sábado, 8 de dezembro de 2007

Vamos falar com Drummond

Caros amigos,
Circula na net uma foto comovente: ao lado da estátua de Carlos Drummond de Andrade, no Rio, um homem pobremente vestido, tendo ao lado um saco plástico, desses de supermercado, conversa com a imagem do poeta. O flagrante mostra-o gesticudando, indicador apontado, como se estivesse defendendo um ponto de vista ou pedindo uma opinião.

O modo como a estátua foi esculpida, dá-lhe impressionante poder de humanizar-se; parece mesmo um homem, calmo, olhando a paisagem urbana, intensa e colorida do Rio, ou, quem sabe, pacientemente ouvindo uma conversa.

Tocou-me, a foto. Aquele brasileiro, bêbado ou louco - quem sabe as duas coisas - representou, ao meu olhar, uma enternecedora e trágica visão do nosso povo. Do nosso povozinho, da nossa patriazinha, como diria Vinícius.

Simplezinho, pobrezinho, aquele homem se dirigia à estátua como quem conversasse com alguém de sua total confiança, trazendo na expressão da face a manifestação de um gesto íntimo de decepção, de emoção intensa e sofrida: um desabafo, uma cobrança. Dava a impressão de referir-se a um terceiro. Talvez reclamasse a respeito deste terceiro, mas tudo feito de forma cordata. Pela express~çao facial, era uma reclamação sem intenção de confronto. Uma exigência de desculpas, quem sabe mesmo a súplica por um pedido de perdão.

E Drummond, em seu saliente silêncio de bronze, mas com um olhar tão humano e tão compreensivo, ouvia pacientemente aquelas palavras e, quem sabe, em sua placidez de estátua não lhe estaria, de algum modo, dizendo o que fazer.

Talvez somente um poeta morto, e sua estátua, transformada em oráculo, nos possa dizer o caminho e indicar as pedras que nele estejam. Talvez, aí, o Brasil encontre seus passos.
Emanoel Barreto

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

O destino missionário de Xuxa

Caros Amigos,
O JB On Line trouxe um questionamento da maior importância aos seus leitores: quer saber se Xuxa deve se dedicar aos jovens. Já pensou? Importantíssimo: tanto a pergunta, quanto a dedicação de Xuxa aos jovens. Ela, que já tanto bem faz às nossas crianças, deveria agora, missionária e sã, voltar seus atributos intelectuais e éticos em favor da juventude que, coitada, à falta de uma líder como aquela expressiva figura midiática, está perdida, sem saber o que fazer.

Esse tipo de jornalismo, é óbvio, é da maior importância, uma vez que trata de questão de vital essencialidade para todo o País: a participação expressiva de Xuxa em favor das grandes causas, vez que ela é líder nata e, historicamente, tem-se postado ao debate, na discussão dos grandes temas.

Ironias minhas à parte, é claro que o JB quis saber mesmo é se se o leitor-internauta entenderia o momento atual como o mais propício para Xuxa buscar inserir-se no nicho de mercado formado pelo consumidor juvenil. É sabido que ela já praticamente esgotou o filão infantil e em mais uns breves anos estará cumprido o seu ciclo como apresentadora. Mas aí, questiono ainda assim: por que valorizar tanto essa figura, a ponto de pedir opiniões a respeito de seus próximos passos mercadológicos? Por que um jornal perder tempo com isso, quando há assuntos e temas sérios a ser tratados junto ao seu leitorado?

Quando o jornalismo se encaminha para a fatuidade, para a exaltação dos faits divers, especialmente se força um questionamento, como é o caso, está prestando um desserviço ao leitor. Mais que isso, está prestando um desserviço à sociedade, que certamente espera ver, nas páginas, coisas de jornal mais, digamos, consistentes.

Sei que o JB deu fez uma viragem editorial que prioriza a informação espetacularizada; basta ver a diagramação de sua primeira página, e seu conteúdo visual, muito colorido e com o título do jornal em azul. Mas, de alguma maneira, deveria manter em nível mais alto as discussões que propõe a seu leitorado. Infelizmente os tempos mudaram e o velho JB já não é mais o mesmo.
Emanoel Barreto

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Cobras criadas

Caros Amigos,
O Senado Federal cobriu-se de vergonha, ao garantir o mandato do seu ex-presidente, Ranan Calheiros. Contra todos os indícios de quebra do decoro parlamentar, em questão de minutos ele foi absolvido e o processo mandado a arquivo. Pergunta-se: até onde chegaremos, com um Senado assim? Até quando o povo poderá ser achacado com procedimentos desse tipo? Ao que tudo indica, per omnia seculum seculorum...
O ofidiário do Senado, sem dúvida, já estava orquestrado em mãos ocultas, espertalhonas, de quantos as mergulharam no charco do parlamento poluído. O caso Ranan Calheiros é apenas um, mais um, a refletir que tipo de cultura política está firmemente enraizada na vida pública do País. O jogo de interesses, a troca de favorecimentos, facilitações e insidiosas práticas, volta a ser o marco profundamente encravado, ferindo largamente a honradez e respeitabilidade nacionais.
Com isso, permanece e se alastra a desconfiança no que se convencionou chamar de classe política. Isso ofende a cidadania, macula a fé no desempenho dos representantes e os torna como que um bando um quadrilha, a atacar com ferocidade incomum valores éticos, e a devastar, com gênio assombroso e prodigiosa desfaçatez, o respeito e a retidão.
A Nação foi, mais uma vez, vilipendiada. Por favor, um minuto de silêncio.
Emanoel Barreto