sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Meu Destino

Caros Amigos,
Deixo vocês hoje com "Meu Destino", poema de Cora Coralina.

Nas palmas de tuas mãos

leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes – íamos sozinhos
por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A democracia e a CPMF

Caros Amigos,
Com a derrota do Governo, que viu rejeitada a aprovação da vigência da CPMF até 2011, o Senado deu uma demonstração de que, quando as forças da democracia agem livremente, prevalece o interesse social. Não que o Senado seja uma Casa de homens e mulheres essencialmente bons - a história tem comprovado o contrário - mas, de alguma maneira, anunciou-se como uma instituição que pode acertar.

Quando do transcurso da votação, percebeu-se claramente o processo democrático em andamento. As argumentações e contra-argumentações, as atitudes do Governo, cujos representantes parlamentares tentavam cooptar votos em favor da CPMF, até chegar-se ao ponto de o presidente Lula enviar uma carta-compromisso, garantindo que cem por cento dos recursos seriam aplicados em saúde, destinação inicial da CPMF.

Agora, virão os debates a respeito da reforma tributária. O País segue em frente. E, ao final das contas, todos verão que, mesmo sem a CPMF, haverá dinheiro para manter-se em funcionamento a máquina do Estado.
Emanoel Barreto

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Um mistério e muito sofrimento

Caros Amigos,
As coisas de jornal estão informando que a cidade portuguesa de Praia da Luz está em campanha para esquecer a tragédia da menina inflesa Madeleine McCann, desaparecida de um hotel de lá, desde o dia 3 de maio. Velas e fotos da criança de quatro anos estão sendo retiradas de vitrines e outros locais de acesso ao público, com o objetivo de que o balneário não venha a perder turistas.

O caso todo é bem estranho: os pais chegaram a ser suspeitos da morte da menina, enquanto se procurava a pessoa ou pessoas que possivelmente a seqüestraram. Até agora, nada há de conclusivo. Por isso mesmo, os moradores da cidade começam a se preocupar unicamente com suas vidas e, claro, com seus ganhos com o turismo.

Esse fato nos remete à questão do heroísmo ou do martírio através da mídia. Enquanto havia a suspeita, indício forte de que uma criança inocente havia sido seqüestrada, ou seja, do ponto de vista de mídia surgia a figura do mártir, todos os votos de solidariedade se voltaram para a figurinha adorável de Madeleine, cuja foto pontilhou todos os jornais europeus.

Agora, desfeita a imagem, pela suspeita de que os pais a tivesse por algum motivo matado a criança, a aura de martírio esfumaçou-se, mesmo admitindo-se que ela, de alguma forma, viveu momentos de muita dor, seja quando foi morta, seja quando foi levada e supostamente também assassinada.

Mesmo com motivos para querer saber do seu desaparecimento, os moradores preferem se voltar para a vidinha de sua cidade. A polícia de Portugal não teve competência para desvendar o caso, e agora um mistério e muito sofrimento começam a ser esquecidos entre as brumas de um crime, para afinal se perder na noite das lembranças tristes.
Emanoel Barreto

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A voz sinistra do Mão Branca

Caros Amigos,
Minha Filha lembrou-me aqui meus tempos de repórter policial. E pediu uma história. Lembrei-me do seguinte: Natal, nos anos 80, Natal foi varrida por uma onda de violência que tinha começado no Rio, onde alguém, que se identificava como Mão Branca, estava matando bandidos, todo santo dia. Aqui, foi imitado.
Aqui, alguém que também se identificava como Mão Branca, começou uma ação de extermínio. Um matador, ou matadores ferozes, nunca se soube exatamente quem, atacava bandidos e deixav junto aos corpos mensagens anunciando que outros teriam o mesmo destino. E assinava: Mão Branca.
O matador chegou mesmo a enviar aos jornais uma lista com nomes. Num desenho grosseiro, um punho masculino segurava uma balança onde, em cada prato, estavam os nomes. Polvorosa no mundo do crime. Reduziu-se em muito o número de assaltos. Não havia dia em que, pela manhã, os repórteres não encontrassem, em terrenos baldios, corpos de criminosos assassinados.
Então, numa manhã de sábado, eu estava na redação da Tribuna do Norte, quando um dos telefones tocou. Atendi. Do outro lado, uma voz metálica, forte, sinistra e tensa, anunciou: "Aqui é Mão Branca. Com quem falo?" Cobri o fone com a mão para ele não ouvir e gritei: 'Pessoal, cala a boca todo mundo, que eu estou com Mão Branca no telefone!'" A redação parou. Um largo silêncio aguardava o desfecho do telefonema.
Voltei a falar com aquela misteriosa voz e respondi: "Fala com Barreto." Ele retrucou: "Pois bem, Barreto, vá até as proximidades da Alpargatas, que você vai encontrar mais um." Quando tentei continuar a conversa, o sinistro personagem calou. Mas, antes disse: "Procure, Barreto, que você encontra." Ouvi um clique e a ligação estava terminada.
Não pensei um minuto : chamei Ivanízio Ramos, um fotógrafo pé-quente, meu velho amigo, e saímos voando da redação em direção a um dos carros da reportagem. A direção estava entregue à perícia de Leonardo, chefe do setor de transportes. Leonardo era atirado, corajoso e manejava com firmeza o volante. Acho que aquele Fusca nunca correu tanto, quando naquele dia.
Leonardo saiu costurando o trânsito. Se dava, ele cortava o sinal; se não, encontrava um jeito de ganhar a dianteira, logo que o sinal abria. E o carro zunia, numa carreira louca e decidida. Comigo mesmo, eu pensava: "Só espero que a gente não acabe morrendo, com essa história de Mão Branca." E o carro continuava, como se tivesse vida e estivesse maluco.
Afinal, chegamos à área onde estaria o corpo. Começamos a andar por locais ermos, estradinhas de barro. Silêncio grande. Somente o vento fazia barulho, agitando as folhas do matagal. O carro, agora, bem devagar. Quando descíamos para procurar o corpo, por precaução o motor ficava ligado e as portas abertas... Cuidado nunca era demais.
Caminhamos pelo meio do mato e nada. Vamos em frente. Nada, outra vez. Retomamos a procura. Depois de mais de meia hora de busca, vimos uma pequena aglomeração. Ao lado das pessoas, alguma coisa parecida com uma cova rasa. Pronto: era ali. Ivanízio preparou a máquina. Chegamos. Descemos do carro e fomos até lá.
Os tipos começaram a cavar. Usavam pedaços da pau, cacos de telha, tudo o que estivesse à mão. Cavaram, cavaram e nada. Afinal, descobrimos: a cova fora um logro. O telefonema uma astuciosa armadilha para chamar a atenção do jornal. Mão Branca não havia matado ninguém. Mas, aposto, o sujeito que fez a ligação devia estar por lá.
Moral da história: repórter tem de estar preparado para tudo. Até mesmo para não encontrar a notícia. Mas, dias depois desse ocorrido, o pesadelo estourava nas manchetes: Mão Branca tinha voltado a matar.
Emanoel Barreto