sexta-feira, 14 de abril de 2006

A alquimia de Alckmin

"Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo:
nem ele me persegue, nem eu fujo dele,
um dia a gente se encontra."
(Mário Lago)

O candidato à presidência da República Geraldo Alckmin está no Nordeste. Veio "nos ver" e "ser visto". As notícias estão dando essa informação. Vai assistir hoje à encenação da morte de Cristo em Fazenda Nova, Pernambuco, e amanhã participa de um megaalmoço com líderes de partidos que poderão apoiar sua candidatura.

O Nordeste só serve para isso mesmo: candidatos quase anônimos nacionalmente vêm aqui para nos usar como laboratório sócio-comunicacional, querem se tornar personalidades de mídia, atrair a atenção do público, testar a sensibilidade do nordestino a um novo produto político.

É assim, com essa alquimia política, que Alckmin vai tentar fazer decolar nesta região sua candidatura. Vai chegar com um sorriso implantado na boca, a mão estendida por alguns segundos a pessoas na rua e no sertão, buscando mimetizar à sua imagem os desejos, sofrimentos, insatisfações e desencantos do Nordeste.
É triste, mas ele vem para ser visto. E espera, com sua alquimia, fazer passar por algum tubo de ensaio o pensamendo do nordestino para, depois desse processo, transformar o povo em voto e a perplexidade com essa sua atitude de cálculo eleitoral em esperança.
E enquanto sua mulher, dona Lu, fica em São Paulo experimentando vestidinhos caríssimos, ganhos de presente, ele, travestido de líder, quer dizer ao nordestino que essa fatiota, essa fantasia de líder, lhe cai bem.

Tempo de ficar triste

"O pessimista é uma pessoa que, podendo
escolher entre dois males, prefere ambos."
(Oscar Wilde)

A música ao fundo é com Billie Holliday, chama-se On the sentimetal side. É algo tranqüila, boa de ouvir. A voz da diva é suave como uma mulher de andar elegante e discreto. Escrevo meio devagar, teclando aos poucos, coisa incomum. Sou de redigir rápido, metralhando o teclado. Mas hoje é Sexta-feira Santa, antigamente conhecida como um dia grande, um dia santo.

Acho que é por isso que estou escrevendo devagar. Acho que é porque hoje é dia de ficar triste. Não aquela tristeza que sai da gente como algo que estava guardado e de repente aparece: espontâneo e forte, que dá até para notar. Mas tristeza como reflexão, atitude interna que requer silêncio só de você, mesmo que a seu lado estejam todos cumprindo o ritual diário da voz e do barulho.

Uma tristeza programada, metódica, que tem começo, meio e fim. Acho que hoje é dia de ficar triste porque há tantas dúvidas e são poucas as portas a se abrir; são tantas pessoas, cada uma com o seu passado, e muitos e incertos todos os futuros; são largos os rios e frágeis as poucas pontes; o pouco sem poder de enfrentar o muito; a fome sem poder encontrar um prato.

Acho que construímos um mundo estranho. Só para dar um exemplo, um mundo onde a publicidade intensa e enfática diz e diz que você precisa porque precisa de um telefone celular de marca tal, porque assim poderá falar tantos minutos,
ligar para-não-sei-onde, beber palavras dos outros, falar, falar, falar.

Na verdade, o que se oculta por trás de tanta fala é um silêncio denso e fútil; na verdade, não se fala: emitem-se sons supostamente inteligíveis, durante conversas que não levam a nada. Os celulares são a marca da convivência banal, a frivolidade eleita como estilo de vida.

Mas se hoje é dia de ficar triste, é também dia de saber que essa tristeza, como falei, programada e serena, é apenas um instante antes do próximo passo. Depois, de caso pensado, você volta e sabe que a vida continua. Afinal, se a noite é escura, é durante a noite que dormimos para, dia seguinte, tocarmos a vida em frente. Então, enfrente. E, dessa vez, nada de tristezas.

quarta-feira, 12 de abril de 2006

A voz das ruas

"O Brasil não é para principiantes."
(Tom Jobim)


A recente prisão de Suzane Richthofen, menos que atender a um imperativo de legalidade, a partir de uma suposta base moral que rege a formulação das leis, atendeu muito mais ao clamor social que se espalhou pelo País, ao se constatar, pela imprensa e pela TV Globo, que a assassina de seus próprios pais era, ao invés de uma jovem de estrutura emocional frágil, na verdade uma personagem fria e cruel. Tanto, que havia participado do matricídio e parricídio.

Na verdade, não havia mais o que constatar. Ela confessara o crime e sua particiação. Errou a Justiça ao permitir a sua libertação. Mas o enfoque que quero dar não vai na direção do questionamento da Justiça, unicamente; sim no encaminhamento do quanto a pressão da imprensa, respaldada pela opinião pública pode, em um determinado instante, direcionar o norte dos acontecimentos.

O quê ocorreu, então? Com o flagrante, com o desmonte da farsa, o Judiciário caiu em si: jamais deveria ter libertado a jovem Suzane. Uma espécie de vergonha social varreu certamente o aparelho da justiça. Afinal atendeu-se à voz das ruas, que jamais aceitou tal libertação, e a ordem liberatória foi revogada.

Vendo um caso como o de Suzane Richthofen, endende-se facilmente porque Tom Jobim dizia que o Brasil não é para principiantes.


terça-feira, 11 de abril de 2006

"É goooooooooooooool!"

“O sapateiro não é a
pessoa mais autorizada a
dizer onde o sapato aperta.”
(Raymundo Faoro, ex-presidente da OAB)

Não se sabe bem como, mas, de repente, ele se viu cercado por um bando de meninos taludos, todos acusando-o de haver, simplesmente, furado a bola da turma. “Eu? Como fiz isso?”, questionou, antes de receber o primeiro safanão na cabeça.

“Ora”, respondeu o maior de todos “vimos quando você ia passando e chutou a nossa bola, que voou e bateu bem ali, naquele caco de vidro.”

Só que não tinha sido ele. A bola realmente dera a impressão de haver batido em seu pé direito, seguindo então certeira para o caco de vidro, desses que são colocados em cima de muros, para proteger o quintal das casas.

O menino raivoso perguntou, ameaçador: “E agora, vai pagar o prejuízo?” Ele não tinha como pagar o prejuízo de uma bola oficial, novinha, orgulho de turma.

“Então”, disse o maioral, “vamos ficar com os seus sapatos. Vamos vender e comprar outra bola.” Ele não tinha como se defender. Era menor, mais fraco, estava sozinho e os outros eram exatamente o seu oposto.

Outro garoto da turma, sentindo-se o próprio senhor da situação, uma espécie de vassalo privilegiado do mandão do pedaço, até aproveitou para lançar um desafio, certo de que isso resultaria na humilhação total do garoto que estava sendo acusado.

Disse:“E vai ver que você nem ao menos joga futebol. Deu aquele chutão só por chutar. Não dribla, não faz embaixada, não cruza, não atira a gol.” Todos caíram na risada. Era o máximo, tripudiar sobre alguém indefeso.

Como que por encanto alguém apareceu com uma bola, também oficial e novinha e lha entregou: “Toma, vai lá, mostra que é o bicho...”, ironizou o aprendiz de brutamontes. O menino olhou para um lado, para o outro, buscou uma brecha por onde pudesse fugir e somente viu ante seus olhos uma massa compacta de corpos rijos, que impediam até mesmo um pensamento de escapada.

Aí, aconteceu o que nem ele mesmo esperava. “Vai!”, berrou um moleque, empurrando-o. E ele foi. Incrivelmente, dominou a bola, fez embaixadas incríveis, driblou um, dois, três, quatro e seguiu em frente, dando um show.

A molecada de queixo caído. Ele controlou a situação, saiu jogando sozinho, deu um chute enorme e estourou a bola contra um ferro pontudo que havia num muro. Todos fizeram “ohhhhhhhhh!”, enquanto viam a bola murchar.

Ele sorriu, virou-se para os adversários e berrou a plenos pulmões: “É goooooooool!!!”, e foi embora sorrindo.

segunda-feira, 10 de abril de 2006

Não adianta fugir, ninguém pode se esconder

"O Grande Irmão
zela por ti."
(Do livro 1984, de George Orwell)


Temor ao dar qualquer passo, insegurança até em casa, vigilância sutil, domínio silencioso. Assim deverá ser o mundo em futuro bem próximo. Sua vida pode ser vigiada, acompanhada, segredos pessoais devassados, hábitos personalíssimos conhecidos. Tudo como conseqüência de um simples acesso à internet.Veja o que pode acontecer, e o que já está acontecendo, no artigo que transcrevo abaixo, intitulado "A sedução dos serviços gratuitos".

Empresas da web oferecem ferramentas online sem pagamento, mas comercializam dados pessoais dos internautas.
David H. Freedman - Newsweek


Uma amiga tira uma foto sua com o celular e o coloca na bolsa. O aparelho, ainda ligado, descobre quem você é e envia a informação junto com sua localização para uma empresa que arquiva o dado com outras informações pessoais. Assim, um indivíduo pode pagar à firma para lhe encontrar e ser notificado da sua proximidade.
A empresa pode ser o Google, Yahoo ou Microsoft. Nenhuma rastreia as fotos do celular, mas elas o seguem de outras formas e lucram com isso. A idéia é fechar o cerco para, em cinco anos, conhecer seus movimentos, amigos, interesses, compras e correspondências. Com isso, ajudariam os marqueteiros a ganhar dinheiro.

A posição do usuário determinará o futuro da computação. Google e outros gigantes da web criarão uma constelação de produtos baseados nos seus dados pessoais e apostam que você trocará as informações pelos benefícios. Mas, ao cooperar, perderá grande parte da sua privacidade - e talvez mais.

Com o detalhamento dos nossos arquivos, fica fácil registrar crenças políticas, históricos amorosos, hábitos embaraçosos e pequenos delitos. O risco é o de ser perseguido rotineiramente por isso. Ou pior: temer embarcar em comportamentos que possam ser controversos.

- O que acontecerá no campo da privacidade nos próximos 10 anos terá implicações profundas em como nos relacionamos social, econômica e politicamente. Não deveríamos entregar tão fácil nossos dados para o mercado - explica Jerry Kang, professor de Direito da Universidade da Califórnia.

O Congresso americano estuda leis que tornariam ilegais a coleta e partilha de informação pessoal na internet ou por celular sem aviso e permissão claras. Esse tipo de restrição já existe em parte da Europa.

Mas os esforços parecem fadados a falhar. Uma nova geração de consumidores, adolescentes, cresce sem medo de entregar informações sobre si no Orkut, blogs e fotologs.

O diretor de Pesquisa do Yahoo, Prabhakar Raghavan, diz que a ''rede sensível'' coletará e tratará as informações.
Como mágica, ela entende o que você quer e o atende na hora e lugar certos, em PCs, rádios ou celulares.

Marissa Mayer, vice-presidente de Busca e Experiência do Usuário do Google, espera o dia em que possa falar ao carro que quer ir a um restaurante francês ou pedir à TV que faça o download de um filme.

- Qualquer computador me ouvirá e tomará ações relevantes para mim na internet.

As tecnologias para tal estão chegando. Muitos celulares já identificam onde o usuário está. Na Ásia e Europa, os telefones móveis são cartões de crédito sem fio. As empresas podem rastrear suas compras e indicar promoções, como a de um prato no restaurante da esquina.

Para evitar ser rastreado, não adianta desligar o celular. Nos Estados Unidos, cerca de 25 mil câmeras de vigilância já estão instaladas em locais públicos e privados e aumentam em 2 milhões por ano. Em cidades européias como Londres, é difícil caminhar na rua sem ser fotografado de vários ângulos. E, em cinco anos, não será mais preciso um humano para reconhecer o sujeito na imagem.

- A rede saberá tanto de você como um amigo próximo - avisa Michael Gold, pesquisador no SRI Consulting Business Intelligence, na Califórnia.

Grandes redes sem fio, chips com transmissão por rádio e telas de vídeo tornarão os produtos na prateleira e na casa em ''objetos inteligentes''. O pacote de cereal no supermercado o informará, por um visor, que seu estoque em casa acabou.

- Se a rede sabe onde você está e a caixa é conectada a ela é fácil gerar a mensagem - afirma o professor de Engenharia Elétrica da Universidade de Princeton, nos EUA,

Em cinco anos, a maioria dos cidadãos receberá informações personalizadas ao andar na rua. Pode ser um alerta no celular avisando que seu amigo está na cidade ou pelo som do carro de que uma loja próxima tem uma ótima promoção.

O envio de anúncios diários baseados nos dados pessoais é a a única forma que Google, Yahoo e outras empresas têm para ganhar dinheiro, já que estamos mimados por serviços gratuitos delas.

- Cobrar uma mensalidade por um serviço online é uma boa forma de perder 90% dos consumidores. A atenção humana é sempre rentável - afirma Steve Jurvetson, diretor da Draper Fisher Jurvetson, empresa de investimentos de risco em alta tecnologia nos EUA.

Por isso, as empresas podem arriscar o envio de anúncios com base no seu perfil. Assistiu a um programa sobre energia solar? Visita muito a oficina? Pode ser candidato à publicidade de um carro híbrido, enviada quando estiver próximo a uma concessionária.