sábado, 22 de março de 2014

Programada grande passeata pelo fim da democracia



Extra! Grupo fará a Marcha da Família com o Cão pela Ditadura
Acabo de saber que um grupo antidemocracia está programando a Marcha da Família com o Cão pela Ditadura. Reunidos em local secreto deliberaram a respeito e esperam ter nos próximos dias grande número de adesões. Segundo fui informado o Cão em pessoa enviou-lhes a seguinte mensagem:

“Caríssimos,
Precisamos mobilizar forças contra a liberdade em todos os seus tipos de manifestação. Uma noite dessas – somente gosto do escuro – estive pensando no mesmo que vocês: trazer de volta a ditadura ao Brasil. Quando isso acontecer serei o Ditador e tomarei as seguintes providências:
1)     Instalação da FGC, sigla de Fábrica de Garfos do Cão, em sistema de parceria público-privada-PPP. Sabe o que são os garfos do Cão, não sabe? Aqueles tridentes enormes, pontudos.  
2)   Os citados garfos serão utilizados para ajustar os recalcitrantes ao novo regime. Eis o nosso lema: “Se o povo gritar, garfo do Cão vai levar.”
3)   Pelo lado inverso, todo aquele que apoiar nossa iniciativa terá direito a seu garfo do Cão customizado e autografado por mim.
4)   Também farei construir infernos portáteis onde serão atirados quem se reunir em passeatas de protesto. Isso evitará custos com o uso de camburões;
5)    Serão erguidas Fábricas de Fumaça de Enxofre para que as pessoas, perdidas no meio da confusão, não consigam encontrar caminhos para escapar do país;
6)   Será criado o Doi-Departamento da Ordem Infernal para que se mantenham as coisas dentro da normalidade;
7)    Da mesma forma, faremos a instituição do SI-Setor da Infelicidade, encarregado de fazer distribuição equitativa de fome, miséria e medo.
8)   É preciso democratizar o sofrimento. Todos terão e poderão reivindicar tais direitos junto à nossa ditadura.
9)   Nosso sistema de saúde funcionará assim: quem adoecer será preso. É fácil entender: o sistema é de saúde, não de doença. Logo, quem estiver doente estará fora da lei e merecidamente será punido;
10)                       Quem souber falar mais de dez palavras será encarcerado;
11)  Quem souber ler mais de três palavras será considerado subversivo;
12)                       Em lugar de subversivos queremos subservientes;
13)                       Melhor dizendo: quem tiver boca será preso na mesma hora. Melhor prevenir que remediar.
 Na expectativa de que todos obtenham sucesso em seus planos maléficos, e esperando que a Marcha com o Cão pela Ditadura venha em breve e seja um sucesso,
Subscrevo-me efusivamente.
a)   O Cão

quinta-feira, 20 de março de 2014

O mestre geral das construções inúteis



Um túnel para a China, tiros de canhão e o lindo futuro que nos aguarda

https://www.google.com.br/search?q=canh%C3%B5es+chineses&client=firefox-a&hs=wXo&rls=org
Hoje amanheci em 1901 e tenho a estranha sensação de que há algo errado: meu terrível vizinho, que tem o estranho hábito de ter tanques de guerra em seu jardim, amanheceu tocando clarim e “convocando todos os patriotas à guerra.” 
Ouvi tiros e ele informou-me que está atacando o Palácio Presidencial, pois é ali que “encontra-se o mal para a nação.”


Estranhei, porque nosso presidente é um velhinho de 95 anos que costumeiramente vem à minha oficina tipográfica para pedir conselhos a respeito de como seria possível estabelecer relações diplomáticas com a China facilitadas por um túnel que nos levaria diretamente à Cidade Proibida.


Informo sempre ao nosso Presidente que sou apenas um tipógrafo que aprendeu esta arte diretamente de Gutemberg. Sendo assim, nada posso oferecer a respeito de pactos internacionais; especialmente esse, que nos levará diretamente ao outro lado do mundo. Mas ele insiste em construir o túnel e sugeri que fosse imediatamente ao Arquiteto Chefe, senhor de sabenças e versado em tais assuntos.


Mas agora o Presidente encontra-se sob fogo de canhão e preciso saber se está bem. Chego ao Palácio Presidencial e, para gáudio meu, tudo está como devia: o Palácio não foi atingido pelos obuses e o Presidente dedica-se a instrutiva conversa com suas plantas carnívoras a quem sempre recorre quando deve tomar decisões importantes. Após, claro, ouvir-me também, já que me convoca sempre que parlamenta com suas plantas carnívoras.


Pergunto se teme ser deposto e explico que meu temível vizinho o está atacando a fogo pesado. Ele contesta. E vejo que tem razão, até mesmo pelo fato de que eu mesmo já havia visto que o Palácio está inteiro. Corro então ao meu vizinho e digo-lhe que suas tentativas são inúteis: os canhões estão aprumados para alvo bem distinto e distante do Palácio Presidencial.


Ele admite o erro e diz que, diante disso, o inimigo agora é outro: imediatamente virou os canhões para a minha casa e garante que, sem dúvida, conseguirá obter uma grande vitória, uma vez que, como inimigo perigosíssimo, devo ser eliminado o mais rápido possível.


Como sei que estou diante de um louco corro e fujo. Nesse momento acabam a munição dos canhões. O vizinho, desesperado e demente, derrotado por sua própria incompetência em não prover-se de munição, muda de tática e de objetivos: corre a me abraçar, pede perdão, e sugere que eu o leve ao Palácio Presidencial. Assim o faço e ele propõe: “Excelência, precisamos com urgência construir aquele túnel que nos leve diretamente à Cidade Proibida. Aquele projeto que o senhor tanto defende.”


O Presidente aceita imediatamente, felicíssimo com o apoio à sua grande obra. O meu vizinho louco agora cochicha com ele. Dessa conversa resulta, inesperadamente, a minha prisão: o louco continuara tramando contra mim; o abraço fora apenas parte do processo para me destruir. 

Resultado: agora estou munido, veja bem, munido, de um picareta a cavar um enorme buraco em direção ao centro da Terra. Estou suado e cansado. E acima de tudo decepcionado com o presidente. Veja só: ao ouvir a proposta do louco para a construção do túnel esperava que o Presidente me nomeasse Mestre Geral das Construções Inúteis, mas agora eis-me aqui, suando e exausto como um  escravo.

Em silêncio, quase meditação, fico pensando: dizem que um dia haverá um ano de 2014 quando todos os problemas do mundo estarão resolvidos e o belíssimo túnel hoje em construção nos ligará às coisas mais belas da China.


Com habilidade e matreirice consegui fugir do meu lamentável trabalho. Entrei numa máquina do tempo dei uma passadinha na Idade Média, mas vou imediatamente para o futuro. Lá chegando, contarei a você como será o magnífico ano de 2014.

Abraços,

Emanoel Barreto

domingo, 16 de março de 2014

Uma terrível vivência: um incrível momento humano

Minha experiência de quase-morte
Quinta-feira passada fiz meu teste anual de esteira, o teste ergométrico. Começou como sempre: a esteira rolando de forma, digamos, amigável. Aos poucos a velocidade foi aumentando até chegar à velocidade máxima para um sujeito de 62 anos de idade – detalhe: 62 anos de idade e 17 anos de exultação. 


Mas, voltemos aos fatos: o coração começou a querer explodir. Fiz de conta que estava tudo bem, até que a médica perguntou:
- Vamos chegar ao máximo? Se chegar ao máximo, o exame será mais preciso.
Topei. Meti o pé na esteira e fui em frente naquele caminho que não leva a lugar algum. Pernas, pés e coração funcionando juntos. Era uma questão de desafio, entende? Chegar, atingir, enfrentar... Eu queria ver, sentir, arrostar.

E fui em frente. Afinal, após uns oito minutos de luta, terminou a refrega. Eu havia chagado ao meu limite. A máquina parou. Meu corpo todo tremia, minha mente estava turva. Eu não disse nada, mas a médica, – grande profissional que é –, percebeu que eu não estava bem: depressa arrancou da esteira os fios que mediam a minha pressão, manteve-os presos a meu peito e mandou que eu deitasse numa daquelas caminhas estreitas de hospital. Sabe aquelas caminhas de urgência? Pois foi numa delas que fiquei. E a médica disse: – Repouse, fique calmo - com voz tranquilizadora.

Isso me serenou e deitei: exausto, suando.

Os fios monitoravam o funcionamento do meu coração que pulava.
Fiquei lá, estendido, vendo estrelinhas brilhando. Meu corpo, para mim, quase não existia. Eu estava, penso, entre vivo e morto. A médica disse que minha pressão estava dez-por-não-sei-quanto e eu senti que afundava.Tudo escureceu. Percebi que estava chegando a um limite dantes nunca experimentado: terrível e magnífico ao mesmo tempo; um vai-e-vem para cima e para baixo, um  movimento para um lado e para o outro. Sístole e diástole.  Em seguida veio um frio intenso em todo o corpo e a respiração parecia doida, sem ritmo, em ondas.

Após, veio uma onda de calor. E senti, aos poucos, que voltava à normalidade. Aos poucos fui melhorando daquela estranha e escura experiência e afinal disse à médica que estava legal

Logo a seguir fui liberado. Saí do hospital, cheguei ao carro no estacionamento, pus a chave no contato e dirigi de forma automática, como se estivesse flutuando. O mundo fluía, o trânsito era apenas uma imagem baça, lateral. No pescoço o nó corrediço de uma corda que eu mesmo controlava. À minha maneira eu administrava aquela corda perigosa e mortal, podendo colidir a qualquer momento.

Era como se não existissem os carros, a ameaça de uma batida iminente, uma pesada advertência correndo ao lado do meu automóvel. Eu sabia do perigo, mas assumi o risco. 

Tenho, sempre tive, um bom domínio de volante. Confiei nisso. E valeu a minha expertise como motorista. Ufa! Afinal, cheguei à minha casa e desabei na cama. Estava em frangalhos, um bagaço. 

Mais tarde, sentindo poderosa exaustão, sequer consegui ir às aulas no setor II, o meu querido setor II da UFRN. Gosto das aulas, das jovens inteligências, do debate, da vivência  com os futuros jornalistas, decididos e loucos. Mas não pude ir.

Encerrando essa história: foi incrível. Foi barra. Foi perigoso. Foi fulgurante, foi humano, maravilhosamente humano. Foi uma coisa bem minha, intransferível, própria.  

Foi, sem dúvida, um grande texto existencial, uma grande reportagem. Uma viagem a mim mesmo. Faria tudo outra vez. Farei no próximo ano. Vou arriscar.

Bom; sem mais, relato a você essa experienciação, esse arpejo, essa torta sinfonia.

Não recomendo a ninguém... Mas, se quiser tentar...