sábado, 30 de junho de 2012

Atirar a primeira pedra

É preciso esperar, é preciso apurar. Tenho esse lema no jornalismo. O caso do humorista Mução tornou-se clássico: acusado de integrar rede de pedófilos, muitos foram os que o acusaram, apontando-o. Agora vem a Polícia Federal e anuncia que era um irmão dele quem se utilizava do seu nome para acessar sites criminosos. 

http://www.lastfm.com.br/music/Pegadinhas+do+Mu%C3%A7%C3%A3o
Em jornal não se deve escrever com raiva ou apressadamente. A raiva tolda o raciocínio, pode ser motivada por simples antipatia pessoal ou algum sentimento baixo; redigir apressadamente revela falta de acurácia ou pior que isso, inconsequência, maledicência. 

Ter pressa, para mim, é saber cumprir com precisão o deadline, a hora-limite de fechamento do jornal; é como um drible perfeito no tempo exato. Mas ser apressado é fazer de qualquer jeito e fim. É tascar um título, quem sabe uma manchete e acabar com a vida pública de um cidadão. 


Claro que o fato envolvendo Mução era noticiável, qualquer foca sabe disso. Mas é preciso dosar o texto, conter em rédea curta a emissão da mensagem. E a polícia não deve agir sob o signo do primeiro indício. É todo um complexo de fatos, ações e gestos, o que inclui a sociedade, que não deve reagir de forma cruel - e apressada - quando de repente surge alguém em quem se possa atirar a primeira pedra.

terça-feira, 26 de junho de 2012

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Uma estranha realidade

Cansado de notar que o que chamamos de realidade nos reserva unicamente a sazonal repetição de fatos como as eleições, quando os discursos anunciam que o Paraíso está próximo, narro aqui a visita que recebi ontem de um ornitorrinco, notável e sábia criatura que teve a generosidade de visitar-me em minha oficina tipográfica. 


Segundo me disse, estou sob séria ameaça de ser preso devido a atividades de subversão e atos conspiratórios. Estranhei, pois não sou dado a conluios ou conchavos de qualquer natureza, nem atento contra a lei ou contra a ordem. Mas, para não cansar meu ocasional leitor, digo que após horas de edificante e elucidativa conversa aquele bom homem retirou-se, não sem antes advertir-me de que poderia ser preso a qualquer momento. 

Após sua saída voltei a trabalhar com meus tipos, compondo este coranto, quando ouço poderosas, raivosas batidas à porta. Corri a atender àquela confusão e eis que entram oficina adentro uns dez escaravelhos, todos homens de má catadura e péssimos modos, que em poucos minutos me manietaram e me puseram a ferros, levando-me em seguida a uma masmorra. 

Naquele miserável ambiente estavam recolhidos outros homens, todos acusados de sedição e ódio, motim e outras desobediências. Nenhum de nós entendeu nada daquelas acusações, a não ser quando  a figura alta de um magistrado nos apareceu. Era ele grande, um macaco-prego, e se dizia de ascendência alemã, coisa muito comum a tais símios. Explicou que todos estávamos ali - sendo aquele tempo o ano de 1795 -, sob suspeição de haver inventado o computador e o telefone, a energia elétrica e outras cousas malsinadas como o automóvel e a bomba atômica.

Todos os que estavam recolhidos dissemos que se travava da mais pura inverdade, uma vez que tais e perigosas maravilhas somente seriam criadas muitos anos depois, conforme explicamos. Contrariando as nossas palavras eis que chega o Sr. Ornitorrinco, para minha surpresa. Tão logo adentrou aquele lúgubre ambiente apresentou-se como espião e mostrou fotografias da minha oficina, fotografias tomadas à sorrelfa, onde eu era visto preparando uma bomba atômica. E todos os demais infelizes também eram vistos em seu ambiente de trabalho criando engenhos danosos e coisas terrificantes; as fotos eram a prova maior. 

Sob o choque das fotografias ficamos perplexos, uma vez que aquelas imagens eram inverídicas; sendo, claro, fruto de algum truque que desconhecíamos, uma vez que sequer sabíamos da existência da fotografia, que nem ao menos fora inventada. Em desespero pedimos para confabular, o que nos foi permitido, surgindo assim a nossa defesa: 1) nada daquilo existia; portanto, não poderíamos ser autores de tais e perigosos portentos; 2) sendo assim, deveríamos ser soltos imediatamente. 


O ornitorrinco e o macaco-prego, homens tinhosos, rebateram. Comprovando o que diziam abriram as portas da masmorra e nos atiraram em meio ao mundo. E o que vimos foi o que o leitor também vê: o descalabro, a loucura das ruas, o computador onde você lê este coranto. Atônitos, recuamos, voltando à masmorra. E agora, o que fazer? Não criamos nada disso, mas tudo o que não criamos está aqui. Até que ponto essa irrealidade vai nos assediar?


Sem resposta, corremos masmorra adentro, fugimos. Ao sair, num ponto bem distante, batemos e trancamos a porta. O futuro e todo o seu horror havia ficado para trás. Eu voltei à minha oficina, a fim de terminar este texto. Mas, para meu desespero, eis que está à minha porta um novo e estranho personagem: um grande, gigantesco mosquito se apresenta e temo que traga algo terrível em suas palavras.