tenho a dizer, a não ser que ela foi derrubada pelo ex-deputado Sérgio Naya."

E depois, orientado pelo advogado, completou: "E tem mais: eu, pelo menos, sou um Lobo. Mau, mas um Lobo. Eles são porcos.. Por que vocês não investigam eles?" Não disse os nomes dos porquinhos e até hoje a Polícia Federal está atrás deles, que logo ficaram sob a suspeição de ter feito algo de errado pela simples condição de porcos. Com porco, não é?, nunca se sabe...

Quanto ao Brasil, há rumores de que conseguiu escapar do cativeiro. Mas nada ainda foi confirmado.
Emanoel Barreto

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O Brasil e os Lobos Maus

Caros Amigos,
Quando o Brasil era criança, era um menino muito levado. Tanto, que chegou a surrupiar do Saci Pererê seu chapeuzinho vermelho e saiu por aí, todo lampeiro. Mamãe Brasília, a conselho do preguiçoso Papai Macunaíma, disse ao menino: "Meu filho, não ande pelo caminho da floresta amazônica, pois lá é perigoso. Lá vivem os Lobos Maus, o Papai Lobão e o filhote Lobãozinho."

Mas Brasil era danado e largou-se um dia a andar pela floresta amazônica, quando ia levar doces para Dona Benta, sua Avó, que morava no Sítio do Picapau Amarelo, mas que, por uns meses, estava na Chácara do Torto. Brasil podia ter ido pelo Rio, mas por lá havia muito tiroteio, que nem mesmo o Bope estava conseguindo dar conta. Por São Paulo nada, a poluição do Tietê, o trânsito demencial que enlouquece aquela pobre cidade, o fizeram desistir.

Na verdade, Brasil não tinha mesmo como escapar. Pelo Nordeste também não dava para ir, pois a seca estava rachando a terra, o povo em fome e os políticos ganhando dinheiro e voto com as levas de pessoas que pediam água. Brasil, como estamos vendo, mesmo sendo traquinas e gostando de pilantragens - opa! eu queria dizer peraltagens -, não tinha outro caminho a seguir e meteu-se pela floresta.

Logo que chegou lá, foi recebido a tiros por grandes proprietários, que devastavam a mata para plantar soja. Mais adiante, bala de novo: agora eram garimpeiros, que poluíam rios com mercúrio, atrás de ouro, muito ouro. Mais na frente, mais tiro: grupos criminosos cortavam troncos centenários para transformar em madeira de lei. Vamos ficar por aqui, que senão eu não paro, pois quero mesmo é falar sobre o que interessa: os dois lobos da floresta.

Depois de muito caminhar, Brasil afinal chegou ao Torto. Ia dar um grande abraço na Vovozinha, entregar os doces, passar a noite lá e voltar para casa, feliz da vida.

Pois bem, chegando à Chácara do Torto, Brasilzinho ouviu mesmo foi um grito enorme, desesperado, louco. Os Lobões estavam atacando a Vovozinha, Meu Deus! Brasil ficou sem saber o que fazer: o Papai Lobão gritava que queria seu espaço político, era muito forte e coisa e tal; o Lobãozinho dizia que aquela história de que devia 5 milhões e 500 mil ao fisco era balela e que ele ia provar que era um homem, quer dizer, um lobo bom.

A Vovozinha Dona Benta não aguentava mais: para onde ela ia, os lobões iam atrás. Brasil estava perdido, atônito, quando ouviu a velha canção:

Nós somos os caçadores,
E nada nos amedronta,
Damos mil tiros por dia,
Matamos feras sem conta.

Pronto, Brasil ficou felicíssimo e pulou para dentro da casa da Vovozinha. Agora, estavam salvos. Os caçadores estavam chegando. Os Lobões seriam afastados e a paz voltaria à vida da Vovozinha. Abraçaram-se. Até ensaiaram cantar "Pega eu, que eu sou ladrão", em homenagem a Bezerra da Silva. Mas, nisso, os caçadores chegaram, se apresentaram e... anunciaram o assalto... Agiam em parceria com os Lobões e queriam tudo. Vovozinha desmaiou. Brasil foi seqüestrado e até hoje estão pagando o resgate. Mas, eles não o libertam nunca...
Emanoel Barreto