sábado, 22 de maio de 2010

Foto: Cartier Bresson. http://1.bp.blogspot.com/_6k0fjc3mjSc/SK8MXkkhmcI/AAAAAAAAAdM/5FzF6ktQmig/s400/cartie+bresson+rudnik,+servia+jugosl%C3%A1via+1965.jpg
O olhar do século
Emanoel Barreto

Leio "Cartier Bresson: o olhar do século", obra-prima de Pierre Assouline a respeito do gênio poderoso do grande fotógrafo francês, autor daquilo que chamam de "teoria do momento decisivo" na foto. O instante perfeito, sintético, de um momento maior. Captado na ação das lentes pelo olhar perplexo, extasiado  ou alumbrado do fotógrafo.


Recomendo a todos os que se interessam por jornalismo, teoria da comunicação ou fotografia. Além do texto primoroso, precioso, exato - e que por ser exato é total e completo de infinitude - há o registro da biografia daquele complexo ser humano, que captou como ninguém o século 20 em toda a sua paleta de maravilhas e loucuras, perversidades e grandezas.

O livro contém têmpera como se fosse pintura. Afinal, palavras são, à sua maneira, quando combinadas em arranjo de interlocução sensível, uma espécie de grande pintura. Um mural. Uma conversa, quando vai além e acima do que se espera desse ato trivial, cotidiano, banal, se transforma em escultura intátil. Pulsação.  

Pois bem: para mim, que costumo conversar com livros, encontrar nas páginas o autor, a autora, o ator daquelas palavras, esse trabalho de letras emotivas está sendo um grande momento. Aventura. Estou ainda começando a leitura. Mas já piloto minha máquina do tempo para visitar todo o território narrado por Assouline.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

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Televisão, câncer e um traficante morto em confronto com a polícia
Emanoel Barreto

Como todo dia ela saiu de casa para trabalhar. Diarista, Maria passava o dia todo fora, somente voltando ao cair da noite. Chegando em casa, deu por falta do televisor. Velho, imagem em preto e branco, antena cheia de buchas de bombril. Como alguém iria roubar aquilo? Mas roubaram. O tempo fechou, choveu, a noite cobriu tudo.

De sua casa,  no escuro, Maria viu, do outro lado da rua enlameada, que na casa de Dona Quininha estava clom TV ligada. Mas Dona Quininha não tinha televisão. Aquele miserável mistério foi logo resolvido. Maria correu até a casa da velha. Na sala, ela via novela. E a TV era a TV de Maria.

- Dona Quininha, o que é isso?
- É a sua televisão, minha filha. Mandei roubar.
- Mandou o quê?
- Roubar. Não tinha televisão em casa, nem dinheiro para comprar, mandei roubar.
- E quem...
- Roubou? Meu filho. Josedéquio. Ele até hoje só me deu tristeza com roubos, droga e brigas. Assim, pedi a ele para fazer um roubo bom. Um roubo do bem.
- A senhora chama a isso de roubo do bem?
- Sim...
- Não!
- Sim...
- Não!
- Sim, porque ele roubou a televisão para mim, que estou doente de câncer e devo viver no máximo mais um ano, no máximo. Como estou desenganada, pedi a ele um presente e o presente foi sua televisão. Ele nunca tinha me dado um presente. Agora eu tenho o que fazer, enquanto espero a morte.
- Mas, a senhora não sabe que roubou apenas a minha TV.
- O que mais eu lhe roubei?
- A senhora roubou todos os meus amigos: os atores das novelas, os jornalistas, o povo das propagandas, os apresentadores dos programas de domingo. Eu perdi meus amigos, entende?

A confusão, todavia, não rendeu muito. Acabou-se logo que Maria concordou em ficar, toda noite, assistindo TV na casa da velha senhora.

Uma noite, a novela em cena tensa. De repente o programa é suspenso para edição extraordinária do Jornal do Povo: era anunciado que o perigoso traficante Josedéquio Silva Lima, conhecido como Francão, havia sido morto em confronto com a polícia.
Maria ficou parada, trêmula. Dona Quininha, gelada.
Pouco depois o televisor pifou.
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quinta-feira, 20 de maio de 2010


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Um poema de Neruda

Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
Ah los vasos del pecho! Ah los ojos de ausencia!
Ah las rosas del pubis! Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia sin límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.




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A Folha e a perversa política editorial do amor/odio
Emanoel Barreto

Transcrevo e abaixo comento parte de notícia da Folha, em que anuncia reforma gráfico-editorial para este fim de semana.

A partir de domingo, quando estreia o novo projeto gráfico e editorial da Folha, o jornal passa a contar com um grande elenco de novos colunistas. Cadernos estão sendo reformulados e alguns deles também terão novos nomes.


O atual caderno Brasil passa a se chamar Poder. Dedicado aos interesses do cidadão e à esfera pública, o caderno faz a cobertura dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de tratar de assuntos relacionados à religião, ao meio ambiente, aos movimentos sociais e às diversas organizações da sociedade civil.


Este ano, Poder, editado pela jornalista Vera Magalhães, tem na cobertura das eleições gerais (para presidente, governador, dois senadores, deputado federal e deputado estadual) o seu principal foco de atenção.


A atriz Fernanda Torres, que estreou como dramaturga em 2009 com a peça "Deus É Química", passa a escrever em Poder quinzenalmente, aos sábados, sobre as eleições. Dividirá o espaço com o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo.


O caderno Dinheiro, editado pelo jornalista Raul Juste Lores, passa a se chamar Mercado. E vai receber 15 novos colunistas em suas páginas.


Entre eles, o empresário Eike Batista, empreendedor das áreas de mineração e siderurgia, hoje o brasileiro mais rico segundo a revista "Forbes", que escreverá mensalmente.


Como ele, também escreverão todo mês Fábio Barbosa, presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e do Banco Santander no Brasil, e o deputado Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda do governo Luiz Inácio Lula da Silva e coordenador da campanha de Dilma Rousseff à Presidência.[...]




........

A Folha é jornal nacional de referência que mais tem procupação em crescer e afirmar-se como hegemônico em seu campo. O Projeto Folha é bem sucedido em termos de marketing e sob o aspecto político. É o jornal mais influente do país. Seleciona cuidadosamente articulistas de renome e, frente a um mercado que se torna dia a dia mais difícil para o jornalismo impresso, começa a dar destaque mitigado ao noticiário policial. Claro, para abarcar o leque de leitorado que se interessa por esse tipo de informação.


O jornal vive, entretanto, um paradoxismo: é o mais lido e o mais odiado do país. Como? Simples: faz parte da política editorial a manutenção desse vínculo esquizofrênico com o leitorado. O professor Carlos Eduardo Lins da Silva, um dos epígonos do Projeto Folha, detalha como isso se dá no livro "Mil dias, seis mil dias depois".


A política do amor/ódio funciona assim: o jornal publica notícias que "ofendam" determinados segmentos do seu público de forma deliberada - está no livro. Exemplo: quando foi exibido no Brasil o filme "Je vous salue, Marie", de Jean-Luc Godard, abriu espaços para não só noticiar como expor textos de crítica favorável à fita, com o objetivo programado de susitar sentimentos de insatisfação junto a leitores católicos conservadores. Na mosca! Houve uma enxurrada de protestos.

Era isso mesmo o pretendido - também está no livro de Silva. O leitor, revoltado, repudia o jornal mas não deixa de continuar lendo suas edições, numa espécie de efeito reverso. Isso a fim de manter-se informado a respeito de como o impresso contesta seus valores. Idem, no livro. Mas, diz Silva, tal é cumprido de forma cautelosa, a fim de não afrontar em demasia o leitor perdendo-se mercado.

E, como uma fênix, a Folha se renova a cada seis anos mais ou menos. Com isso passa a ideia de entidade que não se ossifica, escapa aos rigores do envelhecimento editorial, é arrojada e deve ser assim acompanhada em suas mutações.

O projeto é tático enquanto proposta editorial e mercadológica, e estratégico em termos de grande política, já que seus controladores buscam influir historicamente no processo comunicacional e ideológico vivivo por esta pátria amada, salve, salve.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

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Louvor camoniano à lei do ficha limpa
Emanoel Barreto

De Camões o canto mais sentido,os Lusíadas, poema épico-guerreiro,
Diz ao mundo que d'agora por diante no Brasil, pátria merencória de inglórios navegantes

Só com ficha limpa pode o político impetrar rompante e lograr assumir douto mandato.

Rui Barbosa proclama hosana nas alturas e diz que destarte o honrado poderá gabar-se de não mais ser servil ao vil vilão.
(Abaixo, a versão revista e contextualizada dos Novos Lusíadas)

As armas dos ladrões assinalados
Que da Ocidental praia Brasiliana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Propaganda,
Em perigos e marketings esforçados
Mais do que prometia a força humana
E entre gente remota edificaram
Velho Reino, que tanto solaparam;


Mas agora as memórias ingloriosas
Daqueles Corruptos que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
Da Pátria, de África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras tenebrosas
Se vão à lei da Morte acorrentando
Cantando os encarcerarei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
 http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://ebicuba.drealentejo.pt/ebicuba/jornal/jornal07/fotos
Um belo poema de Florbela Espanca.

Princesa desalento

Minh'alma é a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!


É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces d'agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh'alma é a Princesa Desalento…


Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!
O luar ouve a minh'alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta…



segunda-feira, 17 de maio de 2010

Eternamente instante
Emanoel Barreto

Inesperada forma de beleza fêmea,
Instigante desafio a uma nova porta.
Marfim guardado em gaveta secreta,
Anil branco a tilintar.

Não, não é.
Não sei se não é.
E, não sendo, é aquilo que não sei.


Noturno para Tânia
Transcrevo poema de Walflan de Queiroz, exposto no Azulão da UFRN.

Noturno para Tânia



"Se, durante a noite, não sentires,
Cair sobre a tua face, uma lágrima,
Não, não sou eu.


Se, durante a noite, não ouvires,
O grito do pássaro pousando em tuas mãos,
Não, não sou eu.


Mas, se caminhares, pelo invisível,
E vires então o anjo inclinar-se sobre ti,
Sou eu, Tânia, sou eu."
.........
Walflan de Queiroz (1930 - 1995)


Nasceu em São Miguel (RN). Influenciado por Paul Verlaine, Arthur Rimbaud e Hart Crane, sua obra se inscreve na tradição da poesia mística ocidental, dotada de permanente inquietude metafísica, advinda de uma alma angustiada. Seus últimos anos foram passados em hospital.


domingo, 16 de maio de 2010

http://1.bp.blogspot.com/_0ru2ybbVen0/SISOOauhUSI/AAAAAAAAAEk/CtWsOvBWGDU/s400/luta_livre.jpg
Obscena violência
Emanoel Barreto

Só um registro, pouco mais que uma legenda: obscena em toda a exatidão da palavra, a violência ganha foros de esporte, gera milhões em lucro, desperta os sentidos mais baixos. Dois machos atracados, suarentos, sórdidos. Imorais na mais forte acepção que tenha a imoralidade, exultada pelos violentos e seu pegajoso resfolegar.
http://www.sertao24horas.com.br/cute/data/upimages/marina-da-silva.jpg
A vida de Marina Silva ou, com Serra na presidência, não
Emanoel Barreto

Leio na Folha ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1605201016.htm ) pungente matéria que aborda perfil da senadora Marina Silva, candidata do PV à presidência da República. Cidadã norte-rio-grandense e natalense há poucos dias agraciada, trata-se de ser humano incomparável. Na Câmara Municipal de Natal recordou suas origens nordestinas, recitou poemas, falou de improviso, num pronunciamento comovente.

Disse que ela, Lula, Pelé, pelas suas origens sociais humílimas, são exceções. Não, não foi ato de autolouvação. Apenas constatou histórias de vida ímpares, querendo dizer que tais casos, atributos personalíssimos, devem ser compensados com políticas públicas de inclusão, não se deixando ao destino, essa entidade aleatória e implausível, a vida de milhares, talvez de milhões que não têm, como os três personagens citados, resiliênia suficiente para a superação dos descaminhos da existência, suas dores  e incertezas.

Temo que  matéria da Folha não tenha intenção de dar o destaque - merecido - a uma candidata, digamos assim, de esquerda - com licença desse jargão já surrado. Não: creio que há uma intenção de agendamento, quem sabe o início de processo de ênfase da figura respeitável de Marina visando tirar votos da candidata do PT, o que redundaria em voto útil a José Serra.

De qualquer forma foi válida a publicação, trazendo a público o vulto de uma mulher que é um ser universal, digno, honrado, confiável e, sem dúvida, capacitado a ocupar a presidência. Entenda, por favor, que estas linhas são apenas abordagens ao sabor do momento. Especulação, no melhor sentido do termo, ante os fatos que estão a correr.

Não sou sectário, partidário, no sentido de seguir organicamente uma linha ou discurso partidário. Não voto em Serra pelo fato de ser um neoliberal - com todas as acepções e decorrências negativas que esse tipo de político e de política traz para os trabalhadores.

A campanha está em fase inicial. Que venham os discursos e os embates de campo. Numa coisa concordo com Serra: o Brasil pode mais. Pode sim. Mas, com ele na presidência, não.