quinta-feira, 26 de junho de 2014

Suares: vai pra casa, pitbull!


É um vampiro? É um lobisomem? 
Não: é o raivoso Suarez
Foto a partir do Youtube

O atacante uruguaio Luis Suarez está fora da Copa. A punição da Fifa foi firme e rápida. Segundo consta é a terceira vez que o jogador ataca adversários a dentadas o que motivou a punição. Nos ataque anteriores também fora castigado.

Ao que parece trata-se de caso patológico. O comum em futebol é a falta clássica: deter o adversários segurando-os pela camisa ou com o uso dos pés. E mesmo as mais violentas não se comparam a uma agressão a mordidas. 

Uma coisa é a falta, outra a ferocidade. O desequilíbrio do jogador, suponho, revela alguém incapaz de conviver com a frustração, mesmo a fugaz e efêmera frustração da perda de controle de bola durante um jogo. 

E um jogo é somente isso: um jogo e pronto. Por mais que haja a sensação de patriotismo ou suposto amor a uma camisa, temos apenas uma suposição ou seja: uma relação algo fictícia com a "pátria" ou com o time e suas "tradições".

Temo que o jogador, pelos suas notórias tendências, tenha lido demais sobre o Conde Drácula ou absorvido demais a literatura que trata de licantropia - a possibilidade de um ser humano se transformar em lobisomem.

Fez bem a Fifa. O raivoso está fora. 




 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Coisas de jornal, notícias da vida

Deadline, a linha da morte no jornalismo, o prazo fatal da notícia

"Era isso mesmo o que eu esperava:
comprar um cemitério."
(Assis Chateaubriand, ao comprar e recuperar o jornal Estado de Minas)

Muito antes de as prensas comecem a rodar, o jornal começa a ser feito. É um trabalho de equipe, intenso e coordenado. Como num jogo de passes é preciso que cada jogador entregue ao companheiro o bastão da notícia. Notícia esse objeto abstrato que só aparentemente está expresso nas palavras. 
http://thebsreport.files.wordpress.com/2009/07/800px-hoes_six-cylinder

Na verdade, da notícia enquanto mensagem vale a compreensão, a representatividade do relato, o valor que previamente se dá a um determinado tipo de acontecimento
que deve ser importante ou interessante. Sem isso nada de notícia. 

Importância ou interesse são essenciais.
Letras, palavras, fotos, ilustrações, tudo isso somente vale pelo que representa. E pelas consequências junto ao leitor. Vale pelo rumor social que pode causar. Em si não têm essência ou consistência. O código é a expressão tosca do entendimento humano. E o jornal é a desesperada tentativa de captar o mundo, transformando em tinta impressa a pressa das pressões que o homem sofre todos os dias.
A notícia sobrepaira à página impressa, se espalha, sai da mancha gráfica e se espraia no mundo.

O jornal trabalha com um repertório de fatos que nada mais são que os padrões do mundo, as coisas que escolhemos como cotidianas. Mesmo que essa estranha cotidianidade jornalística sejam o inusitado, o grotesco, o excessivamente bom ou a maldade em sua mais requintada forma. De alguma forma ao longo da História a história da maldade se sobrepôs. O homem tem o dom do ruim.
A cotidianidade, rotineira e plana, é plena de um vazio e presivível viver. Assim, o jornalismo dedicou-se dar relevo àquilo que foge do comum. E, lamentavelmente, os atos de maldade superam em muito os comportamentos de caridade, solidariedade, humanidade e bem. 
E, ao trabalhar com tantos fatos, todos recheados de tensão, o jornalismo o faz sob pressão. 

É o que chamamos nas redações de deadline, literalmente "linha da morte", em português prazo fatal, hora-limite. Agora, se você tem uma profissão, digamos, convencional, cumpre expediente litúrgico, atende a uma pontualidade budista, sequer imagina o que é trabalhar numa redação, o que é ser jornalista. E se você gosta de ser assim, jamais seria jornalista. O jornalismo é a tranqüilidade em disparada. Ou, como já se disse, jornalismo é a História escrita à queima-roupa.


A matéria-prima do jornal é o mundo e seu almanaque de acontecimentos, o tal repertório a que me referi há pouco. Cria-se assim, entre o jornal e o leitor, uma relação analógica: o leitor sabe que, numa determinada página, encontrará, sempre, um determinado tema - política, esporte, polícia, economia, por exemplo - mas jamais pode, ou pelo menos não deveria, prever qual assunto será tratado.

Explicando: sabe-se que em política a corrupção é quase norma executiva. Político é quase sinônimo de ladrão, pelo menos no Brasil. Assim, o tema, a novidade jornalística é: qual a nova corrupção a ser exposta? Ou, separando cada coisa: o tema é política&corrupção, esses dois irmãos siameses. Já o assunto é a novidade sobre o mais recente corrupto flagrado.

Mas o que quero falar mesmo é a respeito da questão tempo, em função do deadline e seu equivalente literal em português, "linha da morte". Em jornal, adquirimos uma vivência muito especial a respeito da questão tempo. Tempo não apenas enquanto aquele imperceptível passar de horas para o trabalhador de expediente litúrgico, mas para o jornalista, o trabalhador do tempo fragmentado, angustiado. 

Para nós, a convivência com o tempo é como conviver com o silêncio, ou com um lago calmo e profundo. Aparentemente, nada está acontecendo, mas, por trás do biombo da calma, o mundo está em ebulição. O grande problema é que os grandes acontecimentos têm algo de secreto, algo de sagrado. Os criminosos da política, por exemplo, disfarçam seu fervor pelo dinheiro e pelo poder em conciliábulos - perdão pela palavra - e confrarias que ocorrem às ocultas. Há um certo recato no roubar político. 

Compete ao jornalista descobrir esses segredos, tão bem guardados como os grandes venenos, aqueles que se ocultam nos menores frascos. E, o mais triste, é que um grande veneno é uma grande arte. Administrá-lo é uma forma de ciência; há um certo saber, no trabalho dos corruptos. Tanto, que neles demoram a ser descobertos. Suas doses são homeopáticas. 

O ladrão dos dinheiros públicos tem a perícia de um cirurgião ou a técnica de um pintor do Renascimento ao retocar, com suavidade, uma nesga de tinta. E o que é pior - dessa cicuta, o veneno de buscar sempre o novo, algo que também nos contamina - os jornalistas bebemos todos os dias. De algum modo os jornalistas também morremos, todos os dias, com o delicado veneno do deadline. Mas renascemos, dia seguinte, com uma nova manchete.

domingo, 22 de junho de 2014

Afinal um jogo histórico ou a saudade que deu certo

O gol do centrefó

http://www.nopatio.com.br/ecofriendly_2/projeto-associado-ao-futebol-investe-em-conservacao-ambiental/

De repente veio a lembrança do Colégio São João. O colégio e seus dois campos de futebol. Anos 60. 
O colégio era uma lembrança grande, larga como o passado. O primeiro campo, verdadeiro forno com seu chão de areia calcinada, servia para partidas improvisadas. O outro campo, não: gramado, com medidas oficiais, era usado para prélios renhidos, jogadores com posições definidas. Os professores eram os técnicos. 

Era o tempo de Pelé, Vavá, Zagalo, Garrincha, Gilmar, Djalma Santos, Didi, Nilton Santos. O Brasil bicampeão. Goleiros eram chamados de goalkeeper, valendo também guarda-valas, mas também se aceitava dizer arqueiros. 

O menino tinha uma decisão: entrar para o time da classe e disputar o campeonato do colégio. Munido de uma vontade secreta e firme começou a treinar. Depois de muito esforço foi aceito. E mais: ia ser o “centrefó”. Quando o professor anunciou sua posição no time, ele quase caiu. Já pensou? Ele ia ser o centrefó. Era o máximo. A palavra inglesa center for ward, absolutamente impronunciável para aqueles meninos, acabou virando isso mesmo, "centrefó". Ele jamais imaginaria que, anos depois, todos estariam chamando centrefó de... centro-avante.

E ele ia ser o centrefó. A posição na equipe, vista como algo quase heróico, o jogador avançado que rompia defesas com seus dribles mágicos, era o sonho afinal realizado. Chegou em casa, contou aos pais, riu e, na rua, com os colegas, gritou: – Eu sou o centrefó! Eu sou o centrefó! Era o sonho calçando chuteiras. Sentiu-se completo. A vitória antecipada. O gol, guardado na gaveta das vontades, afinal iria brotar dos seus pés.

Veio então o jogo. Antes de entrar para a equipe principal ele somente havia jogado no campo de areia. Era o que os meninos chamavam de futebol de poeira. Ali, ninguém tinha posição definida, os pés afundavam e cada chute levantava uma nuvem, daí o nome futebol de poeira. Detalhe: naquele campinho de areia, ele jamais havia marcado o “seu gol.” Mas agora, não: faria muitos gols, e gols de classe, gols marcados num campo de verdade.

O juiz apitou. Os lances duros, as jogadas corajosas, até mesmo aquela bicicleta que quase vira um gol, que naquele tempo era chamado também de tento. Seu time ganhou. Cinco a um. Mas não deu para ele fazer o “seu gol”. Nem naquele jogo nem nos outros. Nunca. Jogava bem, mas não conseguia o gol.

A vida escorreu sob os seus pés, acabou o ano, acabou-se o tempo de colégio, tudo passou. O colégio São João virou lembrança travada na alma ano após ano. Certo dia tomou uma decisão: aquele gol não podia ser apenas uma vontade com sabor de derrota, um passe malfeito num jogo que dentro dele nunca tinha fim. Então, num final de tarde, entrou numa loja de material esportivo, comprou a melhor bola, a mais cara e dirigiu-se ao colégio.

Ali todos estranharam ao ver aquele senhor de paletó e gravata, cabelos grisalhos, entrar colégio adentro segurando uma bola. Ele escolhera o momento de maior movimentação. Era final de aula. Centenas de meninos deixavam as salas em meio a gritos de estopim que comemoraram mais um fim de estudos chatos.

Ele cruzou a curiosidade geral como um tiro de meta e dirigiu-se ao campo. Todos o acompanharam. Mais e mais gente o seguia. Ele passou pelo campo de futebol de poeira, já seguido por uma multidão. Pronto. Chegou ao campo gramado.

Dirigiu-se à marca do pênalti e ajeitou a bola. Os meninos ficaram ao redor, deixando a trave ao fundo. Ele estava em meio a um largo círculo de expectativa. Estranhamente todos perceberam que viviam ali um momento especial, intenso. O rigor na face severa daquele homem, a luz do crepúsculo, a seriedade de cada gesto seu, tudo dava à cena uma composição litúrgica, ritual. Todos respiravam compassadamente; ninguém entendia nada, mas havia respeito em todos os olhares.

Ele afastou-se da bola, esperou um pouco e correu. O pé bateu com força na bola, uma força de raiva alegre e solene. A bola partiu. Como se fosse em câmera lenta foi bem no ângulo direito. Balançou a rede e desceu, belíssima, até se esconder lá no fundo.

Ele saltou e deu um soco no ar. Nesse instante, uma fagulha de emoção. Todos os meninos gritaram: – Gooooooooool! – e se abraçaram. 

Em silêncio, tal como chegara, ele retirou-se. Deixou a bola lá no cantinho da rede. Ao sair, ouvia aplausos, aplausos antigos, ecos que somente agora chegavam, tão tarde, depois de tanto tempo...

Nunca mais foi visto no Colégio São João; mas, agora, ele era realmente o centrefó.