sábado, 25 de agosto de 2007

Para meditar

Caros Amigos,
Transcrevo pequeno tracho das Catilinárias, série de discursos em que o grande orador Cícero denunciava as trevosas tramas de Catilina para desmoralizar o Senado e até mesmo destruir Roma, para se apoderar da República.
Segue:

Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?
Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura. à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.


Pois não é verdade que uma personagem tão notável. como era Públio Cipião, pontífice máximo. mandou, como simples particular, matar Tibério Graco, que levemente perturbara a constituição do Estado? E Catilina. que anseia por devastar a ferro e fogo a face da terra, haveremos nós, os cônsules, de o suportar toda a vida? E já não falo naqueles casos de outras eras, como o facto de Gaio Servílio Aala ter abatido, por suas próprias mãos, Espúrio Mélio e, que alimentava ideias revolucionárias. Havia, havia outrora nesta República, uma tal disciplina moral que os homens de coragem puniam com mais severos castigos um cidadão perigoso do que o mais implacável dos inimigos. Temos um decreto do Senados contra ti, Catilina, um decreto rigoroso e grave; não é a decisão clara nem a autoridade da Ordem aqui presente que falta à República; nós, digo-o publicamente, nós, os cônsules, é que faltamos.

Decidiu um dia o Senado que o cônsul Lúcio Opímio velasse para que a República não sofresse dano algum. Pois nem uma noite passou. Gaio Graco, apesar da sua tão nobre ascendência, de pai, de avô e de seus maiores, foi morto por causa de certas suspeitas de revolta; juntamente com os filhos foi executado Marco Fúlvio, um consular. Com um mesmo decreto do Senado, foi a República confiada aos cônsules Gaio Mário e Lúcio Valério. Acaso adiaram eles mais um dia sequer a pena de morte, por crime de lesa-república, a Lúcio Saturnino, um tribuno da plebe, e a Gaio Servílio, um pretor?

Nós, porém, há já vinte dias que consentimos no enfraquecimento do vigor de decisão destes homens. Temos um destes decretos do Senado, mas está fechado nos arquivos como espada metida em bainha; e, segundo esse decreto senatorial, tu, Catilina, deverias ter sido imediatamente condenado à morte. E eis que continuas vivo, e vivo, não para abdicares da tua audácia, mas para nela te manteres com inteira firmeza. É meu desejo, venerandos senadores, ser clemente; é meu desejo, no meio de tamanhos perigos da República, não parecer indolente; mas já eu próprio de inacção e moleza me acuso.

Há acampamentos em Itália contra o povo romano. estabelecidos nos desfiladeiros da Etrúria, aumenta em cada dia o número dos inimigos; e, no entanto, o general desses acampamentos e o comandante desses inimigos, eis que o vemos no interior das nossas muralhas e dentro do próprio Senado, urdindo a cada instante algum atentado contra a República. Se. neste momento eu te mandar prender, Catilina, se eu decretar a tua morte, o que sobretudo terei de temer, tenho a certeza, é que todos os bons cidadãos me censurem por ter actuado tarde, e não que haja alguém a dizer que usei de crueldade excessiva.

A mim, porém, aquilo que já há muito deveria ter sido feito, fortes razões me levam a não o fazer ainda. Hás-de ser morto, sim, mas só no momento em que já não for possível encontrar-se ninguém tão perverso, tão depravado, tão igual a ti, que não reconheça a inteira justiça desse acto.Enquanto houver alguém que ouse defender-te, continuarás a viver, e a viver como agora vives, cercado pelas minhas muitas e fiéis guardas, para não poderes sublevar-te contra o Estado. È até os olhos e os ouvidos de muita gente, sem disso te aperceberes, te hão-de espiar e trazer vigiado como até hoje o têm feito.

Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite com suas trevas pode manter ocultos os teus criminosos conluios, nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração, se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público? É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia, e importa que os recordes comigo nesta hora.


Bom fim de semana.
Emanoel Barreto

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Coisas feias feitas no escuro

Caros Amigos,

O senador Renan Calheiros, enxovalhado pela publicização de todos os seus atos de viscosidade moral, acossado pela vergonha congressual que está exposta em chaga nacional, caçado pela imprensa como uma besta, tenta agora seu último lance de dados, antes que se decida o seu fim: articula junto aos de sua igualha que a votação a respeito de sua cassação, ou não, no Conselho de Ética, seja feito em votação secreta. Ou seja: o que é feio, sórdido, civicamente pecaminoso, deve ser feito às ocultas, na calada das alcovas políticas mais recônditas. Isso,a fim de que os seus sicários, pela não revelação do voto, não sejam conhecidos, ao mesmo tempo em que estes lançarão, sobre quem deles discorda, a pecha da dúvida: quem salvou Renan? Não se poderá afirmar. Todos serão suspeitos e, ao mesmo tempo, eximidos de culpa. Não fui eu, não fui eu, não fui eu...

As coisas de jornal dizem que ele conta com nove dos dezesseis votos do Conselho. Com isso, o homem estaria livre em meio à escuridão que ele mesmo semeara. Há resistências a esse tipo de votação, mas Calheiros tem a essência dos rochedos submersos. Aqueles que, pontiagudos, põem a pique qualquer embarcação e se mantêm, na escuridão das águas profundas, a salvo, a salvo, a salvo. Nenhum marinheiro os vê, mas eles continuam lá, permanente ameaça a quem seja argonauta do decoro, da decência e da moralidade.

Sou, lamentavelmente, obrigado a concordar com o senso comum: isso só acontece no Brasil. Você imagina tais fatos ocorrendo na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos, na Alemanha? Enfim, em qualquer país que tenha uma cultura política digna desse nome? Somente um congresso de indignos, num conciliábulo politicamente infernal, um homem como Calheiros ainda estaria, como está, ocupando cargo tão importante.

De um coisa estou certo: liberto Calheiros das cadeias morais que o tentam prender, calará fundo na nacionalidade um sentimento de repúdio, uma espécie de nojo ao político enquanto estamento. Só espero que esse sentimento coletivo não seja passageiro e venha de alguma forma refletir-se nas próxima eleições.
Ó tempos! Ó costumes!
Emanoel Barreto

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Um samba acabado

Caros Amigos,
Folheando as páginas da net vi, acho que ontem ou anteontem, uma coisa de jornal que deixou-me perplexo: um casal madrileno saiu à noite com um filho de poucos meses, deixou o carrinho do bebê numa esquina e foi, tranqüilamente, a uma boate. Após cinco horas marido e mulher chegaram a casa completamente embriagados e sem a criança.

Outro filho, de cerca de oito anos, entrou em pânico ao ver os pais naquele estado, já de madrugada, e sem o bebê, e teve a iniciativa e ligar para a polícia. O carrinho foi encontrado a cerca de 15 minutos da casa, os pais foram presos e liberados sob fiança e a criança vítima dos maus tratos foi levada a uma instituição que cuida de menores.

Sei que esse é um caso extremo de negligência paternal, como também o são os acontecimentos em que pessoas deixam recém-nascidos jogados no lixo e estes são quase que miraculosamente resgatados por passantes.

Os filhos, para essas pessoas, especialmente quando me refiro a famílias de classe média, como parece ser o caso do casal espanhol, podem passar a ser um estorvo. Entra em ação, aí, um mecanismo perverso de "vamos nos livrar do estorvo" e para tanto vale tudo: deixar crianças presas em casa, sozinhas, enquanto os pais se divertem, pedir a um vizinho para "dar uma olhadinha" e o que mais lhes der na telha.

O que impressiona é a banalização das relações familiares, quando pais e filhos, envoltos num processo de vida que esgarça os laços tradicionais de afetividade, tornam-se quase que desconhecidos uns dos outros. Os pais com uma vida que lhes é bastante própria e os filhos, encastelados em seus próprios aposentos, voltam-se mais para o computador e o MSN ou Orkut, ligando-se a comunidades virtuais.

Sei que isso é próprio dos tempos que vivemos, quando valores se emboloram e são substituídos por outros códigos de comportamento e relacionamento. Tal situação foi naturalizada e crianças e jovens passam a ser, para muitos pais, apenas um problema a ser resolvido da maneira mais fácil: dar-lhes um instrumento de diversão, no caso o computador, ou dinheiro para que também vão para a rua. Todos vivem um clima de festa, cujo final é sempre o mesmo: a família vira um samba acabado.
Emanoel Barreto

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Ele voltou. Sim... e daí?

Caros Amigos,
A Folha de S. Paulo, em jornalismo reverente, divulga no caderno Ilustrada a volta de William Bonner à apresentação do Jornal Nacional e lembra - importantíssimo -, que há algum tempo Fátima Bernardes afastou-se do programa, entre um bloco e outro, devido a uma labirintite. Oh......

Ele estava afastado por causa de dores lombares e foi submetido a tratamento.

Isso mostra como o JN tornou-se, até mesmo para o jornalismo, uma espécie de ícone da comunicação de massa neste país. Por que a volta de um jornalista a seu local de trabalho merece tal destaque? Comentei há uns dias a respeito da morte de Joel Silveira, cujo perfil, bem superior ao de Bonner, não ganhou qualquer relevância de mídia.

Então, por que a volta do jornalista da Globo recebeu exposição? Por uma fator muito simples, o JN naturalizou-se como o mais importante telejornalismo do País, e tornou-se alvo de fascínio e atenções, Foi glamourizado pela Globo e ganhou, na verdade, feição de um show. É um jornal que não se indigna com nenhum problema nacional, não demonstra repúdio às injustiças que diariamente o povo brasileiro sofre.

Às vezes, Arnaldo Jabor aparece, fazendo uns comentários à guisa de editorial, que mais se parecem com as coisas do Casseta e Planeta. É mais uma ação satírica, humorística, que postura editorial: séria e, se preciso, ferina; atingindo o ponto a ser denunciado.

Não, não, não. Não tem qualquer importância a volta de Bonner ao JN. Se ele estava com dores nas costas, fez muito bem em se afastar para tratamento. No mais, é preciso entender que o Jornal Nacional não têm ancoragem, como estão dizendo por aí.

Um âncora comenta, explica, analisa, interpreta e apresenta de alguma forma a voz social que ele supõe representar. Bonner não comenta nada. Ele só apresenta o JN. O resto é show.
Emanoel Barreto

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Um tolo chamado Zottolo

Caros Amigos,
O velho e lamentável preconceito contra o povo nordestino volta à cena, com declarações do presidente da Phillips do Brasil, Paulo Zottolo. Para ele, "se o Piauí deixasse de existir, ninguém ficaria chateado por isso." Como houve um vigoroso repúdio à atitude no mínimo insana, Zotollo percebeu sua tolice e, pressionado a pedir desculpas pelo Governo do Estado, o fez publicamente em jornais e outros veículos com circulação no Piauí.

Desconheço o contexto em que a decclaração foi feita, mas esta revela como muitos brasileiros não-nordestinos vêem a nossa região, a vida do nosso povo, nossos valores e cultura.

Há uma imagem estereotipada do Nordeste como uma espécie de povoamento de pessoas levadas à indigência pela seca, padecentes de todos os sofrimentos que a terra queimada nos dá. Não se vê, como lembrou Euclides da Cunha, que o Nordestino é antes de tudo um forte. Somente um povo como o nosso, historicamente adaptado a conviver com as duras realidades da caatinga, conseguiria continuar a viver, com coragem e até mesmo com alegria.

Claro que Zottolo não fez o pedido de desculpas porque mudou de idéia de repente. Em Teresina houve protestos e foram quebrados produtos da marca Philips, em demonstração de repúdio. O que ele temia mesmo era uma retração nas vendas da sua empresa naquele estado.

Esse pessoal do dinheiro sofre da Síndrome do Tio Patinhas: não pode ver, sequer pensar, que em sua mala, em sua conta de lucros, está havendo qualquer índice de redução. Não: eles amam dinheiro, querem dinheiro, vivem para nadar em dinheiro.

Zottolo é, a meu juízo, um homem digno de pena. Vive só para ganhar dinheiro, o que, convenhamos, não é projeto de vida para quem se pretenda gente. Viver só para o dinheiro? Minhas comiserações.
Ah! Sim, um detalhe: a Phillips não é do Brasil. Pelo que sei, é dos holandeses...
Emanoel Barreto