sábado, 4 de novembro de 2006

A Terra, azul e linda, vai ficando acinzentada

A humanidade não está muito preocupada com a preservação do meio ambiente. Desde as grandes indústrias e seus magnatas internacionais, até aquela pessoa que passa e, do carro, atira uma garafa plástica vazia pela janela,uma espessa maioria dos humanos está contribuindo - e com grande eficácia - para a degradação dos ecossistemas.

Já se fala que em mais 150 anos o processo mundial de desertificação estará bastante avançado. E 150 anos, do ponto de vista histórico, é muito pouco tempo. Além disso, o aumento da temperatura propiciará o degelo dos pólos e o aumento do nível dos oceanos, com conseqüências drásticas em todos os continentes.

Afora a poluição do ar e dos cursos de água e tudo o que já citei aqui, convivemos com outra espécie de poluição: a poluição da mente das pessoas; de forma socialmente densa, criou-se uma convicção de que se deve explorar a natureza até o extremo, esquecendo-se todos de que também somos natureza.
A urbanização não nos tirou a condição de seres naturais.

Entretanto, em meio a esse caos, leio no Estadão: "Volks lança célula combustível", que permitirá o acionamento de uma tecnologia menos poluente para os automóveis. Isso traz algum alívio, até porque o petróleo é uma fonte de combustível não-renovável. E a informação indica que, lentamente, já se pensa na sua substituição. Diz a matéria:

"SÃO PAULO - A Volkswagen divulgou esta semana um novo tipo de célula a combustível que, em sua opinião, abrirá a porta para produção em série de veículos com essa tecnologia menos poluente. A célula a combustível é um sistema que torna possível que os próprios veículos produzam energia elétrica. Ela se baseia na combinação química de hidrogênio e oxigênio, elementos que se transformam em água e que, no momento da reação, liberam energia suficiente para mover um veículo. "

Acrescenta o texto:"A escalada dos preços de combustíveis e a preocupação crescente pela preservação do meio ambiente moveram a indústria automobilística a buscar alternativas que assegurem a mobilidade no futuro.
A companhia francesa PSA Peugeot Citroën considera que este avanço tecnológico mudará a indústria automobilística e afirma que seus automóveis vão circular em 2010 com hidrogênio e lançar vapor d´água."


São ainda tímidas as manifestações práticas com relação ao problema da poluição e de alternativas ao uso da gasolina. É que os grandes capitais não têm interesse em gastos imediatos quando podem manter em funcionamento um determinado tipo de situação perversa, desde que lhes seja favorável.

Enquanto isso, a Terra, que como dizia Garagin "é azul e linda", vai ficando cinzenta, os homens mais embotados e o futuro mais incerto e escorregadio. Que pena.
Emanoel Barreto

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

A privacidade de Lula

Vi, on line, no Estadão e JB fotos do presidente Lula em repouso familiar, numa praia. Os jornais exibiram as fotos como troféus; como se uma personalidade pública e midiática não tivesse direito à privacidade. É como se do homem público jamais se descolasse a identidade do político e do chefe de governo.

A rigor, qual o interesse dos leitores em ver fotos do presidente, Dona Marísa Letícia e parentes em traje de banho, aproveitando o sol e as águas do Atlântico, como os outros mortais? Se fosse assim, deveriam também ser feitas fotos do casal em sua vida familiar, na intimidade do lar.

Não gosto desse tipo de jornalismo, a não ser em caso particularíssimo, se e caso acontecimentos supervenientes interferissem diretamente junto ao presidente na hora em que estivesse na praia. Exemplo: se ele fosse vítima de algum atentado ou sofresse um acidente.

Fica implícito que defendo a presença de repórteres e fotógrafos cobrindo o lazer presidencial para registrar qualquer eventualidade, recusando-me entretanto a publicar as fotos sem que nada de extraordinário houvesse para ser trazido a público.

Entendo que jornal deve cobrir tudo, mas tudo o que for de interesse público, respeitando-se porém a privacidade e a intimidade quando sobre estas não incidam fatos de importância e de relevo.

Jornalismo que se limita a mostrar as fotos de um presidente de república em atividade de lazer familiar, cai na ribanceira do voyeurismo e desrespeita até mesmo a representatividade da instituição jornalística.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Crônicas para Natal

A pátria das águas

As pequenas e audazes caravelas do Potengi

repousam calmas em seu silêncio de água.

São animais de madeira, dóceis e treinados.

Mas quando estão nevegando, mastigando instantes,
percorrendo momentos,
esfregam-se no corpo líquido da água-mulher
e são desbravadores de prazer.

O Centro Náutico Potengi, onde a

força do braço é motor de popa, é a pátria
das águas, desses barcos e de seus marinheiros.

E são todos corsários da vida forte,

amigos do sol e do suave ondular
de águas que abraçam.

.............

Favela do Maruim

Natal tem, nas Rocas, bem escondida,

uma ferida, pequena chaga social,
chamada favela do Maruim.

Espremido entre o rio e a rua,

o Maruim é o lixo discreto,
é a dor calada do silêncio.

Na lama, caminham pés que

nunca chegarão a parte alguma.
Nesses pés caminham vidas que
de há muito foram apagadas.

terça-feira, 31 de outubro de 2006

As manchetes da vida

Estou lendo "A fabricação do presente", de Carlos Eduardo Franciscato. É um belo estudo a respeito da questão da atualidade no jornalismo: a temporalidade do presente, a efemeridade dos acontecimentos, como os jornais trabalham na busca pela informação daquilo que esteja em acontecimento temporalmente próximo.

Isso me faz lembrar como tudo é rápido, fugaz e passageiro. Basta tomarmos um exemplo bem recente: a reeleição do presidente Lula. Houve todo aquele processo de luta, os debates, as acusações, o enfrentamento dos dois turnos. E, como num passe de mágica, Lula ganha mais um mandato. Passou. Rápido, não? Pois é: aquele presente... virou História.

Vem agora a expectativa pela nomeação da equipe de governo; os jornais vão tentar antecipar a composição do ministério e, logo mais, daqui a quatro anos, tudo virou passado. Entre o então e o futuro, entre a incerteza e o abismo, entre a salvação e a derrocada o tempo não se mede em segundos, horas, dias ou anos.

Entre um ponto e outro da existência o tempo se mede pelo relógio da espera, que se move com os ponteiros da paciência e da ansiedade. O presente é uma entidade impermanente. Somente percebemos isso quando paramos: na espera do atendimento do médico, na fila do elevador, naquele sinal vermelho que não fecha nunca, na terrível cadeira do dentista. Quando estamos em movimento, entretanto, temos a impressão de acompanhar o presente, segui-lo por todos os caminhos. Não percebemos o tempo passar.

E afinal, quando olhamos aquele jornal amarelado, aquela revista envelhecida, as fotos dos galãs hoje velhotes, a visão das divas agora velhas, percebemos como tudo passou e bem depressa. As manchetes nem sempre se confirmaram e o tempo passou, silencioso e sério.

Os jornais podem até fabricar o presente. O que não podem é garantir que, como lembrança, história ou marco de tragédia ou comemoração, o presente venha a ser algo que valeu a pena ser vivido com a alma lavada de ansiedade ou medo. Como os jornais, a vida também tem suas edições. Compete a cada um de nós saber compor sua manchete.

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Lula leu Maquiavel?

Reeleito o presidente Lula, saímos da fase dos sonhos gerenciados pelo marketing, para entrar no chão às vezes firme às vezes instável da realidade. O governante, para liderar, deve reunir virtudes que vão da serenidade frente ao momento da vitória à sabedoria para dosar sua convivência com os contrários, sem que destes se torne cúmplice ou submisso.

O presidente Lula terá que administrar bem sua convivência com os contrários, seja aqueles que são adversários, mas que que o apoiarão a troco da divisão do bolo do Poder, seja daqueles que o acossarão como oposicionistas, ferrenhos e às claras. Será um governo politicamente difícil.

Vejamos: os contrários que se aliarão a ele sob o soldo de participar do poder são como os mercenários, tropas cujo uso Maquiavel desaconselhava. São estas, por sua natureza, inconfiáveis: lutam por vantagens e debandam quando sentem-se em risco ou não recebem tudo o que pretendiam. São, como muito bem afirma a expressão, "soldados da fortuna". E podem muito bem bandear-se para o lado dos inimigos.

Maquiavel atribuía à palavra fortuna o sentido de sorte, o imponderável, a álea histórica de cuja contextualização brotam as condições favoráveis ao príncipe, para que este chegue ou se mantenha no poder. E à palavra virtù, as qualidades do líder que tem a compreensão exata do momento que vive, e que de alguma maneira desencadeou, para assim tomar as medidas mais adequadas com o objetivo também de empoderar-se.

Aparentemente Lula reuniu os dois requisitos. Tanto que se reelegeu. Agora virão os desafios: as esperanças do povo versus os apetites elitistas de quem quer manter privilégios históricos em detrimento de valores como saúde, educação, seguridade social, salários dignos, emprego, perspectiva de vida e a utopia que cada ser humano tem de ser feliz.

Vejamos até que ponto o presidente Lula, com as alianças que fará, estará mais voltado para o social ou sintonizado mais finamente com os grandes interesses dos grupos de pressão.

Lula pode até não ter lido Maquiavel, mas certamente fará um governo de sobrevivência, sua e de seu grupo, seguindo, mesmo intuitivamente, as regras fluidas da preamar política. E, se assim o fizer, não tenhamos dúvida de que os grandes vencedores serão os mercenários. E, deles, Maquiavel não gostava.