sábado, 10 de fevereiro de 2024

 Bolsonaro e a viagem de urubu

Por Emanoel Barreto

A sequência de atos e desatinos de Bolsonaro ao longo do seu período presidencial, e tudo o que experienciou e perpetrou em sua fase pós-derrota, especialmente as tramas e a tentativa de golpe, ocorreram em tempo histórico brevíssimo. Não deve ser pequeno o espanto de seus fãs, que, num inesperado instante, viram seu mito ser  despejado da presidência para a condição de pessoa em vias de prisão.

Ele queria ser inspetor de quarteirão do país e virou um tipo suspeito, a polícia tem o seu prontuário.

Despreparado, inculto, insolente, Bolsonaro mobilizou a seu favor e em torno de si o que havia de pior na política brasileira, bem como atraiu as mais atrasadas formas de manifestação ideológica, incluindo-se aí religiosos ultraconservadores. Não esqueceu o poderio das Forças Armadas, convicto de que ainda estávamos nos idos de 1964, e cooptou chefes militares predispostos a insanidades golpistas.

Envolto em seus próprios sonhos, devaneios caóticos e escuras intenções de poder, agiu como o personagem chapliniano no filme O ditador, na performance do globo terrestre. O demencial personagem deleitava-se, brincando com um volumoso globo de plástico, objeto do seu fetiche de mandão. O tiranete deliciava-se em inebriante alucinação fazendo o balão flutuar, girar, subir e descer ao seu toque: afinal, estava ali o seu mundo, havia ali uma coisa sua, preciosa e passiva.

A cena tem a duração de dois minutos e doze segundos, até que o globo estoura. O lamentável potentado percebe então, chocado, que seu balão nada mais era que uma bola de encher, não a Terra, o planeta, o mundo que queria dominar. Ele havia criado e cultuado uma ilusão, dando-lhe forma e consistência numa esfera frágil, que logo se desfez: pá!

Bolsonaro também viveu seus dois minutos e doze segundos de devaneio como presidente, mito, chefe, ídolo, líder, grande condutor, maioral, comandante, guia, mestre e prócer. A lista de atributos seria enorme para expressar a monumental figura de homem da pátria que pretendia encarnar e ser.

Deus, pátria e família formavam o tripé de sua aventura, que afinal deu no que deu. E hoje todo o seu público, seus fãs, então desvairados e agora perplexos, lastimam o desastre do seu ditador de cinema mudo e devem estar dizendo: “Ohhhhhhhhhhhhhh!”

E se lamentam ao  descobrir que a realidade não é uma projeção daquilo que se deseja, mas um complexo de fatos desafiantes. A realidade não é um devaneio, a realidade pode ser um tombo.

Os acontecimentos em torno de Bolsonaro precipitam-se, seu passaporte já foi recolhido e as autoridades dão prosseguimento aos atos jurídicos que certamente vão resultar em sua prisão.

Olhando-se tudo o que produziu e a forma troncha como agiu enquanto ator social, pode-se muito bem fazer uma comparação. Pode-se imaginar alguém que acredita cegamente numa afirmativa que parece ser verdadeira, quando em verdade trata-se de um equívoco.

Suponha que alguém vai fazer uma longa viagem e para tanto precisa embarcar num avião. Ao comentar com um amigo a respeito de sua partida o sujeito lhe diz: “Não viaje de avião: viaje de urubu, pois nunca de ouviu dizer: ‘Um urubu caiu matando todos os seus ocupantes.’”

Bolsonaro acreditou nessa conversa e embarcou num urubu. Deu no que deu. Tenho dito.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

 Mulher morta, nua e lavada de sangue: 75 golpes de faca

 Por Emanoel Barreto

 Foi assim: Diário de Natal, coisa de uma e meia da tarde. Ano, 1975. Não lembro o mês. Toca o telefone. Sozinho na redação atendi. Entra em cena a voz de Domício Ramalho, veterano repórter de polícia então cobrindo crimes na esfera do judiciário. Ele disse: “Barreto, corra lá nas Rocas que mataram um. Não sei como foi, somente me informaram que mataram um lá nas Rocas, Canto do Mangue. Vá lá e apure.”

“Tá ok, vou lá” –  respondi.

 Ora, Domício era escolado, sabia muito. Na editoria de polícia ele formava dupla imbatível com Pepe dos Santos, o maioral de todos nós, cheio de fontes e informações. Eu era um foca que sequer estudava jornalismo; fazia o curso de direito. Reunindo todas as forças da minha grandiosa inexperiência chamei um motorista, entrei na Kombi da redação e desci a ladeira; a Kombi só faltava voar. Como fotógrafo tinha comigo Iremar Araújo, o Bárbaro. Tinha pouco mais de metro e meio de altura mas era o cão em matéria de polícia. Costumava dizer, filosofal:

"O cara pra andar comigo tem que ter razão e preconceito. E amarrar as pontas da camisa, que é pra não voar."

 Expliquei rapidamente o que acontecia, Bárbaro acenou tranquilamente que sim com a cabeça; afinal, tinha razão e preconceito. Fomos. Chegando ao Canto do Mangue a Kombi parou. Saltamos e surgiu aí o primeiro desafio do foca: o local do crime estava isolado com cordas. Estava assim de soldados da PM, que não deixavam ninguém passar. Mas, para mim, era passar ou perder a matéria. Matéria exclusiva. Então, compreendi: era fazer ou fazer. 

 Saí da Kombi quase correndo, levantei a corda, passei por baixo dela e, erguendo a mão esquerda, como se ali estivesse mostrando uma carteira de identificação jornalística, gritei: “Diário de Natal!”

 Deu certo: minha invisível carteirada e o então poderoso nome do jornal fizeram um guarda ceder espaço àquele projeto de repórter. Outro soldado fez um gesto de assentimento e eu ingressei no território do crime. Bárbaro estava parado, tinha sido retido pelos policiais. Em meio àquela minha surpreendente performance frente aos  policiais, berrei: “Entra, Bárbaro! Passa! Diz que é do Diário!” 

 O pingo de gente tomou coragem, enfiou-se por baixo da corda e logo estava a meu lado. Metemos o pé e chegamos ao local do crime. Vi ali a mais terrível cena da minha vida: técnicos do Itep pegavam um corpo de mulher nua e jogavam-no num caixão feito de lata. Seguravam pelos pés e pelas mãos, balançavam para um lado e para o outro para dar impulso, até atirá-lo no sinistro ataúde.

 A mulher, de um moreno escuro, cabelos muito negros, exibia sua horrenda nudez e o corpo gotejava sangue. Nada menos que 75 facadas a haviam abatido, segundo apurei. Eu via aquilo e fazia anotações rápidas, o olhar atento esquadrinhando a desgraça. Bárbaro feito um louco fotografando tudo. 

 Entramos no local onde havia acontecido o crime. Na verdade era um estabelecimento comercial, creio que de venda de pescado, algo assim. Alguém disse: “Veja como ficou o banheiro” – e imediatamente fomos para lá.

 Quando entramos tudo parecia cenário de filme de terror: o chão ensopado de sangue, as paredes azulejadas literalmente pintadas de vermelho. Marcas de mãos impressas nas paredes, numa cena de extrema brutalidade, davam indício de como aquela agressão fora perpetrada. 

 A tragédia tinha começado assim: a mulher era amante da um bandido conhecido como Mansinho, que cumpria pena na hoje extinta Colônia Penal João Chaves, o Caldeirão do Diabo. Mansinho tivera permissão para visitá-la e tinha vindo a Natal escoltado por um soldado, apenas um soldado. Agora, veja só a trama, digna de Nelson Rodrigues: o soldado era também amante da amante de Mansinho. Sentiu o peso, não? O esquisito é o fato de que o presidiário havia sido liberado para fazer uma visita íntima, quando o usual seria que a mulher fosse até o presídio. Mas no Brasil as coisas são como são. E lá se foi Mansinho, visitar sua adorável femme.

 Manhoso que só, ele fazia de conta que nao sabia do romance entre ela e o soldado, mas, intimamente, tinha tudo premeditado. E como vingança é prato que se come frio esperou que o militar estivesse de serviço e pediu licença para visitar a mulher, certo de que o rival seria seu, digamos, vigilante: pelo que tinha em mente despejaria sobre a mulher o peso do seu ódio no momento apropriado sem que o outro nada pudesse fazer. O plano do assassinato estava pronto, inscrito ponto a ponto em sua mente raivosa e ciumenta.

 Vaja como tudo aconteceu: chegando às Rocas o soldado o deixou entrar na peixaria e ser recebido pela mulher. O local do crime tinha uma daquelas portas corrediças, típicas de estabelecimentos comerciais. Mansinho entrou, puxou para baixo a porta, fechou-a e trancou-se por dentro. Ele e ela foram ao banheiro, despiram-se e ali deu-se o ato libidinoso. Em seguida discussão e luta. Faca é coisa que não falta numa peixaria. Mansinho começou a brutalidade golpe após golpe. Ferimentos profundos, talhos por todo o corpo. 

 A mulher gritava, louca e nua, e ele trabalhava firme, cevando nela o ódio amealhado e borbulhante. Daí as marcas de mãos nas paredes do banheiro, o chão empapado em sangue. Ela tentava fugir em desespero inútil. Do lado de fora o policial nada podia fazer: batia na porta, chutava, tentava inutilmente levantar o aço da porta que protegia e amparava o crime. A mulher lutou o que pôde, até que a vida lhe fugiu. O corpo tombou pesado. 

 A fera das Rocas, satisfeita, pegou uma escada de pedreiro que inexplicavelmente estava por lá, subiu, saltou o muro dos fundos do estabelecimento e escapou. Os vizinhos ouviram o tumulto e chamaram a polícia. Os soldados vieram, arrombaram a porta e encontraram a desgraça feita.

Como notícia ruim anda ligeiro Domício soube, me acionou e aí começou tudo o que você acabou de ler. De lá para cá já se foram 49 anos. Passaram-se como quem passa um minuto olhando o mundo de esguelha.

 Enfim, era isso: o Diário de Natal hoje é saudade, não lembro o nome da mulher e nunca mais ouvi falar de Mansinho.  

 

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

 A maldição de Brinquedo do Cão

Por Emanoel Barreto

Edmilson Lucas da Silva era o nome de um bandido mais conhecido como Brinquedo do Cão. Tornou-se famoso em Natal nos anos 1970 quando praticava assaltos, fugia e depois mandava os amigos comprar os jornais para que ele lesse as manchetes que relatavam suas proezas. 

Como sei disso? Ele mesmo me contou, disse isso numa das entrevistas que mantivemos e riu, riu muito, lembrando o que considerava, no início, muito mais uma molecagem que um crime. 

Anos depois li que Brinquedo fora morto na Paraíba, com um tiro de espingarda no rosto. Aparentemente acerto de contas com traficantes.

Ainda nos anos 1970 lembro que certa vez ele foi capturado e levado ao quartel da Polícia Militar.

Os jornalistas foram chamados e pouco depois lá estava eu, frente a frente com aquele jovem que um padre havia apelidado de Brinquedo do Cão, tantas haviam sido as traquinagens que ele fizera nas imediações da igreja onde o sacerdote oficiava suas missas. Como não aguentava mais aquela presença incontrolável, o padre, numa expressão de raiva, gritou: "Esse menino é um brinquedo do cão!" Pronto, nascia ali um bandido, com apelido que virou marca nas manchetes e no submnundo do crime.

Ao chegar para a entrevista vi um rapaz baixote, expansivo, que falava com clareza e tranquilidade, ao contrário de muitos bandidos; nas delegacias encontramos muitas vezes sujeitos monossilábicos ou que falam tão depressa que mal dá para o repórter fazer as anotações.

Tipo: “Como é seu nome?”

E cara responde: “ZéFrancisdaSilv!”

“Foi preso por quê?”

Na lata, ele diz: “Fiumrôb.” Isso quer dizer fiz um roubo. E por aí vai.

Então, na entrevista com Brinquedo, ele me contou de suas desavenças com inimigos na Colônia Penal João Chaves, disse que tinha “preparado um ferro”, uma espécie de lâmina ou ferro pontiagudo para se defender, mas garantiu que não queria "matar ninguém". Era somente aquilo: se defender. Fiz aquela entrevista e mais umas outras e nunca mais o vi.

Conheci muitos bandidos ao longo da minha carreira, Brinquedo do Cão foi apenas mais um. Há algo de trágico no homem criminoso, no ser humano que por qualquer motivo se devota à transgressão. Qualquer repórter que convive com essas pessoas, entra em presídios, vai a delegacias e percorre ambientes barra-pesada sente isso.

Há algo de triste e deplorável na condição humana, na queda, na imersão, no afundamento, no baque. Quando um repórter sai de uma penitenciária, após uma entrevista ou terminada a cobertura de um motim, leva na alma um pouco do perverso, do malévolo, do ódio e da dor que ali habita. Aquilo gruda em você. É ruim. Muito ruim.

E depois de sair da frente do crime e voltar para casa o repórter, muitas vezes, quando a noite é mais escura, chora.  Não um choro literal. Mas a sensação terrível de perguntar-se e não ter resposta: por quê? Que humanidade somos? Um choro seco, sem lágrimas, mas cheio de um soluçar que lhe pergunta insistentemente: por quê?

 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

 O menino que queria ser um “grande criminoso e ficar muito famoso”

Por Emanoel Barreto

Ingressei no jornalismo em 1974. Tinha 23 anos. Editoria de polícia do Diário de Natal. Para integrar a equipe de repórteres passei por uma longa entrevista com o diretor do jornal, o poderoso Luiz Maria Alves, que, além de um enorme repertório de perguntas sobre história e atualidades, ainda me fez datilografar com grande rapidez trecho do livro “Os mortos são estrangeiros”, do escritor, poeta, cronista pintor, desenhista e magnífico boêmio Newton Navarro.

Satisfeito com meu desempenho ele determinou que fosse eu contratado, isso sem levar em conta que não era estudante de jornalismo e jamais tivera qualquer contato com a profissão. Outro dia darei detalhes a respeito de como foi essa entrevista com Seu Alves também, o Coroa, como era conhecido na redação.

Fiquei como redator para aprender a dominar os rudimentos da técnica narrativa, mas muitas vezes ia à rua, às delegacias, aos becos e vielas para conhecer os ambientes criminais e fazer entrevistas. Numa dessas digamos, visitas, depois de entrevistar alguns presos –  maus elementos, como se dizia –, vi que em meio aos tais maus elementos estava um menino. Um garoto que havia praticado pequeno furto numa casa próxima à delegacia, fora imediatamente capturado e agora estava ali, aguardando a viatura que o levaria à Delegacia de Menores.  

Como era um menor não o entrevistei, apesar de haver questionado o delegado sobre estar um menino em meio a bandidos e desordeiros. O policial me contou o que você acabou  de ler, eu disse “ok” e segui em direção ao carro do jornal. Nisso, a viatura  estava chegando para levar o pequeno prisioneiro. Eu já estava quase indo embora quando ele gritou: “Ei! Você é da reportagem?” Respondi que sim e ele disse que queria “fazer uma reclamação.”

Fui até a sua cela sem entender qual seria a tal reclamação e ele, dedo em riste, disse: “Você é um jornalista muito ruim.” Eu quis saber a razão a da minha falha e ele explicou: “Sou um tremendo bandido. Tirei uma chinfra, tô preso, mereço ser entrevistado.”

Começava aí um dos diálogos mais surrealistas da minha vida: um menino com cerca de 13 anos, com sua jovem vida pautada por valores degradantes oriundos da miséria, da desagregação familiar, brotado da sua infame condição de vida exigindo o direito de ser tratado como um bandido. Ou seja, queria ser apresentado como periculoso e temível. Que prerrogativa...

Sintetizando: expliquei que não poderia entrevistá-lo. Ele era um menor e o certo seria estar em casa ou na escola. Respondeu que se estivesse em casa o pai “tava bebo”, a mãe encolhida no chão depois de uma surra e os irmãos gritando no meio da lama onde estava atolado o barraco onde moravam.

Então, garantiu, o melhor era ele crescer logo, virar criminoso, matar gente, fazer assalto e baixar a ripa nos canas. Assegurou: “Aí, eu vou virar manchete de última página e botar pra reabrir em cima dos bestas!”

Registre-se: a tal última página era, no Diário de Natal, o espaço onde se publicavam as desgraças cotidianas, os crimes e desastres da vida, o descalabro dos homens – seus desatinos, fracassos e mortes.

Eu, abismado, percebi que, naquelas circunstâncias, pensando daquele jeito, aquela criança iria ser mesmo um grande criminoso. Virei-me para o delegado e perguntei: “Não dá para livrar a cara do menino? Ele deve ter só marcado alguma bobeira...”

A resposta foi “Não”.

“Por quê?”

O delegado me olhou e disse: “Roubou uma toalha...”

Balancei a cabeça, perplexo, e saí.

Quanto ao menino nunca soube se ele se tornou um grande criminoso. Creio que não teve tempo de crescer.

domingo, 24 de dezembro de 2023

 A importância social do ladrão

Por Emanoel Barreto

 

Amigo meu, historiador, conta-me que, certa vez, em protesto, os ladrões pararam de trabalhar: não mais se assaltava, sequer se arrombavam casas ou meras roupas em varais eram furtadas. É que os ladrões não estavam satisfeitos com o que roubavam. A reclamação, generalizada na categoria, devia-se ao fato de que uma espécie mais evoluída , os corruptos, ganhava muito mais que eles, que se arriscavam a ser presos e até a levar tiros no cumprimento de sua sagrada função social.

 

Detalhou o historiador: "Foi consultado um grande especialista em ladroneria, ou seja a ciência que estuda os ladrões. O grande cientista afirmou que, sim, os corruptos estavam em desenvolvimento. Eram uma anomalia sócio-genética da ladroagem comum, mas que estavam se afirmando como espécie e logo teriam, ou melhor, já tinham perfil definido, sendo impossível qualquer tentativa em contrário."

 

"A história anda para a frente, senhores. Lamento, mas os corruptos, de agora por diante, terão o comando de tudo", foram as palavras do cientista, segundo me disse o meu amigo.

 

Isso aconteceu, é claro, no Brasil. O que fazer? Os ladrões se reuniram em grande marcha e ocuparam toda a Esplanada dos Ministérios. Os corruptos reuniram-se no Congresso Nacional e declararam-se sitiados. Receberam grande apoio de deputados e senadores, até porque boa parte dos corruptos já era deputado ou senador.  "Estamos em casa", festejaram os corruptos, enquanto abriam champagne nos gabinetes e plenário. Veio a polícia prender os ladrões. Os ladrões disseram que seu movimento era pela cidadania e que todo cidadão tem o direito de escolher sua profissão. "É o sagrado direito de ir e vir. É preciso roubar para sobreviver dignamente. Precisamos socializar o roubo."

 

Como argumento final alegaram que, sem ladrões, a polícia deixaria de fazer sentido, o que deixaria livres para manifestações, por exemplo, os sem terra e todos os outros movimentos sociais. Assim, seria melhor garantir maior lucratividade aos ladrões comuns. 

O Congresso, então, tomou decisão histórica: disse que os ladrões poderiam reunir-se em sindicatos, conhecidos juridicamente como facções criminosas ou crime organizado, e assim poderiam ganhar tanto quanto os corruptos do Congresso.

 

As coisas foram resolvidas e surgiram o PCC, os Amigos dos Amigos e o Comando Vermelho. Viu como é bem simples a nossa história?

 

ZOORÓSCOPO

Traíra - Quem está sob a regência de traíra tem por vocação natural à traição e descaminho. Cuidado quem estiver mantendo romance com um trairiano ou trairiana. Especialmente se a tal pessoa for do signo de Minhoca. Minhoca é isca e sempre acaba devorada...

 

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

 Jornalista faz BO e vai processar

agressor que defendeu seu assassinato

Por Emanoel Barreto

 O jornalista Bruno Barreto registrou boletim de ocorrência em delegacia denunciando um homem identificado como Rodolfo Rummenigge, que em gravação de áudio diz, com voz notavelmente colérica, que o profissional deveria ser alvejado com tiros na testa e cabeça e ser estuprado por um jumento.

A agressão verbal deu-se pelo fato de que Barreto publicou comentário a respeito de ideias homofóbicas, enfatizando que tais induzem pessoas de orientação sexual não-binária a buscar a cura gay. Lembrou caso recente, quando a influenciadora social bolsonarista Karol Eller suicidou-se após tentar a cura gay.

A atitude destemperada de Rummenigge foi denunciada à polícia, devendo agora o jornalista mover processo contra o agressor, que o apontou também como defensor do Hamas, grupo terroristas islâmico atualmente em guerra com o estado de Israel. Bruno jamais redigiu uma linha a favor dos terroristas.

No áudio percebe-se um indivíduo totalmente descontrolado e grandemente raivoso. Pessoas como o agressor, que é bolsonarista, com visão de mundo centrada em padrões opinativos que se apoiam na violência em vez do debate de ideias, precisam ser denunciadas.

Tipos assim em nada contribuem ao processo democrático e somente trazem ao temário social um discurso de ódio, cujas ameaças se apoiam em compreensões que respaldam uma sociedade antidemocrática e silenciadora dos que buscam consolidar a democracia. Não se pode aceitar que o medo ocupe o lugar da racionalidade, nem que as sombras ocupem o lugar da luz.

domingo, 15 de outubro de 2023

 Jornalista vai divulgar áudio em

que é ameaçado de morte 

 

Por Emanoel Barreto

Após tomar conhecimento de áudio que registra uma voz masculina desejando sua morte à bala, o jornalista Bruno Barreto, meu sobrinho, vai reunir-se amanhã com seus advogados para estudar as providências a serem tomadas. Amanhã o áudio será tornado público.

Bruno, que atua em Mossoró, dirige o Blog do Barreto e participa do Foro de  Moscow, no You Tube, trabalha um jornalismo assertivo e decididamente a favor da democracia. Isso tem  incomodado setores da direita naquela cidade, que têm tido, digamos, reações ásperas.

Antes ele já tivera invadida sua conta no WhatsApp por hacker que buscava, ao reter o controle da conta, calar a sua voz. O jornalista reverteu o quadro e retomou a conta. Como se vê, ele tem motivos para acreditar que sua presença na cena jornalística local tem surtido efeito, uma vez que seu discurso pró-democracia mantém acuados tipos que atuam nas sombras.

O direito de informar, a liberdade de imprensa, dizem respeito ao direito da sociedade de ser bem-informada, tomar conhecimento das vozes que discordam de manifestações ideológicas reacionárias, maniqueístas e opressivas – que buscam um status quo voltado para o atraso e o silêncio sucumbente.

Da minha parte manifesto total apoio à sua luta e contribuirei de forma decidida a favor de que continue com sua presença atuante e firme. Se está incomodando é porque está desmascarando o atraso, o retrocesso. É preciso seguir em frente. E isso será feito.

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Israel e o massacre dos indefesos

Emanoel Barreto.

 

Com as bênçãos das maiores potências do planeta o Estado de Israel está perpetrando uma carnificina contra o povo palestino em represália a ataque dos terroristas do grupo Hamas. Confinadas em Gaza, na verdade um campo de concentração a céu aberto, mais de dois milhões de pessoas estão à mercê dos ataques dos israelenses.

Bombardeios diários estão pouco a pouco reduzindo a escombros a cidade de Gaza e vitimando a sua população. Ao que se percebe Israel vem cumprindo um atroz e implacável plano de matança: não importa a situação indefesa das vítimas: é preciso matá-las em quantidade. Não se deve levar em consideração seu sofrimento; atacando indiscriminadamente a força bruta busca dissuadir a ação dos terroristas como efeito colateral. Paremos por aqui ou essa comparação seria quilométrica.

Para completar, hoje à tarde (13/10) as vítimas receberam uma ordem: todas devem se dirigir para o sul da faixa de Gaza, pois neste sábado as tropas de infantaria e os carros de combate chegam para tomar tudo. O aviso tem o mesmo efeito de um “depois não diga que não avisei.” Certamente os soldados invasores esperam defrontar-se com os terroristas entrincheirados nos destroços da cidade. 

A retirada rumo ao sul busca evitar que a TV do mundo mostre a soldadesca eliminanto indiscriminadamente velho e jovens, mulheres e homens, crianças e e doentes. É mais um cuidado com o discurso das armas. É preciso exterminar, mas com a discrição possível frente à realidade instalada.

Gaza é um território cercado por uma muralha construída pelos  israelenses e mede 365 quilômetros quadrados. A área equivale a um quarto da cidade de São Paulo e abriga cerca de 2,3 milhões de pessoas.

O conflito entre israelenses e palestinos é antigo, surgiu a 14 de maio de 1948, quando foi criado o Estado de Israel, logo envolvido em lutas com os países árabes. A questão da disputa atual diz respeito aos confrontos israelo-palestinos, ambos reivindicando existência e posse territorial. 

A solução seria a convivência entre dois Estados independentes, em relação civilizada. Não se justifica o terrorismo, mas também não se pode aceitar o massacre de pessoas vulneráveis, em ações que já se transformaram em expressão de ódio, eminentemente busca de sangue.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


sábado, 8 de julho de 2023

 "Cidadões, vocês me ajudem..."

 Por Emanoel Barreto

O cego pegou de sua sanfona e começou um cantar tão triste. O rouco instrumento, tão velho e tão puído parecia sentir tanto o cantor e sua lástima que guinchava surrados sons como um alarma bruto e sofrido. A alma da sanfona, enferrujada em tantas latumias grunhia alto o que se passava no âmago de sua vida de instrumento humilde e troncho.

 O cego, óculos escuros, como convém a todo cego, parecia ver dentro de si a escuridão que os óculos lhe impingiam. Mas não já tinha ele a sua própria escuridão? Por que os óculos? Para escurecer dos outros que era cego? 

É que os cegos - por algum estranho motivo - procuram esconder com escuridão a escuridão em que tanto já vivem. São coisas, coisas humanas e bem nossas.

 Eu observava esse cego quase todos os dias, enquanto esperava o ônibus na rodoviária velha, na Ribeira, parte antiga de Natal. Muitas vezes fiz isso de propósito: deixava o carro em casa para estar em contato com as coisas do povo, os pequenos dramas do cotidiano, o espetáculo de que eu participava quando corria para a portinha apertada do coletivo, na tentativa de não perder a vez. Essas minúsculas tragédias sempre repicam em minhas lembranças.

 Pois bem: o cego parou sua canção e cessou o urro da sanfona e disse em voz alta: "Cidadões, vocês me ajudem. Quem puder que me ajude. Perdi a vista, cidadões, e hoje me vejo nessas condições. Se os cidadões puderem... que me ajudem..."

 Assisti a essa cena muitas e muitas vezes. E muitos cidadões, condoídos e emocionados, reunidos na minúscula solenidade da esmola contribuíam com o óbolo precioso e pobre ao pobre que lhes estendia a mão.

 Hoje lembrei-me do cego. Que como pobre ficava ali a cumprir a sina dos pobres que é o ato displicente de ser esquecidos. E às vezes - só às vezes -, virar lembrança passageira como passageiros éramos nós na rodoviária: o cego, eu e os todos que estavam por lá. De alguma maneira cegos todos nós.

 Passamos por lá, o cego e eu. Passamos na cegueira da vida o cego e eu. Assim, chego a uma conclusão: "Cidadões, eu também sou cego. Minha rodoviária é este espaço, minha sanfona são essas letras. Mas, escuto algo; sim, sim, eu ouço música: será que você não está também tocando uma sanfona na sua rodoviária? Parece que sim, parece que sim..."

 

 

 

quarta-feira, 28 de junho de 2023

 

               A louca falava só, e dizia:

“Helenita, Helenita, calaboca Helenita...”

 Por Emanoel Barreto

Havia na rodoviária velha da Ribeira uma pobre louca que falava sozinha. Falava com seres invisíveis, pessoas que habitavam seu mundo, seu único, inacessível e paralelo mundo. Eu a observava, mas nunca consegui saber seu nome, enquanto, à noite, às vezes altas horas da noite, depois do expediente no jornal, esperava o ônibus para ir para casa.

Sozinha, sentada em um banco, cercada de pacotes mal-arrumados, falava, falava muito, gesticulava, discutia, irritava-se, reclamava, pedia, e, creio, era até atendida pelos seus amigos invisíveis. Sim, pois, de vez em quando, se abria em sorrisos da mais esmerada simplicidade. Certamente agradecia o que havia pedido.

E eu ali, lendo algum jornal, mas com um olho naquela cena. A estranha, inesperada personagem, em pleno devaneio de vida, esquecida ao mundo, entretida em si mesma, pobre imagem de uma vida aparentemente em vão. Eu disse aparentemente em vão. Quem sabe...

E vinha o frio da noite, aquela brisa da Ribeira, brisa fugitiva do Potengi, trazendo em seu corpo de nada o cheiro do mar, mar e vida, maresia, mar-Ribeira. Passavam vultos escusos, caminheiros da noite, uma ou outra radiopatrulha, vagabundos sonolentos, bêbados equilibristas. E eu um pouco de tudo isso.


E ela falando, sozinha. Falando, falando, coitada: feliz. Calada para o mundo, alerta para si. E uma de suas amigas mais amigas, íntima, conciliatória e cúmplice era uma certa Helenita. 

Sim, Helenita. Helenita, a invisível, a impalpável, mas, viva; viva sim, para a louca, presente em sua presença.

E ela dizia: “Se acalma, Helenita. Deixa de coisa, mulher. Deixa de dizer besteira... Helenitaaaaaa....” E, gesto brusco de mão morena, dava um tapão no ombro intangível da mulher. E ria, ria, gargalhava quando a outra parecia revidar, ali, na penumbra encardida da rodoviária velha. Ali, naquele ponto de encontro das gentes noturnas.

Depois de muito tempo de espera lá vinha o ônibus que eu esperava: pesadão, cansado, velho, luzes fracas, salão de luz mortiça, passageiros tombando de sono, cabeças balouçantes, corpos vivos pendentes de cansaço. Eu entrava no sacolejo do veículo lerdo e lá me ia, deixando para trás Helenita e a louca.

Às vezes meu instinto de repórter me chama a voltar à Ribeira para ver se ainda as encontro: Helenita e a louca. Helenita eu já conheço. Sei que é estabanada, brincalhona, faceira, gosta de falar besteira não é mesmo? 

Mas, se Helenita eu já conheço, nada soube da louca. E hoje, fosse possível voltar, gostaria de saber o que ela teria a dizer sobre o mundo de agora, muito mais estranho, ameaçador, cheio de ódio e feras humanas. Suspeito, sim, suspeito, que ela ia preferir o mundo de Helenita...

terça-feira, 27 de junho de 2023

 Feitiçaria no Beco da Mucura

Por Emanoel Barreto

Todos os meninos da rua onde eu morava recebiam das mães este conselho: “Não chegue nem perto do Beco da Mucura.” E nada mais se dizia a respeito do motivo da ordem, que nos chegava envolta em brumas e mistérios. Era como se nos avisassem que naquele local morava o perigo, que é amigo do medo, que é irmão gêmeo da tragédia e da dor.

Um menino me disse uma vez que um seu colega havia se metido a ir ao beco e jamais havia voltado. Até fora visto uma vez depois de muito tempo, mas já não era mais o mesmo: tinha cara de cachorro e havia atacado um senhor que ia passando.

E todos nós, unidos pelo medo, nunca nos atrevíamos a ir ao beco. Até que um dia uma velha, de aspecto de bruxa e muito feia, vestida em farrapos e encurvada, chamou-me a atenção. Num repente, resolvi segui-la. “Será que mora no Beco da Mucura?” – morava.   

Ela segurava um saco feito de tecido grosseiro. Dentro dele uma coisa viva se agitava de forma intensa e sem parar. Imaginei que seria o filhote de um monstro, quem sabe um pequeno lobisomem.

E contra todos os conselhos, o bom senso e até mesmo o temor que me invadia segui a velha. Ela caminhava entre a multidão das calçadas, e eu atrás. Afinal chegamos ao beco. Tinha aspecto sombrio, era estreito, comprido e as casas pareciam se apoiar umas nas outras para não cair. Era tudo tão ameaçador, as pessoas pareciam tão monstruosas, que tive a sensação perfeita de que estava dominado por um frio inexplicável e que quase me paralisava.

O beco fazia ziguezagues e depois de abria em muitas vielas acanhadas. Somente então percebi: estava perdido, andara tanto que não tinha noção de como sair, fugir seria o termo certo, daquela situação.

Mas continuei seguindo a velha, que afinal chegou à sua casa. Feita em madeira e taipa, folhas de zinco e papelão era na verdade um refúgio, um buraco de morar. Percebi, olhando por uma janela lateral: ali se amontoavam a velha e umas cinco ou seis crianças molambentas.

Quando ela entrou ergueu o saco numa espécie de gesto triunfal e as crianças gritaram “êêêêêêêêê!!!!!”, festejando aquela chegada. Depois disso o que vi e vou contar aconteceu muito depressa: a velha meteu a mão dentro do saco e dali retirou um gato que miava enlouquecidamente. A velha bateu mão de uma faca que estava sobre uma mesa, decapitou o animal, tirou as vísceras, esfolou a pobre vítima e jogou o bicho direto numa panela que pôs a ferver.

Eu estava petrificado. De repente ela virou-se para mim e disse: “Eu sabia de você o tempo todo. Era isso o que você queria saber, não era? O mistério do Beco da Mucura? Pois já sabe, rapazinho: o mistério daqui é fome. É servido?”

Disse isso, chamou as crianças e todos partiram para cima de mim. Nem é preciso dizer que fugi correndo como um louco. Depois de horas de desespero em vielas, becos e enganchos de todos os tipos vi-me afinal fora do Beco da Mucura. Afinal cheguei a minha casa.

Dia seguinte contei aos meus amigos a história toda, e disse: “A feitiçaria da Mucura é fome.” E, ainda hoje, em todo o Brasil, é assim: nossa feitiçaria é a fome.

 

 

sábado, 24 de junho de 2023

 “Trouxe a muriçoca?”

 A triste sina de um brasileiro infeliz

Por Emanoel Barreto

 

Era uma vez Brasileiro. Quando foi um dia, Brasileiro, sem saber como, estava numa fila enorme. Perguntava a um e a outro por que estava ali. E a resposta era sempre a mesma: "Não sei. Também estou nessa fila e não sei o motivo." 

 Nisso, chegou um funcionário. No peito, um crachá que informava qual o órgão público onde trabalhava: Instituto das Instituições Instituídas para Instituir novas Instituições e Cobrança de Taxas e Emolumentos, Tributos, Contribuições de Melhoria, Propinas e Etc...".

 Brasileiro dirigiu-se a ele: "Senhor, posso saber o que faço nesta fila?"

O funcionário respondeu: "Não sei. Trabalho aqui mas nem mesmo eu sei o que faço aqui. O senhor vai ter que pegar uma ficha para se informar. Vá até aquele guichê, para receber a sua ficha."

Brasileiro: "Obrigado."

 Foi ao guichê e afinal foi atendido.

"Ficha?", disse o funcionário.

"Ficha", respondeu Brasileiro. 

 Então, o funcionário perguntou: "Trouxe a muriçoca?"

Brasileiro quase cai para trás e quis saber: "Muriçoca? Pra que muriçoca?"

 A resposta: "Aqui só tira ficha quem traz uma muriçoca. Se não trouxe vá para aquela fila. Lá, eles dão fichas que dão direito a uma muriçoca. Você vai ao Criatório Nacional de Muriçocas, apresenta a ficha, eles lhe dão a muriçoca, você volta aqui, pega nova ficha para eu atendê-lo novamente, eu lhe dou uma ficha e depois você vai para outra fila. Será atendido por outro funcionário e ele vai informar porque você está na fila."

 Brasileiro dirigiu-se à fila para pegar a ficha de atendimento no Criatório Nacional de Muriçocas. Depois de muito esperar recebeu a ficha de número 900.000.000.000.890.000.789.982.000.000.000.777.663.000.444. 000.767.980.765.000.000.123.456.789.3334-687.987.987.095.876.456

.4329.899.999.678.543.765.900.888.076.776.98763535353535353, 79885873551414..6776737.563724131666

 Quando Brasileiro viu a numeração sentiu que estava numa enrascada. Não tinha a menor ideia do motivo pelo qual estava ali, ninguém sabia informar nada e ele ainda tinha que pegar fichas e mais fichas para ter direito a novas fichas.

 Diante de tal a lamentável situação resolveu sair e ir para casa. Quando um guarda notou que ele estava saindo, disse: "Vai sair?" 

 Brasileiro respondeu: "Vou, não aguento mais ficar aqui e vou embora."

 O guarda foi curto e grosso: "Pode não. Bateu aqui dentro só sai depois de ser atendido. Isso aqui é o Brasil, rapaz! Tá pensando o quê? Volte já para a fila, para pegar a ficha da muriçoca."

 Brasileiro argumentou: "Mas, quando eu vou ser atendido? Já viu o número da minha ficha?" E mostrou o papel com o absurdo número ao guarda.

 O sujeito fez uma cara de espanto: "Óóóóóóóóó." Então, chamou Brasileiro a um canto e disse: "Negócio seguinte. Eu posso dar um jeitinho..."

 "Pode?", perguntou Brasileiro quase feliz.

"Posso", garantiu o outro. "Mas precisa rolar uma merreca. Sacomé, né?"

"Seicomé", disse Brasileiro. "E quanté?" 

 Era pouco, garantiu o guarda. Por um salário-mínimo ele daria a Brasileiro uma muriçoca e ele poderia afinal saber porque estava ali – depois de cumpridas outras formalidades por acaso existentes, claro. 

 O guarda facilitou: aceitava cheque. Brasileiro nem pensou duas vezes: passou um cheque sem fundos ao guarda. Poucos minutos depois estava com uma linda muriçoca num belo e transparente frasco. O guarda era contrabandista de muriçocas.

 Em seguida Brasileiro encaminhou-se ao funcionário encarregado de receber as muriçocas. Chegando lá o homem disse: "Adianta não. Tá faltando um carimbo que eles põem na asa direita da muriçoca atestando a procedência. Além disso, tá faltando duas meias, um pedaço de pneu de caminhão e três palitos de fósforo, para fazer juntada ao processo."

 Brasileiro deu um grito de desespero e quis fugir para outro país. Vizinho àquela repartição havia outro país. Parece que eram os Estados Unidos. "Opa! Vou para os Estados Unidos e lá eu me faço!"

 Mas, quando Brasileiro já ia pulando a cerca o mesmo guarda da muriçoca pulou em cima dele e disse. "Epa! Teje preso. Pra fugir também tem que pegar ficha! Somente foge daqui depois que os home derem ficha..."

 Brasileiro então, implorou: "Não aguento mais fichas. Posso ao menos me suicidar?"

 O guarda: "Tá difícil. O país é pobre e só tem um revólver público para suicídios. E mesmo assim tá faltando bala. Pegue aquela fila ali e..."

 Brasileiro nem esperou: caiu seco ali mesmo, mas não foi enterrado porque não tinha tirado ficha para a morte... A família entrou com um processo pedindo direito a enterro, mas os juízes estão em greve...

  ---Falando nisso... você tirou ficha para ler este texto?

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ZOORÓSCOPO

Traíra - Quem está sob a regência de traíra tem por vocação natural a traição e o descaminho. Cuidado quem estiver mantendo romance com um trairiano ou trairiana. Especialmente se esse alguém for do signo de Minhoca. Minhoca é isca e sempre acaba devorada...