sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Maria Antonieta ou as rosas não falam



Veja esta matéria da Folha:
Licitação para compra de até R$ 121,8 mil em flores é cancelada

DE BRASÍLIA - O Senado cancelou ontem pregão eletrônico para a compra de flores que custariam até R$ 121,8 mil à instituição ao longo de um ano. A determinação foi do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que suspendeu a compra para evitar danos à imagem da instituição. 

A decisão ocorreu depois que a Folha revelou a compra dos produtos. Sem o pregão, a Casa pretende realizar aquisições individuais de flores --o que não implica, na prática, em redução de custos. A legislação permite que órgãos públicos façam pequenas compras sem licitação, desde que não ultrapassem R$ 8 mil. 

A mesma decisão foi tomada pelo Ministério das Relações Exteriores, após a Folha mostrar que o Itamaraty pretendia adquirir arranjos florais no valor de até R$ 461,1 mil.
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A leitura da notícia dá-me a sensação, estranha, de que nossas autoridades habitam um mundo especial, onírico, flutuante, literalmente cor de rosa. Chego mesmo a supor que, por insólita magia, Maria Antonieta assessora tais pessoas na elaboração de seus festivais e convescotes. Trata-se, não tenho dúvida, de um mundo à parte, bastante diverso do cotidiano cinzento, pesado, o mundo do povo.



https://www.google.com.br/search?q=maria+antonieta&client
As ruas estão fervendo de reclamos, mobilizações, gritos, protestos, e os deputados pensando em comprar... flores. Entendo que haja até mesmo solenidades em que isso seja necessário. Bons modos, claro. Mas, precisa mesmo de gastar tudo isso?

Ninguém percebe que as ruas dão recado claríssimo de que as entranhas sociais se revolvem? Não, parece que não.



Talvez, quem sabe, se algum dia os protestos chegarem a ponto de ebulição eles sigam ao pé da letra os ensinamentos de Maria Antonieta e digam: “Se o povo não tem pão que coma brioche.” 

Deputados e Itamaraty precisam entender que cinismo não é bom conselheiro. E que a realidade do seu jardim é bem diversa da encontrada na selva das ruas e das favelas, dos becos e cortiços. E que a penca de problemas do povo pode se transformar num grande abacaxi


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Ligue a TV e escolha seu medicamento

A persistirem os sintomas procure um médico...

Na televisão são muito comuns anúncios de medicamentos, seguidos da advertência que dá título a este artigo. No Brasil a TV assumiu um papel de grande relevo especialmente por dois motivos: primeiro, o televisor é um bem de consumo durável ao contrário do jornal; após lido o que interessa não terá mais qualquer utilidade; segundo, a maioria dos brasileiros não tem dinheiro para outra forma de lazer que não seja assistir televisão.
http://www.google.com.br/imgres?hl=pt-BR&safe=off&client=firefox-a&hs
 Isso atribuiu ao veículo TV em nosso país um grande poder já que a televisão, com seu discurso de apelo direto, assumiu o papel de instituição prescritiva, ou seja: de alguma forma determina formas de comportamento, dita moda, induz compreensões de mundo.

Resultado: a publicidade médica tomou a televisão como parceira e a transformou em consultório. Mais resultado: celebridades como Pelé passam a recomendar esse ou aquele produto de uso medicinal, pelo simples fato de que estão associados à sua figura. Pelé anunciava um composto chamado Vitasay, como se fora Vitasay o elemento responsável por sua excelente forma física, o elemento potente que havia garantido a seus músculos a capacidade para chegar onde chegou. Não era verdade. Pelé tinha talento e exercitou-se muito para se manter em forma.

Atores e atrizes mais ou menos famosos também exercitam esse tipo de medicina televisiva. E até anônimos também fazem esses anúncios. É que o poder televisivo foi de tal forma construído, que a publicidade médica, mesmo feita por anônimos, passa por serviço; aquele remédio não está sendo "vendido", você está sendo "informado" de que comprando um determinado comprimido ou xarope ou qualquer-coisa-por-aí, estará tomando um bom medicamento. 

É aí que entra, muitas vezes, a advertência, na verdade uma matreirice para livrar o fabricante de qualquer responsabilidade: "A persistirem os sintomas procure um médico". Espere aí: você é induzido a tomar uma beberagem qualquer para se curar, depois a tal beberagem não faz efeito e somente então você deve ir ao médico? Há aí algo que varia entre o insano, o surrealista e o perverso.

O insano é você ser induzido ao consumo de uma droga por alguém não qualificado; o surrealista é a forma com que a dramaturgia publicitária envolve numa atmosfera quase que de sonho a promessa de cura; o perverso é que muitas vezes a pessoa vai mesmo comprar aquilo simplesmente porque não tem plano de saúde, o sistema público de saúde não funciona e o coitado não tem dinheiro para uma consulta particular.

Estranho país esse, onde medicina é vendida pela TV. Não foi proibido anúncio de cigarro e de bebidas alcoólicas fortes? Por que também não se proíbe essa medicina televisiva?


E se você tem mania de ver e acreditar em tudo que se passa na televisão já sabe: a persistirem esses sintomas procure um médico...