sábado, 24 de outubro de 2009


Lembrando Cora Coralina
Encontrei este poema de Cora Coralina. Compartilho com você.
Emanoel Barreto

Eu Voltarei

"Meu companheiro de vida será um homem corajoso de trabalho, servidor do próximo, honesto e simples, de pensamentos limpos. Seremos padeiros e teremos padarias. Muitos filhos à nossa volta. Cada nascer de um filho será marcado com o plantio de uma árvore simbólica. A árvore de Paulo, a árvore de Manoel, a árvore de Ruth, a árvore de Roseta...

Seremos alegres e estaremos sempre a cantar. Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas. Teremos uma fazenda e um horto florestal. Plantaremos o mogno, o jacarandá, o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro. Plantarei árvores para as gerações futuras.

Meus filhos plantarão o trigo e o milho, e serão padeiros. Terão moinhos e serrarias e panificadoras. Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens e mulheres, ligados profundamente ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.

E morrerei tranquilamente dentro de um campo de trigo ou milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.

Eu voltarei...

A pedra do meu túmulo será enfeitada de espigas de trigo e cereais quebrados, minha oferta póstuma às formigas que têm suas casinhas subterra e aos pássaros cantores que têm seus ninhos nas altas e floridas frondes.

Eu voltarei..."


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A política e as trinta moedas
Emanoel Barreto

Está na Folha online: O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini (SP), saiu em defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A oposição e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) criticaram a declaração de Lula sobre uma coalizão política entre Jesus e Judas nos dias atuais.
Para Berzoini, as críticas revelam "superficialismo político do momento". "A frase de Lula sobre Jesus provocou uma onda de farisaísmo, reveladora do superficialismo político do momento", escreveu ele no Twitter (microblog). "Afinal, o moralismo seletivo é uma das piores formas de farisaísmo. E a demagogia dos fariseus no tempo de Jesus repete-se nos atuais."
Lula disse que era preciso fazer alianças para ter apoio no Congresso. "Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão", disse Lula em entrevista à Folha.
...

Em verdade, em verdade vos digo: a incontinência verbal de Lula é bastante representativa do tipo de política que vivemos. A metáfora presidencial refere o seguinte, creio: a "pragmática" do Planalto admite como situação peremptória a troca de "entendimentos" entre Lula e a base aliada. Ou seja: o PMDB, principal partido da coalizão entre PT e essa base aliada, é o Judas com quem se precisa conviver, mesmo que a troco das trinta moedas.

O caldo de cultura política que se vive aqui, historicamente permite esse tipo de situação, acordos e conchavos. É sabido que o PT afastou-se muito de suas bandeiras históricas e trabalha com quaisquer judas. Como também é sabido que o velho PMDB do Doutor Ulysses tornou-se uma teia de interesses e apetites politicamente obesos.

É o que o professor Werneck Vianna chama de Estado de compromisso, quando forças as mais díspares encontram-se sob o guarda-chuva do governo e ali perpetram seu tênue e frágil equilíbrio. É a democracia brasileira, que assim se tece no longo e tortuoso caminho da história.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

E aí, vamos tirar a roupa?
Emanoel Barreto

A Folha diz: Depois de vestir uma sunga vermelha nos corredores do Congresso, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) decidiu nesta quarta-feira devolver o "presente" à apresentadora do programa "Pânico na TV", Sabrina Sato. Em um encontro com a apresentadora em seu gabinete, Suplicy devolveu a sunga a Sabrina --que na semana passada convenceu o senador a vesti-la por cima do terno e hoje ofereceu o acessório ao ministro Paulo Bernardo (Planejamento).
....
Como é sabido, o Senado Federal é uma casa de tolerância, nos piores sentidos que a expressão possa ser interpretada. Mas, a atidude de Suplicy, afunda-se nos mais chafurdosos recôncavos do ridículo. Há pouco tempo, uns dois meses, creio, deu um "cartão vermelho" ao presidente da Casa, José Sarney, tentando criar um factóide com a crise de credibilidade do Senado. Não conseguiu e apenas ganhou apupos da imprensa.
Agora, só falta vestir um maiô daquele tipo asa delta, lembra? Assim, sem dúvida ganharia bastante reprecussão. O Senado é o cenáculo dos escândalos, claro. Mas, chegar-se ao ponto de andar de cueca é, literalmente, um golpe baixo.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os mortos são inimputáveis
Emanoel Barreto

Ora, naquele tempo havia um homem que muito se comprazia com os prazeres da carne e da bebida. Eis que um dia, em plena esbórnia, entregou a alma ao Criador, gerando grande alarde nos meios pândegos. Os amigos, acostumados com suas irreverências, manhas e atitudes, ficaram crentes que ele brincava a bom brincar.

Nisso, ele levantou-se e disse "não acreditam, estou morto?". Veio um físico e constatou que ele realmente não respirava, não tinha pulso e estava estranhamente frio. Mas, sábio, concluiu, "se fala e se se move, vivo está. Deixam-no. Por outro, lado, se não respira nem o sangue se lhe corre nas veias, morto está. Deixem-no também. Deixem-no viver e morrer ao mesmo tempo."

O homem, que nada tinha de tolo, logo aproveitou-se da situação. Entrou para um grupo de notáveis finórios e pôs-se a praticar, a favor de si e da sua grei, todo tipo de ato inescrupuloso e lucrativo. Mas, somente ele aparecia. Pois, dizia antigo princípio legal que "todo morto é inimputável. A rigor - aduz a sábia ciência jurídica, "apenas a putas são imputáveis." Mais claramente, se está morto não pode ser punido e somente as putas podem ser legalmente molestadas. Pronto.

Resumo da história: analistas e cronistas velhos e sábios indicam que o homem hoje ocupa a presidência do Senado. E, como é velha e esperta múmia, morto estando não pode ser punido.





segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O pequeno mistério
Emanoel Barreto

Havia, um dia, um pequeno mistério.
Pequeno sim, mas, ainda assim, mistério.
Ninguém o notava porque era um mistério
pequeno. E porque o mistério morava numa floresta distante
e não queria falar sobre as parvas coisas deste mundo.

Somente duas pessoas conheciam a existência do mistério que,
na floresta, estava oculto sob as asas de uma ave-do-paraíso.