quarta-feira, 14 de outubro de 2020

 Urgente! Nova lei disciplina a cultura

Por Emanoel Barreto

A legislação abaixo é documento de conhecimento obrigatório e dele todos deverão tomar ciência.  

Art. 1º É proibido ler este documento que impõe a ignorância como matéria obrigatória nas escolas pois trata-se de lei ultrassecreta cujo cumprimento obriga a todos.

Art. 2° Todos os indivíduos que porventura lerem as palavras aqui contidas serão levados a um país distante e de hábitos bárbaros chamado Brasil e ali serão açoitados com pelo menos setecentos golpes.

Art. 3º Da mesma forma é proibido informar que é proibido ler esta lei, uma vez que para que tenhamos pessoas a serem punidas será necessário que desta escritura tomem conhecimento incorrendo assim no crime de leitura.

Art. 4º Os maus elementos que detiverem seus olhos sobre este texto serão levados ao supramencionado país distante porque ali impera a ordem mais desejável de todo o Universo: toda cultura é tida como deplorável e quem lê e pensa é visto como elemento de perniciosa influência.

Art. 5º Para que a proibição de leitura desta douta legislação seja eficaz será preciso que ninguém saiba ler.

Art. 6° Destarte, as escolas somente ensinarão a não-ler, explicando aos alunos que os livros somente ensinam coisas feias.

Art. 7º Quando todos souberem não-ler teremos alcançado o mais alto patamar da cultura e seremos como o Brasil, onde estupidez e ignorância têm o mais amplo e irrestrito apoio do Estado.

Adendo: O presidente da República não assinou a lei porque não sabe ler nem escrever. E se soubesse ler seria preso nos termos da lei acima. Por isso mesmo tornou-se presidente.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Porque acho que não

 existe o tempo

Por Emanoel Barreto

Não creio na existência do tempo; não o vejo como algo que tenha consistência própria, uma espécie de fato metafísico, uma realidade suprassensível, espécie de régua que mede o passar da vida e das coisas e com a qual podemos mensurar e valorar a sequência de tudo o que perpetramos na vida enquanto a vivemos.

Suponho que o tempo seja apenas uma ilusão de ótica histórica gerada pela percepção dos fatos, sua memorização, encaixe nessa memória e posterior recordação. Essa montagem dos episódios seria então o tempo.

Os dias e noites, as alterações que ocorrem na face da Terra, nosso envelhecimento, nossa memorização e lembranças ajudam a fortalecer a visão desse fantasma a quem chamamos tempo.

Veja bem: se uma pedra qualquer mantiver-se íntegra por um  trilhão de anos, ou seja, se não for partida ao meio ou algo que de qualquer forma a altere, será a mesma pedra ao final desse um trilhão de anos. E, portanto, o tempo não terá passado para ela. E por quê? Porque não haverá memória relativa a essa quebra ou alteração. Não havendo memória não haverá tempo, pois falta referência a esse fato.

As alterações se dão no mundo e, memorizadas, insisto, geram a sensação de tempo. O problema é que não podemos dizer enquanto esperamos aquele atendimento médico e o doutor nunca chega: “Estou aqui há dois fatos, três acontecimentos, duas ocorrências e quatro esperas.”

Em substituição dizemos: “Estou aqui há duas horas e nada de o médico chegar.” Isso faz sentido em nossa convenção social de fala e na parte relativa ao que chamamos tempo, e facilita a manifestação de nossa indignação.

E mais: a marcação do relógio, para onde olhamos desesperados e ansiosos ajuda na sensação de tempo perdido, e tal situação se amplia sob a lupa da impaciência. E é mesmo terrível esperar por médico, não acha?

Enfeixando tudo o que eu disse: a temporalidade, a aceitar-se meus argumentos, seria então uma espécie de metonímia, aquela figura de linguagem “marcada pela substituição de um termo por outro que guardam entre si uma relação de contiguidade, ou seja, um faz parte do outro”, segundo registro dicionarizado.

Sendo assim, substituímos a sequência de fatos e nossa inserção emocional naquelas pelo termo “tempo” e pronto. A vida passa. Depois viramos esquecimento que também é uma forma de tempo. Mesmo que o tempo não exista.

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PS: talvez algum grande filósofo ou físico ou matemático ou sei lá o quê, possa provar que estou errado. Então eu perdi meu tempo escrevendo essa crônica (termo que também tem a haver com tempo) e você perdeu o seu lendo este texto. Mas acho que valeu a pena, não valeu?

 

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

 O ódio pode nos transformar em monstros

Por Emanoel Barreto

Acabo de ler na Tribuna do Norte que no Rio Grande do Norte trinta municípios têm mais eleitores que habitantes. Isso causou-me grande preocupação: não pelo fenômeno eleitoral em si, facilmente explicável por migrações, fraudes, defasagem nas estimativas populacionais e disputas territoriais.

O motivo do meu temor é que no Brasil venhamos a ter mais monstros que pessoas. Aí a coisa pega, pois temos tudo para que isso possa acontecer.

Veja só: a cada dia vemos na TV mais e mais pessoas em histerismo ideológico pregando a morte como algo aceitável; outros tantos defendendo posições religiosas fundamentalistas; mais um montão berrando a favor de golpes de Estado; e magotes de desequilibrados  que querem porque querem a violência como o exercício da política por outros meios, digamos assim.

Logo logo poderemos ver, por algum estranho e prodigioso fenômeno, que o interior das pessoas aflore, e sua monstruosidade seja exposta em corpos disformes, tipo aquele alienígena do “Oitavo passageiro”, lembra do filme?

Já pensou, o Brasil cheio de oitavos passageiros? Ou de lobisomens nazistas? Ou, quem sabe, ficaremos lotados de tipos como aquele de “O iluminado”? Quem viu esse filme sabe que o personagem era barra pesada com o machado.

Haverá lugar para todos, esteja certo. Está na moda defender a brutalidade contra o adversário, e pior: considerar o adversário como inimigo. Divergência política entre amigos não significa que devamos nos odiar. É só uma diferença que pode ser resolvida com uma boa cerveja. E pronto.

Mas, voltando aos monstros: espero que meus temores não  ocorram. Mas, aqui pra nós: temos muita gente que adoraria cravar as garras no pescoço do outro e dizer: “Agi em defesa do Brasil.” Depois sair urrando e caçando uma nova vítima.

domingo, 11 de outubro de 2020

 A alegria demencial e a 

História do medo

Por Emanoel Barreto

Aproveitando esses dias eriçados de doença, de alegria demencial em bares e praias e de proclamações hipócritas de que é possível conviver pacificamente com o corona – desde que isso gere lucro a empresários e que tais –, aproveito para reler a “História do medo no Ocidente”.

Trata-se de obra densa, que mostra o quanto somos grandes construtores de nossas crenças, nossos medos e como os vivenciamos em terror e desespero para nossa própria desgraça. 

O trabalho de Jean Delumeau, 695 páginas, não é a mais recomendável leitura para mentes que estejam à beira de uma crise de nervos, dada a realidade do momento.

Como ainda não é o meu caso peguei o livro que andava esquecido em algum canto do meu escritório e parti para viajá-lo pela segunda vez.

Estou exatamente na parte que fala na peste, em mortes e mais mortes, algo bastante semelhante ao que temos hoje em todo o mundo. O autor cita Daniel Defoe, mesmo autor de Robinson Crusoé, quando aquele trata da mortandade e do horror das mortes coletivas no romance “Um diário do ano da peste”.

Defoe afirma que “[...] excessos e deboches, eram então praticados na cidade”, no caso Londres, 1665.

No caso a coincidência é bastante perceptível.  Os “excessos e deboches”, então e agora, resultavam e resultam em desrespeito à ética e à vida de forma diária, crescente e naturalizada.

O deboche é a alegria de risco, o comportamento desvairado que busca momentos de atividade de lazer como se estivéssemos no melhor dos mundos. E não estamos. Isso inverte o sentido do estar alegre, e o substitui pela dilapidação do sentimento da verdadeira alegria, aquela que surge e se mostra no sorriso que aclara e mostra a luz interior de quem vive momento especial de empolgação e se sente feliz mesmo que por alguns momentos.

No nosso caso tudo isso é transformado e encoberto pela máscara suja da inconsequência embriagada que ocupa o lugar da máscara de proteção; aquela que os médicos aconselham: recomendável, prudente e boa.

Os excessos podem ser vistos, por extensão de sentido, no fato ocorrido ontem em Belém do Pará, onde uma multidão faminta de futilidades reuniu-se numa espécie de desespero demencial e invadiu uma loja da Havan. Comprar, comprar, comprar...

Os vídeos exibidos na TV mostram pessoas como que possessas por alguma feitiçaria do marketing partindo para o interior da loja como se ali fossem encontrar algo extremamente valioso cuja perda seria irreparável.

A qual excesso faço referência? Ao excesso de estupidez, ignorância, até mesmo de alguma forma delirante e inesperada de indecência e desrespeito; o desrespeito à vida de si e do outro.

A História do medo no Ocidente nos dá uma lição do quanto somos, a Humanidade, um ser coletivo desprovido de bom senso mesmo estando há milhares de anos habitando a face da Terra.

Aqui e em todo o mundo multidões se fazem de surdas aos apelos para que se contenham. E milhares saem às ruas em busca de sua própria desgraça. Diante de tudo isso relembro um ditado que meus mais velhos diziam, lembrando seus pais e avós: “Boa romaria faz quem em sua casa está em paz.”

 

 

 

 

 

O silêncio tornou-se meu amigo

Por Emanoel Barreto

No silêncio a que me retirei ao longo do sinistro tempo da pandemia aprendi a conviver com esse tempo vazio e espraiado em horas, dias, dias, dias, dias e dias...

O silêncio do retiro não é calado nem mudo. O silêncio é silêncio; é preciso entender a voz inexistente do silêncio para aprender a sua luz e sua essência.

O calado pretende falar; o mudo nunca falou. E isso não é silêncio. O primeiro pretende expor-se em sons a que chamamos palavras, o outro isso não pode. Então o que sobra é a inexistência de som, e daí vem o silêncio que tem essência e consistência.

Ele é calculado, vivido, vívido, organicizado, íntegro e integral ao silencioso; e este, querendo, pode falar e sua voz será também o seu silêncio.

Essas palavras minhas são silenciosas. E, no entanto, tenho certeza de que você as ouviu bastante alto.

Agora fiquemos em silêncio. Tudo isso vai passar.