sábado, 18 de março de 2023

Os bandidos não são vândalos, são terroristas

Por Emanoel Barreto  

Estranhei muito na propaganda do governo estadual o uso da expressão “violência orquestrada” para definir a onda de terrorismo que vem espalhando terror e angústia na população de Natal e interior do estado. Claramente: não há violência orquestrada, mas terrorismo; este é o termo exato, uma vez que trazer instabilidade, incerteza e desespero social é a intenção dos bandidos.

Sei que é grande, visível e sincero o esforço mobilizado pelas autoridades para enfrentar os terroristas, mas não é com o uso de eufemismos que a periculosidade daqueles será amansada e minorados os efeitos dos seus atos bárbaros. E sim, acredito que os interesses sociais prevalecerão.

Quanto à realidade que vivemos, a definição exata do terrorista enquanto tal urge como forma de dar credibilidade ao discurso do governo do estado. A tal orquestração colocaria o celerado na condição de vândalo, o desordeiro reles que por motivos quaisquer destrói patrimônio público ou privado. Não é o que se dá.

Não tratamos com vândalos, ao invés, enfrentamos tipos de alta periculosidade, convictos de que fazem parte até mesmo de uma missão: a defesa dos interesses das irmandades criminosas às quais sentem-se ligados por esse execrável sentido de honra imbricado às facções.

É como se seguissem algum tipo de preceito assemelhado à omertà, o código de honra dos mafiosos do sul da Itália, que é sustentado por um inabalável sentido de família e vínculos inquebrantáveis de lealdade – a seus pares e ao crime, sua atividade finalística e razão de existir. Em alguma medida as facções brasileiras têm esse comportamento. O RN que o diga.

Prova de que não são vândalos:  notícias dão conta de que membros de facção atacaram e incendiaram duas casas em Igapó. Pessoas pobres foram arrancadas de seus lares tarde da noite e em instantes suas moradias foram destruídas pelas chamas ateadas pelos infernais criminosos. Informa-se que um comerciante, dono de pequeno armazém, foi morto, o mesmo ocorrendo com um policial penal.

Não, não há qualquer sentido de orquestra, o que por si só pressupõe, sorrisos, festividade, alegria; o que ocorre é o massacre da paz social, a destruição do esforço de pessoas que lutaram anos para comprar uma casinha ou abrir o próprio negócio.

Foi muito infeliz a escolha da expressão violência orquestrada. Não se disfarça o que pode ser percebido, não se engana o que está a olhos vistos. Linguagem evasiva, a escusa de uso do termo “terrorista” não vai retirar da alma social o terror que ela já vive – as pessoas sabem que estão sendo vítimas de atos de brutais – em suma, terror.

As pessoas sabem que não há violência sob orquestração; já vivem o medo como prova contrária a isso. Há terror e pronto. Mas já que estamos falando de orquestra sou levado a crer que os músicos criminais tocam apenas um instrumento: tocam o terror em acorde perfeito maior, para desespero e incredulidade de suas vítimas.

 E para encerrar: como vivemos um pandemônio, creio que na tal orquestra o pandemônio é o pandeiro do demônio.

 

sexta-feira, 17 de março de 2023

 O dia em que Natal virou Kiev

Por Emanoel Barreto

Natal deixou de ser a Noiva do Sol, como a chamava o escritor Luís da Câmara Cascudo, e hoje já a podemos chamar de Kiev. A luz do sol, intensa e bela, é substituída à noite pelo clarão dos incêndios, pelo terror, pela destruição, desordem e uma aparente inexistência de ação tático-preventiva da polícia para impedir o descalabro.

A ação dos bandidos, segundo diz o noticiário, é uma resposta das quadrilhas a um recente trabalho de captura de criminosos pelas autoridades visando a desarticulação do poderio de suas facções nos presídios. Além disso, os detentos alegam maus tratos e péssimas condições carcerárias. Juntanto as duas coisas veio o barril de pólvora que agora explodiu.

Mas a questão, neste texto, é que faltou prever-se a reação dos bandidos. E agora vivemos o medo que se alastrou por todo o estado com a rapidez de uma labareda. Caso houvesse ação preventiva seria possível impedir a ocorrência dos incêndios a ônibus e até mesmo o monstruoso incêndio a um depósito de medicamentos em São Gonçalo do Amarante, um prejuízo de dez milhões de reais.

Os bandidos, em sua suposta ânsia de garantir direitos humanos básicos, expõem sua face mais dura e brutal. Voltam-se contra pessoas indefesas e prejudicam, no caso do depósito incendiado, aqueles que precisam de medicamentos e não os podem comprar.

Diante disso, podemos supor que a principal necessidade, o núcleo duro dos atos de agressão, que transfiguraram Natal em uma Kiev, seja acima de tudo manter a força e a presença do crime organizado dentro e fora dos presídios. Tais organizações tenebrosas, em seu arcabouço essencial, operam uma estrutura de disciplina e hierarquia ao mesmo tempo que criam em seus membros um sentimento de pertença.

Os componentes das facções são “irmãos” entre si, têm fictícios laços de afetividade familiar. Isso cria sensação de ordem interna e solidariedade, respeito e desgraçada honorabilidade entre pares.

O resultado dessa forma de agir e de pensar caricaturou Natal numa Kiev tropical, com suas ruas percorridas com desenvoltura por tipos que atacam de forma inesperada e fogem. São como fantasmas que brotam de algum lugar, trazem terror e desespero e escapam, como por artes de algum lamentável encanto.

O noticiário fala num esforço das polícias em ação coordenada.  Esperemos que isso venha a se concretizar em medidas eficazes. Caso contrário, Kiev, quero dizer Natal, estará enfrentando esse exército de algozes sem saber quando isso irá acabar. A Ucrânia, quero dizer, o Rio Grande do Norte, precisa vencer essa batalha.

Não podemos ficar nas mãos de quem quer transformar nossa cidade num inferno. Queremos de volta a Noiva do Sol.

 

 

quinta-feira, 16 de março de 2023

Medo nas ruas: bandidos levam a sério o terror e não estão para brincadeira

Por Emanoel Barreto

As atitudes bárbaras e atrevidas dos criminosos que estão aterrorizando o estado nos passam uma mensagem; com esses atos eles dizem que têm potencial e capacidade para agir a qualquer tempo e hora, em qualquer lugar ou instante – e que suas ações serão sempre imprevisíveis e certeiras. Sintetizando, eles enfatizam que sua assertividade inclemente e hostil não terá limites na busca de intimidar e espalhar terror e chamas.

A partir dos presídios, dizem os noticiários, seus líderes costumeiramente conseguem enviar mensagens de convocação e orientação, como uma espécie de comando tático. Na verdade, o que os bandidos estão dizendo é o seguinte: eles são criminosos, não moleques, ou seja: eles se levam a sério, fazem bem-feito o seu serviço.

Esse o ponto de vista dos agressores: eles se gabam de sua expertise enquanto a autoridade age como se fosse moleque, pois não teria trabalhado direito. E tal situação se dá pelo fato de que, historicamente, a Segurança não consegue impedir que mensagens cheguem ou saiam das celas. Isso facilita às tenebrosas organizações criminais possibilidades de atitudes tão ostensivas.

Os bandidos reivindicam para si um inimaginável, espantoso senso de compromisso profissional; mais que isso: exigem deferência pelo medo que infundem. É como se dissessem que o crime é uma entidade séria, que respeita sua própria hierarquia e disciplina. E, enquanto as autoridades são dribladas, crescem a desordem e o medo.

Aparentemente, o aparelho policial do Rio Grande do Norte falhou em seu setor de inteligência, pois revelou-se incapaz de antecipar a ação coordenada e aterradora que se espalha. Ou seja: o crime organizado cumpriu o seu propósito, a polícia não.   

Incrível: bandidos exigindo deferências à sua expertise criminal, sua ética enviesada, seus valores de confronto. A polícia, isso está claro, vem respondendo e está nas ruas. Mas valeria a pena ter frustrado esses atentados. Isso, se os serviços de inteligência tivessem ficado mais atentos.

segunda-feira, 13 de março de 2023

O direito de ser bandido e

o doce charme das elites

 

Por Emanoel Barreto

 

A violência no Brasil é sistêmica, complexa e, pela forma como se apresenta - organizada e enraizada-, dificilmente será vencida.

Vejamos: é preciso entender que a violência está dentro dos presídios mas mantém firme conexão com os atos criminosos que se dão fora deles, inter-influenciando-se mutuamente.

Além disso, as causas históricas do fenômeno criminal permanecem inalteradas secularmente, num perverso processo de marginalização que leva muitos à prática de delitos como se aquela fosse forma aceitável de viver.

As causas históricas manifestam-se nos baixos salários pagos pela iniciativa privada – e no seu inverso: os segmentos estamentais eternizados em situação privilegiada: régias remunerações contemplam o judiciário, a alta oficialidade das forças armadas, políticos profissionais e setores do funcionalismo público.

Junte-se a tal fato a corrupção perpetrada pelo alto empresariado junto a agentes públicos – agregando-se a isso a sonegação de impostos – e temos a receita social perfeita e o caldo de cultura exato a propiciar o encaminhamento do indivíduo socialmente desvalido ao crime.

Com o Estado aparelhado e tornado meio de vida para os privilegiados, todo o dinheiro que deveria estar ao dispor da sociedade vai parar em poucas contas bancárias. Simplificando: falta dinheiro para as funções sociais da instituição estatal.

E muitos jovens que vivem um cotidiano de privações e fome compreendem-se como membros de alguma forma de sociedade marginal e passam a vivenciá-la. Entendem-se como se tivessem o “direito” de ser criminosos.

Ou seja: nas favelas e arrabaldes esse tipo de pensamento passa a ser compartilhado, torna-se um valor, uma espécie de crença, uma maneira de experienciar a existência e uma forma de ser no mundo.

Então, imbuído de tais princípios, o indivíduo passa a cometer atrocidades com grande desenvoltura e sem qualquer senso de culpa. Torna-se convicto. Mata e agride com a mesma naturalidade que um trabalhador ergue uma parede ou pega um ônibus de volta à casa. É o “direito” de ser criminoso.

Entre os criminosos e os privilegiados há um abismo profundo. As elites não estão dispostas a ceder seus privilégios; os bandidos reagem e buscam espaço. E  o resultado é o que temos: presídios explodindo, o terror batendo à sua porta. Mas as elites, protegidas, sabem o que são: as elites protegidas.

O Estado não tem como garantir ao trabalhador integridade física, bem-estar, sossego, tranquilidade, saúde, educação, cultura, transporte, dignidade.

Também não consegue ser eficaz na busca de levar adiante ações repressivo-preventivas para enfrentar aqueles que estão no caminho do crime, ofendendo os que trabalham.

E chegamos ao atual ponto: uma situação insustentável, especialmente pelo fato de que os criminosos já vivem seu sentimento de pertença a um grupo e entendem a sociedade como sua presa legítima.

Caso não haja uma profunda revisão de valores, caso os dinheiros públicos não venham a ter devida aplicação ;e mantendo-se – como serão mantidos– os privilégios e a corrupção, a tendência do quadro é de constante agravamento.

O “direito de ser criminoso” crescerá, e os bandidos, identitários e armados, continuarão a disseminar a violência e a morte. E as elites continuarão em seus castelos, protegidas e felizes.