sexta-feira, 12 de abril de 2013

Umas coisas que lembrei

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Saudades de Ti Zé Guilherme
Este rosto de vaqueiro lembrou-me fortemente a imagem de Ti Zé Guilherme, na verdade tio de Minha Mãe. Senhor das terras da Fazenda Jordão, acres de terra seca e nordestina, região central do Rio Grande do Norte.

Rijo como um cardeiro, forte como um lajedo. Tomava rapé e fumava cigarros de fumo bruto. Pai de Zé Guilherme Moço, Lurdinha e Mariinha.  O filho Luquinha, seu rebento mais novo, lidava com o gado e com o roçado.

Seu cavalo chamava-se Soberano. Era bicho arisco e difícil de selar e enredear. Cavalo bom de gado e ligeiro; zanho que só ele. Eu era doido por aquele cavalo. Bicho castanho, alto de cernelha, crina preta. Espantadiço, olho de coisa braba, jeito de cangaceiro.

Fui à fazenda acho que só umas duas vezes. Ali vi Vovó Lulu, mulher de Ti Zé Guilherme, pilando café. Colhido, não sei como, naquelas terras bravias. Passei a chamar Vovó Lulu de Vovó Lulu porque todos os meninos a tinham nessa conta: vovó de todos, abraço gostoso em colo de mulher grande, matrona, dessas que amparam, protegem, refugam medo de tudo. Ô, Vovó Lulu, que saudade...

Ela era assim: sertaneja gorda, bonachona, o cabelo preto Mesclado de fios alvos. Ttudo puxado para trás, enfeixado num totó. A pele branca de há muito recoberta por um bronzeado entranhado, como somente o sol do sertão ferrenho pode fazer. Se você não é nortista, não sabe do que eu falo.

Lá no Jordão tinha também uma vaca de quem gostava muito: chamava-se Mangaba e dava um leite bom que só o cão. Naquele tempo, idos de 1959, era assim: quando uma coisa era mesmo muito boa, a gente dizia que era “boa que só o cão”. Não era “bom que só Deus”, mas bom que só o cão. Esquisito, né? Mas era assim mesmo: bom que só o cão...

A Fazenda Jordão me veio à mente hoje. Mexendo nessas coisas da net vi a foto deste vaqueiro. E me chegou também, de repente e num minuto, uma saudade tardia daqueles tempos. Saudade esquecida nas gavetas avoengas da memória de um menino que hoje já chega aos sessenta e dois anos. 

Às vezes esse menino me chama e me diz: rapaz, Soberano ainda espera ser montado; para que você e ele somados, atirados contra o vento, rápidos como um corisco, se metam na caatinga em procura de Mangaba: é hora de tirar  leite. O leite dos peitos fartos. Daquela vaca sertaneja.

Mas hoje eu vivo o meu hoje e digo: Ave, Maria. E dai-me, Senhora Mãe, cabresto, espora e sela; coragem e decisão, que o tempo é de seca é pó. 
O menino já levou muito arranhão de espinhos, espinhos de macambira. E meteu os pés no chão do sertão da capital. Sertão que veio depois; depois, muito depois, dos dias belos de alvor, o alvor lá no Jordão. 

Do sertão que teve de andar nos tempos de sua vida, em páginas perigosas, encharcadas de jornal. Depois de esquipar maluco, feito um cabrito sem freio, pelas terras reluzentes lá da Fazenda Jordão. Eita! Eita,Barreto Velho, que a briga é de faca! Trançada na mão direita. É de doze polegadas!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Faces  Faces  Faces  Faces  Faces  Faces  Faces

Margareth Thatcher



 Morre mais um jornal

Recebo email da poeta e jornalista Marize Castro. Diz ela: Amigos, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu fechar o suplemento Sabático. Mais uma triste notícia que pode deixar esta terra mais desolada. Por favor, assinem o abaixo-assinado pela permanência do sabático, um dos melhores cadernos literários do país.
Grata.
Forte abraço.
Marize

Fui até o site que estava recolhendo assinaturas para o abaixo-assinado, mas, lamentavelmente, já haviam sido encerradas. Para completar, já haviam sido encerradas...
https://www.google.com/search?q=fim+dos+jornais+impressos

Mas, na verdade, sei que faria isso em meio a luta de antemão perdida. Empresário não vai atender a reclamo de opinião pública para manter negócio que não esteja dando lucro. É perda de tempo tentar sensibilizar e inverter decisão já tomada.

Quanto ao Estadão, parece, dá sinais de cansaço econômico ante a hegemonia, hegemonia crescente, da Folha. Desse jeito, o jornalão dos Frias chegará à supremacia, derrotado, quando o for, o velho império dos Mesquita.

O que me preocupa, já disse aqui, é a crise de sentido. Num país onde já se lê pouco, essa leitura ficar reduzida ao Twitter e ao Face, além das outras redes sociais. Os donos de jornais, temerosos quanto ao futuro de sua fortuna, como qualquer capitalista, poderão sim um dia acabar com o impresso. E este, apesar de todos os interesses dos mesmos patrões, representam de alguma forma um espaço democrático, uma voz de sociedade civil.

A net tem, obviamente, espaço para uma forma de jornalismo válida. Mas não tem profundidade. Não dá para produzir textos longos como os que podem ser encontradas no impresso. Tente ler um texto muito longo no computador ou mesmo no tablet. Talvez até consiga; mas, daí a ler todo um jornal...


domingo, 7 de abril de 2013



“Sabe falar espanhol?”

Este Dia do Jornalismo me levou longe, confins de 1974; agosto, mais precisamente, quando fui ao Diário de Natal pedir emprego a Luis Maria Alves. Tive um estalo e decidi: “Vou ao jornal.” Era coisa de oito da noite. Quando cheguei, Seu Alves estava com visitas. O vigilante pediu para eu esperar. Não tive paciência e saí. Dez minutos depois, empurrado pela vontade de trabalhar em jornal, voltei. Voltei e esperei.
Enquanto aguardava, vi quando o jornalista Cassiano Arruda saía da redação na companhia de um grupo de jornalistas e radialistas da Poti. Brincando, ele falava com o radialista Batista da Fonseca: – Batista da Fonseca, uma perna é fina e a outra é quase.

Pouco depois Seu Alves também aparecia. Acompanhava os visitantes à porta do jornal. Nervoso, quase caio quando o vigilante, apontando para mim, disse: – Aquele menino quer falar com o senhor.

Eu tinha 23 anos e nunca havia trabalhado em nada. O velho virou-se para mim e disse: – Vamos entrar. 

Pela primeira vez eu pisava no solo sagrado de uma redação. Birôs por toda parte, ventiladores pendiam do teto. Ao fundo, a impressora. Grande, pesada, assistia a tudo cercada por enormes bobinas de papel. Seu Alves foi direto ao ponto: – Sabe falar espanhol?
Percebi que, aparentemente, havia me metido numa enrascada. Mas respondi com firmeza: – Falar não falo, mas consigo ler sem problema. 

Ele disse: – Ótimo. Mas, o grande problema é que hoje se exige registro de jornalista no Ministério do Trabalho. Isso prejudica muito e impede que jovens talentos venham trabalhar no jornal.

O registro era uma forma de a ditadura mapear quem era jornalista, formado ou não, e saber onde estava trabalhando. Mas, voltemos. Seu Alves disse que, caso eu ficasse, iria trabalhar a partir da meia noite até seis da manhã, traduzindo telegramas que vinham da UPI e France Presse. É que à meia noite as representações brasileiras deixavam de traduzir os telegramas e Seu Alves queria que, de manhã, eles já estivessem, em português, prontos para ser editados.

Topei no ato. Ele mandou que dois dias depois eu voltasse ao jornal para um teste. Voltei no prazo marcado e o teste foi o seguinte: ele ditou-me trecho do livro “Os mortos são estrangeiros”, de Newton Navarro, escritor, poeta, cronista, pintor maior.
Queria mensurar minha rapidez em datilografar e ver se cometia erros, se escrevia palavras erradas. Depois, um teste para ver meu nível de informação. Terminava a prova, ele sentenciou: – Você é alfabetizado. 

Começava aí minha vida em jornal. Dias depois eu entrava para a equipe do Diário, mas não como tradutor de telegramas. Passei e integrar a equipe de repórteres policiais, ao lado de Pepe dos Santos e Alexis Gurgel, além do fotógrafo Paulo Saulo.
De lá até hoje se passaram, com a velocidade da vertigem, 39 anos. Bem vividos, bem lutados. E continuo a gostar de ler em espanhol.