sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um amor escuro e torto

Cara Amiga,
Caro Amigo,

O desfecho do seqüestro deu-se dentro de um panorama bastante previsível. Um desequilibrado, tonto de amor doentio, acabou trazendo ao reality show a face horrenda da dor televisada. Até que ponto a TV pode ser responsabilizada, é um fato a ser analisado depois, à luz de dados que a própria imprensa deve e tem de trazer a público.

Por enquanto, a imprensa questiona a ação da polícia. Mas, qual a influência do noticiário ao vivo que a TV teve sobre o criminoso? Uma mente perturbada, um ego ferido em seu amor próprio, em sua vaidade, em sua ânsia de ter como objeto seu uma segunda pessoa tem, sim, território emocional fértil para ali semear suas insanidades, mesmo que momentâneas.

O matador sentiu-se inequivocamente o ator principal dessa tragédia. No pequeno apartamento, ali estabelecido o seu mesquinho império, ele ditava sua lei. Era algoz, mas se supunha vítima e isso era o suficiente para exercer o seu domínio sombrio. Com a TV veiculando milhares de vezes seu nome, alardeando sua lamentável notoriedade, o criminoso via-se como que amparado.

Os apelos, as tentativas de negociação, validavam, para ele, a centralidade de sua figura, a suposta pungência do seu drama. Ele superdimensionava sua dor. Ele e o seu escuro amor eram o centro do mundo. E o largo palco da mídia dava-lhe a sensação de ter razão. Deu no que deu. O jornalismo precisa pesar muito sua disposição para dar cobertura a acontecimentos assim.
A polícia precisa estar melhor preparada para agir.
Emanoel Barreto

Desligue o televisor

Cara Amiga,
Caro Amigo,

Continua o espetáculo do cárcere privado da jovem Eloá. O seqüestrador está tendo seus quinze minutos de fama. E seu drama - algo em si, simplório -, transformou-se em motivo de atenção nacional, pala intervenção televisiva que mudou em espetáculo um ato que mais precisaria da presença de um bom psicólogo.

A situação tem obviamente aspectos jornalisticamente relevantes, mas a presença da TV ao vivo, como elemento alimentador amplia, isso sim, sua dramaticidade, ao invés de contribuir para o desfecho. O seqüestrador, ao sentir-se como ator principal, alguém nacionalmente valorizado, é estimulado a agir, sustentando a situação. A interveniência televisiva, como tal, contribui para prejudicar, não para ajudar a dar fim ao seqüestro.

Caso persista a situação, sem que surja solução em seu horizonte humano, perderá paulatinamente seu interesse. Isso porque a continuidade, a rotinização de algum fato, o transforma em coisa cotidiana, comum, banal. Perdendo-se o interesse, cairá pouco a pouco de relevância e não terá mais o interesse das emissoras. Seria então a hora de a polícia, de forma competente e segura, convencer o rapaz a se entregar.

Quanto mais rápido as Tvs deixarem de dar atenção ao fato, mais rapidamente o problema será resolvido.
Emanoel Barreto

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Um reality show de verdade: e muito perigoso

Cara Amiga,
Caro Amigo,

No momento em que escrevo, Lindemberg Fernandes Alves, o seqüestrador da jovem Eloá estava pedindo a presença de alguém que seja torcedor do São Paulo Futebol Clube, para ajudar nas negociações. Antes, ele havia estendido na janela uma camisa com o emblema do time. Revelando-se um negociador talentoso tentou criar, com a atitude, um liame afetivo com a numerosa torcida do time. A TV informava que um diretor do São Paulo iria se apresentar para interferir, a fim de que a situação tenha logo um desfecho e que este seja o menos traumático possível.

A sensação de que sua atitude se tansformava em espetáculo televisivo, um realitiy show de alto impacto, sem regras e capaz de mobilizar largamente o público, fez com que ele agora tenha atitudes de estrela. São os efeitos perversos do jornalismo intensivo da TV. Um acontecimento que poderia muito bem terminar após uma negociação bem dirigida, agora ameaça tomar rumos imprevisíveis.

O rapaz, que demonstrou ser ou pelo menos estar em situação psicológica de desequilíbrio, pode assumir-se como estrela de mídia e querer criar seu espetáculo; espetáculo a que deu margem a cobertura intensiva e ao vivo a Record News. Claro, rádios e jornais também cobrem o fato e isso retroalimenta seu efeito dramático.

O jovem considera-se vítima. Agrediu a moça para se apresentar como tal. E nada melhor para uma vítima, que na verdade se vitimizou, que parecer assim aos olhos da multidão de telespectadores. E assumindo-se como vítima, terá o palco grande da TV para encenar loucuras que, sem a TV, certamente não teria encenado
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Emanoel Barreto

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O pão que o Diabo amassou

Cara Amiga,
Caro amigo,

As coisas de jornal em todo o mundo começam a sinalizar a iminência de uma recessão. Ao que parece, o mundo vai comer o pão que o Diabo amassou. Esse pão vem sendo amassado há muito tempo e agora, quando os bancos não vêem mais perspectivas de livrar-se de tão incômodo banquete, vão reparti-lo com a chamada economia real, ou seja: com a mesa de quem não participou da preparação dessa torpe iguaria.

Mais claramente: vai ser socializado o prejuízo, uma vez que os lucros já foram embolsados. E o deus mercado, que é fielmente adorado pelo Diabo, revela-se impotente para desfazer seu próprio feitiço. Quando isso ocorre, historicamente tudo o que há de pior é repartido. As elites estarão a salvo, a massa humana que vá para o inferno.
Emanoel Barreto

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

All that jazz


Cara Amiga,
Caro amigo,

A foto, feita em 1954, mostra o então jovem trumpetista Chet Baker. É o que se poderia chamar de flagrante posado, mesmo que isso seja um paradoxo. Mas paradoxal era Chet, em sua música e talentos privilegiados; e o autor da foto, William Claxon, que morreu aos 80 anos sábado passado.

Chet era paradoxal em sua estatura musical, diretamente proporcional em seu envolvimento com as drogas. Claxon era paradoxal em sua competência para selecionar momentos essenciais, instantes de luz e sombras, passos e gestos de gente no mundo.

Trabalhava com privilégio na fotografia dos grandes músicos. E nada melhor do que conviver com grandes músicos, para se compreender a magia dramática de seu trabalho, perceptível e intocável, sensibilizador e intenso.
Deixa literalmente uma imagem do que seja o grande fotógrafo: a atenção, o ato e a captura do momento preciso.
Emanoel Barreto