sábado, 18 de agosto de 2012

Paulo Bronco em: Tempos Modernos

Carta a Meroveu, o desnaturado
 
Meroveu,

Soube que nos últimos tempos tem-se dedicado com ato incomum a atacar pessoas inocentes, cumulando-as de pancadas e outros abusos. Fui informado de que sexta-feira última praticou mais uma de suas aleivosias, quando, altas horas da noite, atacou a peso dupla de velhinhas desordeiras que vinham de sua costumeira farra de fim de semana. As bondosas criaturas não tiveram como escapar a sua sanha, segundo soube.

Segundo consta, as duas, portando garrafas de uísque de péssima qualidade debaixo do braço, destruíam lâmpadas e vidraças com pedradas e gritavam a altos brados.

 Então você, percebendo que lidava com gente de sua igualha, muniu-se de poderosa clava e as atacou vibrand0-lhes formidáveis golpes no centro do crânio. O objetivo, claro, era promover a mais louca desordem e perturbar a paz pública como de seu costume.

As loucas criaturas reagiram à altura e o moeram a golpes de porrete. Quando estava prestes a ser derrotado eis que chega a seu favor o péssimo Elpídio, a quem são atribuídos atos de grande malignidade. O citado elemento, portando ignóbil bastão, as pôs por terra, tomou-lhes o lamentável uísque que bebiam e o sorveu de um trago.

Imediatamente, Meroveu, é o que se diz, você e ele se apoderaram de todo o dinheiro das velhinhas, entraram num táxi e foram para bairro distante gastar à larga. Lá chegando, promoveram quebra-quebra e figuram quando a polícia se aproximava.
Já era dia nascido quando se retiraram, cada um para seu sinistro tugúrio. Agora há pouco me disseram que hoje à noite você e o péssimo Elpídio estimam provocar grande alarido em festa de alta dignidade. Meroveu, sugiro que repense seu procedimento. 

Por oportuno lembro que tem talento e força para falar. Assim sendo, bem poderia alistar-se num partido político e prestar grandes serviços e tipos de sua laia com uma vantagem: em suas desordens poderá ser preso; como político, jamais.

Pense bem, Meroveu. Tenha bom senso.

Até depois,
Emanoel Barreto

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

E aí, Frei Damião disse: "Quereis o comunismo?"
E o povo respondeu bem alto: "Quereis!"

Emanoel Barreto

Corria o ano da graça de 1978 quando fui pautado para entrevistar a venerável figura de Frei Damião, o santo do sertão, amado do povo, protegido de Deus e de Nossa Senhora. Vindo da distante cidade de Bozzano, Itália, para cuidar do rebanho de sertanejos, preservar a fé e encaminhar as almas todas para o Céu.

Fui à cidade de Ceará Mirim, pouco mais de 30 minutos de Natal, onde ele se encontrava. Encontrei-o na igreja matriz. Abençoado templo povoado por imagens de santos e de anjos, querubins e serafins. A pequena e cândida figura atendia em confissão a enorme fila de mulheres cobertas por véus e envoltas em doce auréola de rezadeiras, como só as existem no Nordeste. Mulheres suadas de fé.

E eu fiquei olhando para elas. Atentei para suas bocas que fervilhavam baixinho rezas velhas, mistérios sussurrados em uma língua estranha que jamais consegui apreender desde quando, ainda menino, olhava minhas tias fervorosas diante de uma vela e de uma imagem de Nossa Senhora. Deviam ser coisas muito altas, evoladas da inefável religião dos bons, áugúrios de uma vida melhor depois da morte, quem sabe o repouso calmo no regaço da Virgem.

Preste atenção na boca de uma velha rezadeira: é ali que mora a alma, tenho certeza. A minha mente de repórter, todavia, estava preocupada com algo mais urgente e menos devoto: o tempo. Eu tinha hora para voltar à Tribuna do Norte e fazer o meu texto.

Com alguma insistência junto a um auxiliar do beato consegui parar a confissão e ele me atendeu. Confesso, sem trocadilho algum, que nem mesmo sei o que perguntei. Mas, o que mais valia era relatar o encontro dulcíssimo do pastor com o seu rebanho, captar o ambiente angélico, a doçura do olhar do Frei, seus conselhos e penitências passadas àquelas pessoas sacras e pias.

Saí, confesso novamente, com a alma cheia de alguma candura - certamente meu coração de repórter feio e mau tocado pelos instantes miríficos. Assim, de volta à Redação, encontro com outra figura humana portentosa: Dorian Jorge Freire, diretor de Redação. Católico, minúsculo de tamanho mas enorme em sabedoria e humanismo.

Terminado o meu texto, Dorian, que também tinha grande espírito de humor, contou-me o seguinte: Certa vez, Barreto, Frei Damião estava com suas missões pelos sertões distantes. Fazia sua costumeira pregação contra o pecado, a devassidão e o adultério. Defendia o sacramento do matrimônio e dizia que, sem ser casado, o casal era "como o cachorro e a cachorra, o touro e a vaca." . Advertia também a todos contra o perigo do comunismo vermelho e ateu.

E dizia: "O comunismo é pecado grande, pecado mortal. O comunismo é a besta-fera que vem para desafiar o Evangelho. O comunismo é o perigo até mesmo para as mocinhas." O povo olhava e ouvia tudo, pasmo, temeroso, pronto para fugir, caso o comunismo chegasse a qualquer instante.

Parecia até que o comunismo estava por ali, pronto para desferir seu bote. Afinal, Frei Damião fez sua última invectica contra o comunismo periculoso e bradou ao povo sertanejo, como se fora um novo Conselheiro: "E então, quereis o comunismo?, e o contrito povo, procissão desvelada e crente, respondeu piedosamente, em coro monumental "Quereis!"
Paulo Bronco: tempos modernos

Vamo quebrá, vamo quebrá ou coitada de Nossa Senhora
Veja só este anúncio. Abaixo, comento.

Como se trata de uma comemoração religiosa, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, digo: Deus me livre desse tipo de cantor, que chega prometendo quebrar a minha cidade.  Mais que isso, coitada de Nossa Senhora, não merece esse tipo de homenagem. Já não se fazem festas de santo como antigamente: antes, eram somente rezas e quermesses; agora, chega uma turma da boa para quebrar tudo... Oremos...

quinta-feira, 16 de agosto de 2012


Música romântica para oboé

A tradição do Rio Grande do Norte em produzir instrumentistas de primeira grandeza ganha reforço com o talento de Hugo Souza. Graduado no bacharelado da Escola de Música da UFRN e mestrando na Universidade Estadual de Nova Iorque (EUA), o potiguar aproveita sua passagem por Natal para realizar recital nesta próxima sexta-feira (17), às 20h, no Auditório Onofre Lopes da EMUFRN. Entrada gratuita.

Durante o recital, formado por peças exclusivamente eruditas, o instrumentista de 24 anos estará acompanhado dos professores Durval Cesetti (piano) e Amandy Araújo (clarineta). Os músicos irão apresentar duas obras para oboé e piano: Adagio e Allegro do compositor alemão Robert Schumann; e a sonata para oboé e piano do francês Camille Saint-Saëns, ambos compositores do período romântico. O programa ainda incorpora um trio para Oboé, Clarineta e Piano do compositor argelino de origem francesa Edouard Destenay.

“Os concertos e recitais tem um clima especial, onde as pessoas vão para apreciar a música instrumental erudita. Ouvir e apreciar”, diz Hugo Souza. “E apesar das peças serem de um mesmo período (romântico), as obras são bem diferentes umas das outras, pois os compositores têm características próprias”, complementa o músico.

Em 2009, após terminar a graduação na EMUFRN, participou de um festival de música em Luxemburgo, Europa, onde ganhou uma bolsa pra fazer mestrado em Nova Iorque. O plano do potiguar é continuar nos Estados Unidos mais um tempo para cursar o Doutorado.
Hugo Roberto Shin Lima de Souza começou a trilhar caminhos musicais cedo, aos 4 anos, influenciado pelos pais, o violonista Eugênio Lima de Souza e a pianista Catarina Shin Lima de Souza. A princípio por curiosidade. Experimentou flauta transversal, piano, violão, violino até decidir-se pelo oboé. 

A família musical também agrega outros três instrumentista, irmãos mais novos de Hugo: Djissonah toca violino, Alba Yung dedica-se ao piano e Ivo Dae-seong acabou de passar no vestibular – em 1º lugar – para música (Flauta Transversal) na UFRN.
A exemplo de nomes como o clarinetista potiguar K-Ximbinho (1917-1980), entre outros que deixaram seu nome marcado na história recente da música norte-riograndense e brasileira, Hugo trilha seu próprio caminho e ganha destaque no exigente universo da música erudita a partir de seu talento e dedicação. 

A realização do recital é da Escola de Música da UFRN e está inserido na programação de seu Jubileu de Ouro (50 anos). O patrocínio é da Arte Musical.
Informações e entrevistas: Hugo Souza (84) 8138-6948
Contato imprensa: (84) 9938-6462 | 8827-2006 | 8838-5881
Recital Hugo Souza (oboé, piano e clarineta). Sexta-feira (17), às 20h, no auditório da Escola de Música da UFRN. Entrada gratuita.

domingo, 12 de agosto de 2012




As dores, as cores, os terrores
 Recebi de Lucélia Bezerra, aluna de jornalismo, as fotos a seguir, que registram intervenção de jovens artistas na praia de Ponta Negra. As fotos, obras primas de enquadramento, domínio de luz e sensibilidade na captação do momento encenado/vivido, são de autoria de Rudá de Melo. São instantes de dramaticidade, paradoxalmente belos e terríveis. Compartilho com você, neste domingo. 

O Exercício do Poder - Trailer legendado

FACES FACES FACES FACES FACES FACES FACES FACES

Salvador Dali
Foto: Willy Rizzo

Bela charge na Folha

Encontrei este texto da Folha, e qual não foi a minha surpresa ao me deparar com assertivas que sugerem estar o repórter Morris Kachani lamentando que o ecstasy vendido em São Paulo não seja "legítimo", "do bom". Trata-se, desta forma, de produto, de "qualidade suspeita", sujeito a verificação pelo Procon. E então eu penso: já imaginou que absurdo, os traficantes falsificando produto tão essencial?

Claro que o profissional não defende o ecstasy "de qualidade". A questão é de imperícia redacional. Veja o primeiro parágrafo, que analiso, e depois leia todo o texto. 

Observe: "Um levantamento inédito feito pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo em parceria com a Fapesp revela que apenas 44,7% das drogas sintéticas apreendidas no Estado no último ano contêm o princípio ativo do ecstasy, o MDMA."

Não passa a sensação nítida de que a existência de "apenas 44,7%" da droga apreendida seria de "qualidade", sendo portanto inaceitável o restante do lote? Ou seja: o mercado setorial não estaria "respeitando seus consumidores", deixando assim de prezar pela "marca" do produto. Mais que isso: os traficantes precisariam trabalhar melhor, abastecendo o paulistado com droga da boa.

 Trata-se, é claro, de enunciado que tem falha de origem e, portanto, resulta em enunciação deficiente. O que a matéria pretendia era avisar a usuários que sejam cuidadosos pois, além do perigo em si do ecstasy, agora este pode agregar outros e mais danosos efeitos, dada a sua "impureza". 

O autor, é obvio, é bem intencionado, mas não teve competência redacional. Como primeiro leitor entendeu claramente seu texto, não levando em consideração seu destinatário, o segundo leitor. Portanto, se você é aluno de jornalismo, leia severamente seu texto a fim de não cometer o mesmo erro sugerindo algo diametralmente oposto ao que queria dizer. 
Segue a íntegra da matéria.


Ecstasy consumido em SP não é ecstasy
Apenas 44,7% das drogas sintéticas apreendidas contêm o princípio ativo MDMA; foram encontradas outras 20 substâncias
Algumas aparecem em remédios para emagrecer e até em anestésicos para cavalo, além de anfetaminas


Eduardo Knapp/Folhapress
No laboratório, ecstasy verdadeiro(a esq.) e falsificado (a dir.)
No laboratório, ecstasy verdadeiro(a esq.) e falsificado (a dir.)
MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Um levantamento inédito feito pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo em parceria com a Fapesp revela que apenas 44,7% das drogas sintéticas apreendidas no Estado no último ano contêm o princípio ativo do ecstasy, o MDMA. 

Outras 20 substâncias foram encontradas, algumas delas presentes em remédios de emagrecimento e anestésico de cavalo, além de anfetaminas e metanfetaminas. Todos os comprimidos têm a mesma embalagem visual do ecstasy -a cor, o formato e os logotipos variados como a maçã da Apple, a cara do ET ou o símbolo da Calvin Klein. 

"Anteriormente dizíamos que eram comprimidos de ecstasy, mas os resultados mostram que metade dos comprimidos não possui o MDMA em sua constituição", diz o autor do estudo, o perito criminal José Luiz da Costa, do Núcleo de Exames de Entorpecentes da Polícia Científica, e presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia. 

O resultado evidencia que a composição das drogas sintéticas vendidas no Estado é extremamente variada, assim como o nível de concentração de substâncias.
"As pessoas vão à balada e não sabem mais o que estão tomando. Há comprimidos em que a concentração da substância ativa chega a ser cinco vezes superior à dose presente em medicamentos comerciais", acrescenta. 

Foram analisadas amostras provenientes de 150 diferentes apreensões realizadas pela polícia entre agosto de 2011 e julho de 2012. 

Todas as apreensões feitas na capital no período estão representadas no universo de amostras. Apreensões feitas em outras cidades do Estado, como Ribeirão Preto, São José dos Campos e Campinas, também foram contempladas na avaliação. 

É o estudo mais abrangente que já foi feito sobre o tema. Para efeito de comparação, em 2004, 25 amostras foram analisadas em uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo), e 84% continham MDMA, em maior ou menor concentração.
Em 2009, outro estudo, feito no laboratório da superintendência, mostrou que todas as amostras daquele período continham MDMA. 

De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, a pesquisa de Costa atesta algo que já se vinha observando nos prontos-socorros. "Antigamente, era tudo ecstasy. Mas de uns anos para cá começamos a notar a diferença", explica Xavier. 

"Algumas pessoas tomam a pílula e passam muito mal. Aparecem com quadros de hipertensão, arritmia e até infarto ou derrame. Ora, esses não são sintomas do ecstasy."
De acordo com ele, à exceção dos principiantes, todos os compradores já têm noção da adulteração. Usuários ouvidos pela reportagem da Folha sob a condição de anonimato confirmam.
"Eles sabem que são altas as chances de comprar gato por lebre. Mas não sabem o perigo que isso representa. Essa pesquisa tem esse mérito", diz Xavier. "O problema é que não existe controle de qualidade no mercado negro", acrescenta.