sábado, 29 de junho de 2013

Meu reencontro com um fotógrafo pé-quente



Eu, Clóvis Santos, o Galego da Galeria e as formigas 

Tive hoje a inesperada e grande alegria de reencontrar com o repórter-fotográfico Clóvis Santos. Mais especificamente, como nós jornalistas gostamos de dizer, com o fotógrafo Clóvis Santos. A barba branca bem talhada, os cabelos curtíssimos nevados, o aperto de mão sincero e digno; o reencontro com o amigo foi literalmente encantador.

Alto, magro, elegante no porte e na afabilidade, Clóvis funcionou como uma máquina do tempo. Sua presença de amigo levou-me de volta a 1974, quando eu era repórter policial do Diário de Natal. Falamos do tempo em que já nos conhecíamos: pelo menos uns 45 anos. Isso porque conheci Clóvis muitos anos antes de ser jornalistas. Poucos têm essa possibilidade: tanta vida vivida em tempo que ,em minutos de conversa, aflora como borbulhas de champagne. 

Aí lembramos de algo: num domingo qualquer daquele ano de 1974 fomos fazer a ronda das delegacias da Ribeira. Eu tinha uns três, no máximo cinco meses de jornal. Ele já tinha, na vida de jornal, algum tempo a mais que eu. E então aconteceu o seguinte: à porta da delegacia estava um tipo que é conhecido como alcaguete; na gíria dos marginais, “cabrueta”, ou seja: o dedo-duro, aquele sujeito fronteiriço, oscilando entre o crime e a ordem estabelecida. 

Pois bem: o cabrueta contava uma batalha havida entre a polícia e o Galego da Galeria, um marginal famoso à época. A tal batalha havia sido de madrugada, a madrugada daquele domingo. Dizia o cabrueta: “O Galego pegou os canas de frente. Mandou bala e a turma da Rádio Patrulha  respondeu com rajadas de metralhadora – as Rádio Patrulhas eram guarnições compostas por quatro policias que faziam a vigilância da cidade em automóveis Rural Willys.

Segundo o cabrueta o Galego, a cada rajada de balas dava saltos de pelo menos meio metro de altura, livrando-se de ser atingido. Afinal, esgotada a munição, o bandido entregou-se.

Antes de prosseguir, explico: o Galego da Galeria havia ganho esse nome porque havia matado, na Galeria Olímpio, uma loja famosa à época, o vigilante de plantão: um senhor de idade. Perverso, dominou velho, amarrou-o com arames e em seguida o matou. 

Voltando à cena na delegacia: eu perguntei ao cabrueta: – E o Galego, está aí, dentro da delegacia? Foi preso?  – o cabrueta confirmou: – Está aí. Entra lá que você vai ver.
E eu fiz isso: meti o pé e entrei. Na delegacia não estavam nem o delegado nem o comissário, que, à época, era o substituto do delegado. Fui direto às celas e lá estava o Galego. Sentei-me frente a ele dei-lhe um cigarro e o marginal contou como tinha sido o confronto.

Nisso, afinal, chega um policial. Não sei porquê, Clóvis não entrou. De repente vi-me frente a frente com um policial truculento. Um homem endurecido encarando um menino de vinte e poucos anos. Aí o brutamotes me perguntou: – O que o senhor está fazendo aqui?

Respondi: – Estou entrevistando o Galego. Sou do Diário. 

Nesse época o Diário de Natal tinha o mesmo prestígio que a Rede Globo tem hoje. Mas isso não foi suficiente para deter o policial, que ameaçou: –  O senhor entrou sem permissão. 

Eu respondi: – Mas não tinha ninguém aqui. Nem o delegado nem o comissário. Sendo assim, entrei.

Ele rebateu: – Mas, pode não. Pode não porque isso aqui é uma delegacia. E o senhor não pode sair daqui. Nem o senhor nem o papel em que o senhor anotou as coisas que o Galego disse. 

Eu estava diante de um tarugo de mais de um metro e noventa de altura, uns noventa quilos de músculo e brutalidade. Eu tinha um metro de oitenta de altura, mas era fino como um caniço. A desproporção era claríssima. Fechei a cara coloquei o papel com as anotações para trás, as mãos cruzadas, e comecei a recuar. 

E ele dizendo: – Pode não. Pode não. Pode não.

Nesse instante vi que, ou eu agia depressa ou terminava em cana. Reuni o que tinha de coragem– e de medo – e continuei a caminhar de costas. Fiz isso até chegar à porta da delegacia. Afinal cheguei à porta e corri para o Kombi do jornal. Gritei: – Vamo! Vamo! Vamo!

E a Kombi foi. Driblei o policial e na segunda-feira lasquei a matéria com o Galego da Galeria. 

Mas eu estava falando do grande Clóvis Santos. Fica aqui o abraço ao amigo, ao irmão de jornal, ao louco que uma vez me disse que gostava de ficar olhando as formigas, para ver aonde elas iam.

E até hoje, Clóvis, fico olhando aonde as formigas vão. Espero que um dia eu consiga ir até lá. Creio que, ali, qualquer que seja esse lugar, esteja escondido o Paraíso. E nesse Paraíso a gente possa falar dos velhos tempos.



terça-feira, 25 de junho de 2013

A luta é do povo: partido político, não



A luta é do povo: partido político, não

A voz das ruas está avisando aos políticos: não dá mais pra segurar; explode, coração. E tão forte é o sentimento de repulsa, de insatisfação, de nojo, que os manifestantes estão expulsando quem se atreva a comparecer aos protestos portando bandeira de partido. Estão certos os manifestantes: não se pode contaminar os protestos com o discurso partidário. A mobilização é de parcela expressiva e vigorosa do povo, de gente que não está filiada a partido.
https://www.google.com.br/search?q=protestos&safe=images&client

E partido, qualquer ele, se utiliza do empuxo popular para buscar mandato. As reivindicações voltam-se para cobrar das, vá lá, autoridades com mandato eletivo, que cumpram com suas obrigações; não se admitem partidos porque estes emulam-se com aquele que esteja no Poder. Assim, a passeata passa a ser confronto entre siglas, e não é o caso.

Não há sentido na presença de partido político na luta de quem os repudia, discorda de suas práticas, lamenta os seus procedimentos. Mesmo que pessoas partidarizadas – e bem intencionadas – queiram participar mantém-se o imperativo: a luta é popular, não é de partido. Partido, não.