sábado, 1 de março de 2014

O carnaval e o quadril da mulher. Ave!





Esquentai vossos pandeiros
Emanoel Barreto

Chegou a festa; a cuíca zurra sua sua cantiga bárbara, lúbrica, luxuriosa - e geme; o cavaco solta acordes finíssimos agudos como ponta de florete; surdos marcam, profundos, o ritmo que alucina; tamborins são sopranos em ária sensual; caixas atiram-se para a frente cantando a liturgia do prazer. Mulatas flertam com o desejo agarrado às suas ancas. É o Brasil em festa. É o carnaval como fascinante sagração do desvario. E os pandeiros entoam seu ritmo feiticeiro.

Chegou a festa. Somos a civilização de Baco, somos o povo feliz. Feliz por quatro dias, feliz pela ilusão criada de sermos felizes por exatamente quatro dias.

Samba, suor e cerveja são nossos deuses lascivos. Com eles iremos até o fim. Até que o último arquejo licencioso se cale, até que a última gota esgote o jato libertino vamos ser felizes, vamos ser felizes por quatro dias.

Viva o Brasil. Viva essa alegria louca que confunde mas aplaca; que excita mas acalma, palpitando no coração por mais loucura. Viva o Brasil. Viva o carnaval. Viva a mulata que esconde nos quadris a imoderação e todas as suas delícias.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Pirâmides: depois da Arena das Dunas você precisa disso



Precisamos de uma pirâmide. Queremos um faraó!

Creio que, depois da construção da Arena das Dunas em Natal, deveríamos desde já começar a construção de pirâmides. Tratam-se, Arena e pirâmides, de obras de grande valia. Se não fosse assim nossos políticos jamais teriam aplaudido a construção da Arena. Nossos representantes são sérios e cônscios de seus deveres; tanto que alevantaram o monstruoso estádio. Em consequência disso, e por raciocínio de implicação, serão todos a favor de que tenhamos a nossa pirâmide. 
 


E, claro, no âmbito de tal processo de engenharia de monumentos venhamos a escolher um faraó. Um faraó para o Rio Grande do Norte! Afinal, logo depois da Copa, haverá eleições e nada melhor que tal tempo para tomarmos tal e épica decisão. Detalhe: como a arena é das dunas e dunas me lembram desertos, sou levado a supor que, a exemplo do Egito, somos e temos um grande deserto de homens e de valores. Assim, que venha logo o nosso faraó. 


A propósito, devo esclarecer: tenho acompanhado pouco as démarches em torno de quem será candidato a governador por tal ou qual grupo político de ocasião. Pelo fato simples de que não há qualquer novidade em termos de nomes ou propostas. Mas sugiro que os candidatos sejam convencidos pelo seus seguidores a quem deixem de lado essa conversa de governador e passem logo a lutar para que o eleito seja um faraó. 


E com ele sejam escolhidos os sacerdotes e os escribas e que nosso povo aprenda a escrever em hieróglifos. Quem não quiser aprender tal forma de comunicação deve ser banido para sempre, ora!


Destarte, eleito o faraó, que comece logo a construção de nossa primeira pirâmide. Já pensou? A primeira pirâmide do Brasil? Um feito! Não podemos perder tal oportunidade, como não desperdiçamos a chance de erguer a Arena.

E mais: como faraós são vitalícios e como pirâmides são na verdade tumbas, que todo o povo seja obrigado a trabalhar em sua construção. E que todos os trabalhadores, democraticamente, sejam enterrados na pirâmide, ao lado do seu faraó, quando chegar a sua hora de partir para o encontro de Osíris e Isis. 


Neste instante quero lembrar: morrer é um direito que assiste a todo trabalhador; a lei assegura tal privilégio: falecer é direito garantido em cláusula pétrea na Constituição. Você, trabalhador, não abra mão do direito de morrer. E, acima de tudo, morrer e ser enterrado na pirâmide – se é que você teve seriedade e espírito público suficientemente elevados para sujeitar-se a tal empreitada. 


Espero que o leitor tenha compreendido minha proposta, que é moldada e talhada em altíssimos intentos e benéficas intenções: vamos todos lutar para que tenhamos um faraó e que, acima de tudo, alcancemos o direito de trabalhar, morrer e sermos enterrados na primeira pirâmide do Brasil. 


Somos um povo de mortos e tudo o que foi dito é ao mesmo tempo direito e dever, decadência e glória. E se ninguém quiser lutar pela pirâmide e pelo faraó, pelo trabalho e pela morte refulgente, tenho outra saída: sigamos todos ao Haiti e, como mortos, sejamos transformados em zumbis. Sendo zumbis, todos teremos emprego garantido em filmes classe B produzidos em Hollywood. Assim sendo, das pirâmides ao Haiti estará garantido o pleno emprego. Daí à felicidade geral será um passo. 


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Uma imagem de rara força




Uma foto feita de silêncio

Magnífica a foto de Brassaï, nascido Gyula Halász, na Transilvânia, Romênia. Só para lembrar ali também nasceu Vlad Tepes que muitos conhecem pelo seu apelido mais famoso: Drácula. Mas, vamos ao que interessa: a foto é de 1933 e mostra as escadarias de Montmartre, Paris. 


Poderosa, a imagem nos leva a um instante que vagueia entre o mistério e seus desafios, o langoroso destino da vida. É uma foto cheia de silêncio, solidão e uma intensa sensação de que, em meio à bruma, algo nos observa. Mesmo que esse algo seja ninguém.