“Nenhum governo
é bom para o povo”
Quem assistiu o documentário “Cabra
marcado para morrer” - realizado em 1984 por Eduardo Coutinho para rememorar o
assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, ocorrido em 1962 -, deve
lembrar da cena em que um trabalhador rural, contemporâneo do líder morto, afirma, ao falar de política: “Nenhum governo é bom para
o povo”.
A frase; rascante, desencantada, permeada
por um pessimismo justificável e que deve ser levado em consideração, é plenamente
aplicável à quadra histórica que vivemos: um governo que se diz “de esquerda”
adota a paradoxal fórmula neoliberal sob a alegação de que esta será para
atender de forma pragmática a necessidades urgentes.
A questão é que o povo brasileiro,
na campanha eleitoral, não tinha a quem apelar. Era escolher entre Aécio que
certamente iria privatizar a universidade brasileira e a Petrobras, além de
fazer tudo o que Dilma está perpetrando ou votar no governo do PT et caterva. Passada a eleição o Partido dos trabalhadores está se
revelando ruim, mas talvez não tão perverso quanto o que seria o PSDB.
Para usar uma parábola: o PT é o assaltante; o PSDB seria o latrocida.
Mas este texto seria ingênuo se quisesse
comparar o ruim com o péssimo, a mentira com o lesa-pátria, as alianças espúrias
com alguma outra manifestação da malignidade política. O que tratarei aqui é de
um perigoso, lamentável distanciamento do Estado ante a questão social. E tudo isso
ocorrendo sob a alegação de racionalidade, parcimônia administrativa, controle
de gastos, reforço de caixa da Previdência.
A questão é que os aspectos
administrativos, frios em si, decididos à luz de números, não leva em
consideração as consequências humanas, a tragédia na casa dos desamparados,
o olho arregalado do desempregado, a viúva sem a pensão, a lágrima na cara
triste dos filhos.
O governo, em sua suposta busca
de equilíbrio de contas não busca seu reforço de caixa na taxação das grandes
fortunas, na redução dos gastos com o funcionamento dos três Poderes, na
seleção de prioridades: os estádios da Copa estão aí para comprovar tal destempero.
A realidade brasileira deixa bem
claro que os partidos que aí estão representam menos o povo que certos
segmentos, mais o capital que o salário. Partidos supostamente comprometidos
com o social são tão insignificantes que valem mais pelo que simbolicamente dizem, acusam e apontam que por aquilo que efetivamente possam fazer.
Ante uma tal realidade precisamos
de uma sociedade civil atuante, firme, decidida. Uma sociedade civil independente
de partidos e reunida em torno de ideias, programa e ações de pressão. Precisamos
esquecer o PT e todas as suas manobras e incoerências, jogar o PSDB à sarjeta e fazer surgir
mobilizações novas, corajosas, com trabalho capilar de
conscientização e preparação que necessariamente deverá alongar-se na estrada
do tempo histórico.
Acompanhei com serenidade a
campanha eleitoral e já intuía que o novo mandato do PT desaguaria nisso que aí
está: ou concede, ou não governa, ou capitula ou vai ao fundo. Para completar age com o pragmatismo do pensamento
do capital financeiro: o lucro é sagrado, a fome é coisa para amanhã.
E como nenhum governo é bom para
o povo é bom ficar atento para o futuro. Enquanto isso deve a sociedade se
mobilizar. A pressão sobre governo e parlamento deve ser constante e organizada em fóruns, debates, interpelações em praça pública. Ou a sociedade se organiza ou uns poucos vão se organizar para manter seus privilégios.