sábado, 29 de abril de 2017


Cerca de 70 mil pessoas estiveram no ato da Greve Geral no Largo da Batata, na capital paulista / / Ricardo Stuckert

Não houve greve: foi tudo ilusão de ótica, viu?

“A greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos.” Entendo que a frase de Martin Luther King configura à perfeição o grande movimento ocorrido ontem no Brasil.
Foi ruidoso e muitas vezes envolto em confrontos. Mas mobilizou, segundo o jornal popular online Brasil de Fato, 40 milhões de brasileiros.
A edição brasileira online do El País disse a respeito do protesto: “A manhã despontou no coração de São Paulo e os transeuntes que se via eram basicamente os moradores de rua que ali passam seus dias. Lojas fechadas, pouquíssimo trânsito e entradas de metrô completamente desertas.
“A imagem se repetiu durante horas nesta sexta-feira nas principais cidades brasileiras. Foi uma demonstração de força do movimento sindical que convocou uma greve geral contra as reformas trabalhista e previdenciária do Governo Michel Temer e conseguiu paralisar a rotina nas capitais graças, principalmente, à crucial adesão do setor de transportes.
“A única exceção foi o Rio de Janeiro, onde o metrô não parou e os ônibus circularam parcialmente. ”

O jornal afirmou ainda: “Paralisação esvaziou centros das capitais, à exceção do Rio, e foi o maior protesto sindical em 21 anos.”

Como se percebe, foi, ao contrário da cobertura do jornalismo nacional, um registro recheado de credibilidade.

O jornalismo indígena não destacou o apoio da Igreja Católica, muito menos o respaldo dos protestantes. Houve frades que foram às ruas, entidades protestantes divulgaram nota favorável ao movimento.

Mas nenhum representante religioso foi ouvido. Apenas dizia-se que o “governo” está analisando a greve e a parir daí vai tomar providências junto à tal base aliada para buscar fortalecer-se  perante as repercussões da greve – coisas do tipo eram ouvidas o tempo todo ao longo da programação.

Apesar da grande mobilização o jornalismo alinhado ao governo minimizou a greve geral. Em cobertura ao vivo as TVs mostravam aspectos limitados: confusões, bate-bocas, incêndios de ônibus. O chamado presidente Temer disse a mesma coisa: houve apenas momentos de desordem.

Evitou-se convenientemente entrevistar representantes sindicais, mas a todo instante citava-se o governo e seus representantes com opiniões a respeito da greve.

Não se levou em conta que havia em essência um conflito ideológico, uma não aceitação política a decisões injustas que deverão tornar extremamente agravada a já difícil situação de sobrevivência do povo.

De alguma forma a cobertura das TVs reafirmava como válidas as palavras de Luther King: a greve como linguagem dos que não são ouvidos. Mas as TVs, exatamente, não queriam ouvir essa linguagem.  Não ouviram o grito das ruas.

Os jornalistas da Globo e quejandos admitiam tacitamente em sua cobertura: mesmo com o protesto invadindo ruas e avenidas eles iriam impor um grande silêncio social.

Ou isso ou pelo menos as coisas somente aconteciam do jeito que eles queriam que acontecessem midiaticamente, ou seja: as multidões não reagiam em repulsa a uma lei injusta; havia apenas arruaça generalizada e pronto.

O que se quis silenciar foi a essência do movimento atribuindo ressalto unicamente a seus aspectos mais agressivos. Questionáveis, claro, mas não definidores da finalidade da greve, muito menos explicitadores de suas causas.

A ação dos trabalhadores era apontada nas TVs, em todas as TVs, como fuzuê, trabalho de desordeiros, ação de “desocupados que queriam impedir as pessoas de chegar ao serviço”.

Esse discurso perpassou todas as coberturas. Todavia, em notícias a respeito de protestos na Venezuela mostravam-se cenas idênticas – atos de violência popular –  como movimentos coletivos necessários à expulsão de Nicolás Maduro do poder. Muitos pesos muitas medidas.

Vale lembrar que nos convescotes dominicais patrocinados pela Fiesp a cobertura era total: mostravam-se ruas cheias, pessoas brancas e socialmente bem postadas sorrindo e dizendo suas palavras de ordem. Era um protesto chic. Feito aos domingos, um passeio no parque. Afinal, era preciso depor Dilma.

Agora, quando os trabalhadores chegam à praça e bradam são desocupados, vagabundos. Há uma perceptível alteração de discurso: seja no pronunciamento verbalizado seja no enunciado videográfico.

E, transformando o ato grevista num espetáculo grotesco a ação coletiva passa a ser na TV algo que ofende a família pois foi apresentado midiaticamente como atitude de desatinados.

A greve impediu o pai de chegar ao emprego, o menino deixou de ir à escola, a mãe também não foi trabalhar? Então, a greve não presta.

Assim, esse real manipulado parece conferir veracidade ao que está sendo apresentado. Afinal, está sendo apresentado. E o que foi tornado visível torna-se verdadeiro por efeito da manipulação.

É difícil o caminho do trabalhador brasileiro. Os grupos hegemônicos estão na iminência de uma tomada de poder como jamais foi vista: a docilização completa das pessoas, sua subordinação ao custo de miserável soldo.
E tais grupos não querem perder essa oportunidade. E no fim ainda vão dizer ao trabalhador: “Está ganhando mal? Devia ter estudado.”
Só que eles também lutam para acabar com o ensino...






quinta-feira, 27 de abril de 2017



OK, temos agora a pós-senzala

O jornalista Ricardo Rosado listou de forma didática os prejuízos que os trabalhadores terão com a reforma da CLT. O texto está no blog Fator RRRH. Veja só:

O que muda na legislação trabalhista

Principais modificações na legislação trabalhista previstas no relatório de Rogério Marinho:

1 – Redução do salário para quem exerce as mesmas funções na mesma empresa com a demissão coletiva e a recontratação via terceirização

2- Prevalência do acordo coletivo ou individual sobre a legislação trabalhista. Isto possibilita que a empresa contrate o empregado com menos direitos do que prevê a convenção coletiva da categoria ou da lei.

3- Terceirização até das atividades fim de qualquer setor

4- Parcelamento das férias em até três períodos à escolha da empresa

5- Fim do conceito de grupo econômico que isenta a holding de responsabilidade pelas ilegalidades de uma das suas associadas

6- Regulamenta o teletrabalho por tarefa e não por jornada

7- Deixa de contabilizar como hora trabalhada o período de deslocamento dos trabalhadores para as empresas, mesmo que o local do trabalho não seja atendido por transporte público e fique a cargo da empresa

8 – Afasta da Justiça do trabalho a atribuição de anular acordos coletivos e até individuais de trabalho

9 – Permite jornada de trabalho de até 12 horas seguidas, por 36 de descanso, para várias categorias hoje regidas por outras normas

10 – Acaba com o princípio de equiparação salarial para as mesmas funções na mesma empresa.
.....
A pós-senzala
Como se percebe a nova lei representa a senzalização das relações trabalhistas. Ou, para utilizar a terminologia dos tempos da pós-verdade, temos a pós-senzala; cuja defesa, importância e até mesmo favorecimento ao trabalhador – como se tal fosse possível com legislação tão cruel – foi feita de forma sofismática pelos seus apoiadores. 

A pós-senzala é isso: uma forma até mesmo pouco sutil de dizer ao trabalhador que ele é apenas uma peça dispensável e de fácil reposição na grande máquina social. 

A pós-senzala não é apenas o chão da fábrica, da loja, da cabine, do que seja: o grande perigo da pós-senzala é que vai habitar corações e mentes. 

Humilhará o trabalhador por um lado, mas o convencerá de que aquilo que lhe é apresentado constitui o único mundo a que terá direito. Assim, deve entender e se curvar. 

Como na obra l984 de Orwell “é preciso amar o Grande Irmão.”
O portal Carta Maior informa: “The Intercept Brasil examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial da Reforma Trabalhista. 

“Dessas propostas de “aperfeiçoamento”, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).”

O grande, o único objetivo da legislação aprovada é esmigalhar a classe trabalhadora, desuni-la, esgarçar sua sensação de unidade para, a partir daí e com amparo legal estabelecer que o acordado está acima do legislado.

Ou seja: criou-se uma lei defensora da não-lei. Uma lei que garante o arbítrio, o abuso, a exploração, o império da brutalidade nas relações trabalhistas. 

Regredimos a um estágio em que vale uma regra simples: “Se você não aceitar minhas condições caia fora. Tem outro querendo o seu lugar.” Simples assim.

Os trabalhadores têm consciência de que têm surrupiados os seus direitos históricos sob o manto falacioso de um discurso de que se busca a “modernidade”. 

Não vejo modernidade em panela vazia, pessoas sem futuro, angústia, sensação de desamparo. Não vejo, não consigo entender tal modernidade.

Se pudesse, gostaria de perguntar aos deputados que apoiaram a teratológica lei: “O Sr. gostaria de ser terceirizado? Gostaria de experimentar a modernidade do que está aprovando?”

Não creio que qualquer deles queira provar prato tão insalubre.
O Brasil experimenta um retrocesso como nunca se viu. Vivemos sim uma forma de ditadura. 

No trabalho experienciamos como que a situação da Primeira Revolução Industrial. Exemplo vigoroso é a permissão para que gestantes e nutrizes trabalhem em ambiente insalubre. 

Claro, fala-se num tal “atestado médico” que garantiria a segurança da mulher. Balela. Isso é apenas para assegurar que a pós-senzala terá garantia de funcionamento. 

Os atuais detentores do poder estão perpetrando atos cujos reflexos se projetarão na história com consequências brutais e cruéis. Lamentável.
Frente a isso, digo: compete ao trabalhador não reeleger, ano próximo, aqueles que aí estão: seus inimigos  e seus verdugos.