O empresário que quer vender lágrimas
Várias vezes já fui procurado por pessoas que me pediam opinião a respeito de projetos pessoais. Coisas tipo projeto de vida, sabe? Sempre questionei o motivo da minha escolha e todos me diziam: você é jornalista. Continuei sem entender, mas...
Pois bem: há muitos anos um cidadão que se considerava poeta procurou-me na redação onde eu trabalhava para que estimasse seu talento para ser publicitário, uma vez que, como dizia, era um sensível vate; assim, completava, teria meio caminho andado para ser uma brilhante mente criativo-publicitária.
"Você sabe, né? Sou poeta. Poeta, né? Então..."
Claro que, diante de tal argumento, não tive dúvidas em dizer que ele deveria assumir seu lado publicista e arcar com a responsabilidade de tentar vender bens, serviços e ideias. Pois bem: de outra feita, um rapaz apareceu e indagou-me o seguinte: ele poderia ser um grande escritor? Perguntei por que a dúvida. Respondeu-me que pensara em escrever um livro contando o sofrimento de uma jovem que queria ser freira mas o pai, ateu, não deixava.
Ergui-me da cadeira e aplaudi de pé, dizendo que ali estava uma grande ideia para um livro estrondoso. Ele saiu e até hoje não consegui encontrar seu livro, embora sinceramente o tenha procurado em muitas livrarias. Hoje, afinal, fui procurado por um outro amigo, com pedido assemelhado aos dois exemplos: só que agora a coisa ficou mais séria: um cidadão veio à minha casa e disse-me que, diante do quadro instalado no Brasil, especialmente em Natal, quadro digno de lágrimas, resolveu botar uma fábrica exatamente disso: uma fábrica de lágrimas. Lágrimas vendidas em casa, lágrimas entregues em casa. Igualzinho a água mineral. Alegou que chegamos a situação insustentável. Concordei. A tendência é piorar.
Não tenho dúvidas. Já está piorando. Admito. Vai ficar pior. Não questiono.
Mas então, perguntei: o que tem a haver essa fábrica? Como poderá ter sucesso? Explicou: as pessoas já choraram tanto nesse Brasil de meu Deus, tanto na Natal de Nossa Senhora, que já não têm mais lágrimas. Como assim, não têm mais lágrimas? E ele insistiu: não têm mais lágrimas por causa disso mesmo que já falei: excesso de uso das lágrimas, extinção dos mananciais lacrimais.
Resolvi fazer um teste: li notícia policial num jornal. A morte de um cidadão pobre por notório desordeiro. Fomos à casa, em arrabalde sofrido e lamentável, e aí constatei: as pessoas lamentavam, estavam em estado de pranto, olhos vermelhos mas não choravam. As pessoas haviam esgotado seu estoque de lágrimas.