sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Notícia, corrupção e vida pública

Faltou foi mesmo uma manchete



Ufa! Renan escapa aos 45 do segundo tempo 

Em jornalismo há uma coisa chamada angulação da notícia. Ou seja: é o ponto de vista da notícia que vem vestida como se fora isenta da sua condição de coisa artificial, coisa feita pelo artifício humano – no caso, representação subjetiva e valorada da realidade.

Quando uma notícia é elaborada o redator segue algumas normas básicas, dentre as quais desponta não usar adjetivo. Isso livraria a notícia da condição de texto opinativo. Mas, nada disso: pode-se perfeitamente opinar sem o uso de adjetivos.

Basta angular a notícia de uma determinada forma e aquela parecerá isenta, portanto credível e bem-intencionada. Na verdade a aparência de objetividade está vinculada a determinados valores predominantes e, mesmo sem qualquer emissão de ponto de vista, uma notícia sugere ao leitor a que com aquela concorde.

Exemplo: se eu faço a seguinte manchete: “Filho mata pais a facadas” ninguém vai esperar que as pessoas concordem que tal ato seja aceitável, em função do senso comum de que os pais devem ser respeitados, amados, protegidos. E não usei qualquer adjetivação. 

Do mesmo modo posso apelar ao senso comum dizendo, como afirmou a Folha: “Maioria do STF decide barrar réus em sucessão”. 

Dá-se ao leitor a sensação de que os zelosos ministros cumpriram com o seu dever de tentar impedir o senador Renan Calheiros de assumir a presidência da República em caso de ausência de Temer ou Rodrigo Maia. O senso comum está aplacado e jornal aparenta haver narrado o fato com isenção. Contou a coisa como a coisa se passou. 

Mas a grande notícia, notícia escamoteada, foi o gesto de o  ministro Dias Toffoli, na undécima hora, pedir vistas ao processo, o que na prática barra todo o esforço da Corte, já que não há prazo para a devolução da peça processual. Na prática o julgamento parou. 

Folha de S. Paulo, O Globo e o Estado de S. Paulo, nenhum dos jornais enfatizou que o gesto do ministro assegurou a Renan a continuidade no cargo de presidente do senado e presuntivo presidente da República em caso de vacância temporária. 

O único jornal a fazer algum registro foi o Zero Hora, de Porto Alegre. O impresso gaúcho afirma exatamente que Temer e Cia. ganham tempo para, com a ajuda de Renan, levar adiante as votações que lhes interessam: a reforma trabalhista e a reforma previdenciária, além das tropelias relativas à educação. 

A angulação voltada para os aspectos éticos e jurídicos do ato de Toffoli não foram alvo de manchete. Até porque, tecnicamente, nenhum jornal divulgou o acontecimento como tal, ou seja: título em letras grandes, ocupando a página de ponta a ponta, acima de todas as demais matérias.
E assim caminha a brasilidade. Em meio a tormentas, acontecimentos turvos, teatro de tramas terríveis. Somos macunaímicos e assim vamos vivendo. 

Ave, César, os que vão morrer de saúdam – e eles estão nas filas e nas dores de um futuro que começa com esses vinte anos travosos, ora em fase de implantação.
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ZOORÓSCOPO  
Formiga - Nascido para o trabalho o formiguiano terá sempre uma condição de vida estável, muito embora dificilmente venha a enriquecer. São valorosos, confiáveis, mas não devem procurar contrair núpcias com quem é de Pavão. Podem acabar no maior buraco. Pavão é vaidoso e gastador. E o formiguiano, falido.

Não fica um, meu irmão

Até em fila tem ladrão;
ladrão de lugar

Irmãos Metralha, personagens de Walt Disney
Somos um povo lamentável. É verdade; é triste, mas é verdade. Somos uma sociedade onde um certo caldo de cultura apregoa como válido e aceitável - mais que isso, necessário e urgente -, levar vantagem, explorar, tirar partido e proveito de qualquer situação: vale até mesmo tomar lugar em fila. Além de, claro, ocupar vaga de idoso e deficiente físico em estacionamento. 

Levar papel off set para casa? Coisa mais normal. Afinal, repartição pública é para isso mesmo: serve para funcionário espertalhão não precisar ter  despesa quando for imprimir os trabalhos escolares do filhinho no computador. 
E o filhinho, por sua vez, copiou e colou todo o texto a ser impresso, não é mesmo? Supercomum, normalíssimo.

O incrível é a falta de respeito, a assunção pública do papel de safado, como pude bem perceber. Veja só: certo dia enquanto aguardava atendimento médico em consulta de rotina levantei-me e fui até o televisor da sala de espera. O aparelho estava com o volume muito alto. 

Levantei-me da cadeira e fui abaixar o som da TV. Para guardar meu lugar, deixei, sobre a cadeira onde estivera sentado, um envelope contendo resultados de exames que tinha levado para apresentar ao médico. Demorei uns dois minutos e, ao voltar, os papéis haviam desaparecido. Estranhei, parei um instante e os descobri ao lado de uma mulher: a matreira havia, na maior cara de pau, se apoderado dos envelopes, jogando-os em seguida sobre outra cadeira a fim de dar o lugar a um sujeito, que era seu pai ou algo que o valha. 

Como sei há muito tempo que com gente safada é preciso ser enérgico, não esperei duas vezes: peguei os papéis e, ante a surpresa do elemento que se preparava para sentar retomei o meu lugar. Sentei-me junto à tipa, que ficou de cabeça baixa. 

Pouco depois chegou um colega jornalista que começou a conversar comigo. O assunto foi corrupção: aproveitei para manifestar o quando são lamentáveis as pessoas que se aproveitam do momento para tirar vantagem e que roubam até lugar. 

Falei alto o suficiente para que a mulher ouvisse. Ela nada disse, manteve a cabeça baixa e encerrou-se aí o incidente.

Mas ficou-me aquele sentimento de indignação ante a indignidade. E veio-me à cabeça um questionamento que sempre me acode quando vejo pessoas safadas, tão safadas que se sujam por muito pouco. Penso assim: se roubam até lugar em fila imagine o que não fazem por dinheiro...

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Zooróscopo 


http://sonhoesignificado.blogspot.com.br/2013/11/sonhar-com-bicho-preguica-significado.html
Preguiça - Preguiciano amigo, logo de início um conselho: não tenha, nem mesmo em pensamento, relacionamento com os que estão sob Esquilo. Se eles são a velocidade em pessoa, você dá a impressão de que vive no mundo da lua, ou melhor: no seu próprio e paralelo mundo. Os preguicianos são calmos, atenciosos, vivem na maciota. São ideais para ocupar cargos de aspone onde se são muito bem. Contam piadas que é uma beleza.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O delicado gesto que o Instagram censurou

João Kehl e Rafael Jacinto


A mulher seminua e sem pecado

O Facebook, que controla o Instagram, apagou foto postada pela Folha naquela rede social. Motivo: a foto mostrava a atriz Maria Alice Vergueiro, de 82 anos, exibindo os seios nus. 

A postagem remetia a entrevista concedida por Alice à revista Serafina, mantida pela Folha e encartada ao jornal. Ou seja: o jornal divulgou no Instagram a capa da revista e o Instagram censurou, pois isso contraria suas normas morais.

Mas, observe bem: o que há de erótico, sensual ou obsceno na foto acima?
Qualquer pessoa de bom senso, mesmo que não seja conhecedora dos intricados caminhos da semiótica entenderá que ali não se encontra a mulher enquanto a visão arquetípica da fêmea, a mulher enquanto objeto do desejo masculino. 

O que temos ali é um ser humano de 82 anos expondo a condição de pessoa em vias de chegar ao seu momento-morte. Somente isso. Os seios não são belos; são muito mais apêndices corporais, estiramento da pele, exibição de corpo antigo, no qual a vida se resseca. 

Há na foto uma espécie de trágica grandeza: uma mulher em perplexidade diante do seu corpo que sem dúvida um dia já foi belo. Ela toca os seios como quem mima as flores que eles já foram um dia.

Aquilo não é uma foto, unicamente uma foto: o que temos na verdade é a exposição de uma atitude de foro íntimo: alguém que decidiu apresentar seu corpo; uma pessoa que se mostra e nos mostra a nós mesmos como seres falíveis e a caminho inexorável das nossas falências: física, intelectual, emocional, existencial. 

O que temos ali é uma atitude de coragem, um momento delicado. Não merecia ser censurado. 
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ZOORóSCOPO   

Preá - Os assim regidos são bem parecidos com os de Esquilo, só que com uma diferença fundamental: enquanto o esquiliano gosta de se expor, o preariano vive entocado, prefere não se apresentar. É signo comum a usurários, agiotas e outros quejandos. Ficam na maior moita, só esperando a desgraça dos outros. Depois, especialmente os de Pavão, grandes gastadores, caem em suas garras e dificilmente se safam.