sábado, 20 de outubro de 2007

O Brasil visto de costas


Caros Amigos,
A moça aí na foto é uma certa Talita Colucci, de 19 anos, que disse à Veja ser "uma responsabilidade muito grande representar o bumbum do Brasil." Já pensou? Deve ser mesmo. Numa terra onde abundam pessoas como Renan Calheiros, temas que tais são evidentemente de rara e suma responsabilidade.

A propósito, não sei como ela foi escolhida para a missão, mas o fato é que está representando o derrière nacional; também não sei em que concurso, academia, plenário ou forum. Entretanto, creio ser lícito suspeitar que seja em alguma opereta bufa, coisa muito comum neste país.

Aliás, em matéria de entrevista com mulheres que são apenas fêmeas - tão lamentáveis quanto homens que são apenas machos -, a Época traz uma com Gisele Bundchen (!), que é uma pérola.

Dotada de cultura pedestre e poder de argumentação da estatura de um rodapé, a moça fala a respeito da importância da defesa do meio ambiente e de como se integrou com os índios no Amazonas, quando ali foi filmar comercial da Grendene. Arranja frases curtinhas e atende aos interesses da revista.

Um velho problema de nós, jornalistas, é criarmos notícia onde não há. Qual a importância de uma mulher ter nádegas suntuosas? Qual a autoridade que Bundchen tem para falar a respeito de meio ambiente? A questão é que jornalismo é também uma espécie de eco da conversa do cotidiano, do falar por falar. A banalidade faz parte da vida e por vias transversas inscreve-se no jornalismo, que a eleva a alturas como se esta tivesse alta importância.

Mas, o triste, o triste mesmo, é ver que o Brasil parece mais interessado no que está ao sul do corpo das mulheres e na visão de mundo, curtinha, da outra. Que também é Bund...
Emanoel Barreto

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

E aí, Abdon me perguntou: "Vale a pena?"

Caros Amigos,
Encontrei-me hoje com o meu velho amigo Abdon. Não o via há anos. Aposentado, resolveu isolar-se numa pequena comunidade praieira e ali vive com o básico.

Foi um exílio calmo, decidido com a chegada da lucidez dos 60 anos. Barba crescida, pele crestada pelo sol, dedica-se a ajudar os pescadores uma vez ou outra, para passar o tempo, ou a sorver intermináveis doses de cachaça em meio àquela gente simples.

Não quer saber de rádio, TV ou jornal. Internet, nem se fale. Logo ele, que foi tão bom repórter lá pelos lados do Rio e São Paulo. Quis saber se ele estava desencantado. Não, não estava. Apenas decidira mudar. E mudar significou juntar a aposentadoria, vender alguns bens e passar a viver com o que isso lhe rende por mês.

Não quis filosofar, não quis dar-me maiores explicações. Apenas disse que parou e pronto. Depois, deu-me um abraço, não me revelou onde está morando e sumiu-se. Antes de encantar-se em meio às pessoas, perguntou:
- Vale a pena?
Emanoel Barreto

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Os passos de viver

Caros Amigos,
Redigir é um ato que demanda esforço. Não o empenho físico que alguém tenha que despender para empurrar um piano, por exemplo. Mas esforço até mesmo para encontrar a assunto - e isso, é claro, é bastante subjetivo. Varia da temática, do estilo, da visão de mundo do repórter.

Hoje, vejo nas coisas de jornal que um cientista que ganhou o Nobel de medicina disse que os negros são menos inteligentes que os brancos, o que explica o atraso socioeconômico da África; no Rio, doze são mortos em um confronto com a polícia, incluindo-se uma criança entre as vítimas; na França, o presidente anuncia seu divórcio; em São Paulo, as prostitutas estão faturando muito com a presença do circo da Fórmula Um.

Aí, alguém se pergunta: e não há assuntos de sobra?
E eu respondo: há?

Qual desses acontecimentos são em si mesmo novidades? Todos eles contêm alguma parte da insânia humana, nossas misérias, perplexidades, medos, cupidez, contra-sensos; tudo coisa que de alguma forma é parte do cotidiano.

Não deixo de lamentar o infeliz raciocínio do cientista, nem o espetáculo de barbárie no Rio, ou os demais acontecimentos que elenquei. Mas entendo que isso já se tornou lamentavelmente parte da nossa cotidianidade, e há séculos.

Há séculos o homem repete a sua tragédia, geração após geração, ato após ato, modificando-se apenas as circunstâncias históricas em que se desenrolam seus dramas: em essência, nossa vida é a mesma, escura e incerta.
A humanidade caminha tateando.

Amanhã eu volto. Mas as coisas de jornal serão as mesmas. Pois os bárbaros, os tolos, os loucos felizes, os monstros e os afáveis estarão nas ruas, cada um cumprindo seus passos de viver.
Emanoel Barreto

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Ele quer "seriedade"

Caros Amigos,
O presidente Lula está pedindo "seriedade" ao senado, quando da votação da CPMF. "Seriedade", significa votar a favor da manutenção do imposto do cheque, que por sua vez representa um esbulho ao contribuinte.

Seriedade, para mim, é um partido político honrar sua trajetória histórica e manter-se fiel a seus princípios; seriedade é sustentar um discurso que havia sido propagado como letgítimo e inabalável; seriedade é manter a honradez, a honestidade, a ética, como elementos constitutivos essenciais a uma agremiação partidária.

Nada disso aconteceu durante os governos Lula. Portanto, para pedir seriedade, é preciso, primeiro, olhar em volta de si memo e verificar se você está agindo de forma séria e digna de crédito.
Emanoel Barreto