sábado, 9 de julho de 2011

Pesquisando na net encontrei este texto de Geneton Moraes sobre a Joel Silveira, a Víbora.

O DINOSSAURO JOEL SILVEIRA EVOCA O POETA : "DEUS EXISTE, MAS NÃO FUNCIONA"

Eis a víbora : foto de JOANA PASSI DE MORAES
esparramado numa poltrona na sala deste apartamento na rua Francisco Sá,quase no limite entre Copacabana e Ipanema,Joel Silveira acompanha com um certo ar de enfado o telejornal da TV a cabo.O peso dos oitenta e três anos é visível no olhar mortiço. O aparente cansaço diante do desfile de horrores planetários e provincianos no telejornal não impede o velho repórter de soltar imprecações contra –por exemplo – o Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Quando o presidente FHC aparece no no vídeo,Joel não resiste :

- É o tipo do presidente que sabe falar mas não sabe dizer .Fala mas não diz.Nunca vi falar tanto,sobre qualquer assunto.Aparece mais na TV do que anúncio de Coca-Cola.Tenho a impressão de que todo dia,ao acordar,logo de manhã,Fernando Henrique se vira para um assessor e pergunta : “Por favor,qual é o mote de hoje ?”. O assessor diz -por exemplo- “indústria siderúrgica”.E aí ele se dana a falar sobre indústria siderúrgica o dia todo.Um dia depois,muda de mote.Assim por diante,até o fim dos tempos.
Desde o ano passado , Joel brinda os leitores da “Continente Multicultural” com as tiradas ferinas do “Diário de uma Víbora”. .Não foi por acaso que Joel recebeu de Assis Chateaubriand o título de “víbora” : um de seus esportes prediletos sempre foi destilar veneno e ironia em doses industriais. Em artigo que entrou para a história do jornalismo brasileiro, pintou,com palavras elegantes e irônicas,um retrato devastador das grã-finas paulistas,na década de quarenta.
Num país em que tantos títulos são injustamente atribuídos , o rótulo inventado por Chateaubriand para definir Joel é um exemplo de justiça. Além do apelido de “víbora”,Joel carrega também um título que o acompanha há décadas – o de “maior repórter brasileiro”. Se algum entrevistador fizer menção a este título honorífico ,Joel balançará a cabeça como se estivesse contrariado com o possível exagero,mas,na hora de dormir,quando for trocar confidências com o travesseiro,terá de admitir que a homenagem não soa de forma alguma despropositada.

Pouquíssimos repórteres já cultivaram, como Joel,uma paixão tão inabalável pela reportagem. Nunca quis ocupar os cargos –eventualmente bem pagos – que se ofereciam,tentadores,na retaguarda das redações. Sempre fez a opção preferencial pelo “mundo exterior” . Porque desde cedo aprendeu que a boa reportagem precisa ser caçada na rua,feito touro bravio. Faz mea culpa quando se lembra dos períodos de tempo que extraviou na retaguarda das redações,como burilador de textos escritos por outros repórteres :
- Os chefes mandavam que eu transformasse cinco laudas em dez linhas. Tinha de cumprir a ordem. Eu deveria ser preso : já fui assassino de textos alheios.
Poucos terão –como Joel - um texto que reúne com tanta maestria Jornalismo e Literatura. A nossa víbora descreveu assim a cena que viveu depois de sair do Palácio do Catete,no Rio de Janeiro,ao fim de uma tentativa frustrada de entrevista com Getúlio Vargas :
- "Lá para a meia-noite,entrei no Danúbio Azul,um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas,desde que existem mundo e manhãs de abril".
Pergunta-se : em que jornal ou revista se lêem hoje textos dessa qualidade ? A resposta é um silêncio ensurdecedor.Joel pode exercer aqui e ali um lirismo que já rendeu páginas memoráveis,mas nunca abandonou o gosto pela maledicência.Adora falar mal de da fauna humana – aí incluídos personagens perfeitamente inofensivos,como,por exemplo,os alpinistas,os turistas e os tocadores de cavaquinho.
É pura implicância.Cheio de certeza,constata :
-“O cúmulo do ridículo, beirando o grotesco,é um marmanjo, gordo e barrigudo, tocando cavaquinho”....

Adiante ,pergunta,a sério :
-Pode existir coisa mais idiota do que um alpinista ? Por que é que eles não pegam um avião,meu Deus do céu ? Por que não vão de helicóptero ? Pra que subir naquelas montanhas,se eles poderiam ver tudo da janela de um avião,no maior conforto ?

Provoco a víbora. Quero saber quem ele não levaria sob hipótese alguma para uma ilha deserta,se fosse condenado a passar o resto da vida isolado do mundo :
- Eu não levaria João Gilberto de forma nenhuma,com aquele violãozinho,uma coisa horrorosa. Aliás,o melhor talvez fosse deixá-lo numa ilha deserta,sem violão ! Assim,eu poderia ir embora. Não entendo o fenômeno João Gilberto : é um dos mistérios que minha inteligência não consegue alcançar. Eu até me esforço para entender tanta idolatria,porque ,como sou repórter, gosto de saber das coisas.Mas confesso que não consigo.
Joel nunca morreu de amores por um ex-colega de redação que entraria para a galeria dos brasileiros notáveis do Século Vinte :
- Eu nunca disse que não gostava de Nélson Rodrigues.Apenas convivi pouco com ele. Fomos colegas de redação.Gosto da peça “Vestido de noiva”,mas a verdade é não nos entrosávamos. Uma vez,eu estava escrevendo alguma coisa - escrevo depressa na máquina, porque no fundo sou mesmo é um bom datilógrafo.De repente, Nélson Rodrigues caminha em minha direção,fica parado diante de mim com um cigarro pendendo na boca e exclama: “Patético !”. Em seguida,foi embora,em silêncio. Quando acabei de escrever, fui até a mesa de Nélson – que batia à máquina com dois dedos – e fiz a mesma coisa. Fiquei em silêncio vendo-o escrever.Depois,disse,simplesmente : “Dramático ! ”. Fui embora. Nosso único diálogo resumiu-se a estas duas exclamações – “patético” e “dramático”.

Depois de seis décadas de jornalismo, que outros tipos a víbora Joel incluiria na galeria nacional do ridículo,além dos tocadores de cavaquinho gordos e alpinistas ?
- Eu incluiria o turista numa Galeria Internacional do Ridículo.Porque o turista é de um ridículo sem par. De bermuda, cheio de máquinas penduradas no pescoço,suando em bicas, é roubado a toda hora nos restaurantes. Ridículo é também o velho que quer parecer moço- aquele que pinta cabelo, rebola e faz uma operação plástica por mês.

Joel vai fazendo confidências nesta tarde em Copacabana. Diz,por exemplo,que ouviu uma confissão de fraqueza de um dos maiores cronistas já surgidos no Brasil,Rubem Braga - um amigo do peito que até hoje lhe dá saudade. Os dois – Joel e Braga – foram correspondentes de guerra na Europa. Joel resolveu dar de presente a Rubem Braga um exemplar de um livro clássico de Stendhal – “O Vermelho e o Negro” . Semanas depois,Braga confessa a Joel que não conseguira de forma alguma passar da página noventa e dois do livro.O motivo :

- Rubem me disse que tinha interrompido a leitura porque o livro tinha personagem demais.E ninguém ficava parado....

Joel confessa que nunca conseguiu chegar ao final de “Os Irmãos Karamazov”,a obra-prima de Dostoievski. Agnóstico,alista-se entre os que concordam sem vacilar com o que disse o poeta Murilo Mendes :
-Deus existe,mas não funciona.

Cinco da tarde. É hora de dar um descanso ao guerreiro.Depois de tanta pergunta,peço que a víbora responda a um mini-interrogatório.São apenas cinco as dúvidas que quero tirar. É claro que ele aceita a proposta.Lá vai:


1
GMN : Quem foi a celebridade mais idiota que o senhor conheceu ?
Joel : “Deus me perdoe,mas foi o Papa Pio XII.Fui a uma audiência com ele no Vaticano.Diante do nosso grupo ,ele disse :”Brasileiros ? O português é uma bela língua. “Sabia” é do verbo saber. “Sábia” é uma mulher inteligente.”Sabiá” é um pássaro”. Que idiotice !”.
2
GMN : Se fosse escrever uma autobiografia,que fato vexaminoso o senhor faria questão de esconder ?
Joel : “Uma vez,em Roma,depois da guerra,vi Ernest Hemingway tomando conhaque sozinho num bar que ele costumava freqüentar.Fiquei em dúvida sobre se deveria abordá-lo.Fui ao banheiro remoendo a dúvida.Quando voltei,ele já tinha ido embora.É um dos meus grandes fracassos profissionais.O pior que poderia acontecer seria levar um soco de Hemingway.Nesse caso,pelo menos o lead estaria garantido”.
3
GMN : Se o senhor fosse nomeado ditador de Sergipe,qual a primeira providência que tomaria ?
Joel : “Proibir a entrada de João Gilberto no Estado. Já seria um bom começo.Não existe nada tão chato quanto a Bossa-Nova”.
4
GMN : Qual a cena mais grotesca que o senhor já testemunhou ?
Joel : “Não precisa ir longe.Basta desembarcar num boteco qualquer do Rio numa noite de sábado.Repito : não existe nada mais grotesco do que um sujeito barrigudo e suado tocando cavaquinho”.
5
GMN : De quem o senhor não compraria um carro usado ?
Joel : “Não quero parecer ranzinza,mas alguém pode me dizer para que servem os alpinistas ? Por que aqueles idiotas não pegam um avião para olhar as montanhas do alto,em vez de tentar a subida ridiculamente amarrados em cordas ? . Eu jamais compraria um carro de um alpinista.Não se pode confiar em seres que não têm senso de ridículo”.
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(2002)
Posted by geneton at março 17, 2004 11:31 AM
Leio na Tribuna esta notícia lamentável. Abaixo, comento.

Apenas três grupos podem garantir ida ao Festival em SP

A edição deste ano do maior evento brasileiro sobre folclore e cultura popular, realizado há 47 anos na cidade de Olímpia interior de São Paulo, presta homenagem aos grupos potiguares, mas os oito grupos do RN convidados para o Festival de Folclore ainda não garantiram presença por falta de apoio para custear o transporte. O símbolo oficial do evento em 2011 será o galinho branco, que representa o folclore e o artesanato Norte-riograndense, e o grupo que ilustra o cartaz oficial é o Pastoril Dona Joaquina, de São Gonçalo do Amarante, que ainda não sabe como chegará até o Sudeste.
DivulgaçãoEm reunião com Mestre Dedé e Aldair, prefeito Jaime Calado garante R$ 6 mil para gruposEm reunião com Mestre Dedé e Aldair, prefeito Jaime Calado garante R$ 6 mil para grupos

Os três grupos mais próximos de carimbar os passaportes para São Paulo receberam ajuda de custo do Sesc Catanduva (SP), no valor de R$ 19 mil, mas o recurso é insuficiente para cobrir as despesas com passagens aéreas e transporte terrestre - entre Campinas e Olímpia - do Boi Calemba Pintadinho, também de SGA; e dos Caboclos e o Rei do Congo, ambos do município de Major Sales, e o jeito foi procurar ajuda da prefeitura de São Gonçalo do Amarante para tentar reverter a situação.

"Estivemos reunidos na manhã desta sexta-feira com o prefeito Jaime Calado, de SGA, e conseguimos mais seis mil reais de apoio e figurino novo", comemora Lenilton Teixeira, um dos representantes do Boi que acompanhou o encontro. "Agora vamos procurar a Fundação José Augusto para ver se completamos esse dinheiro", disse. Para tudo sair nos conformes, o grupo precisa de, no mínimo, mais seis mil.

"As famílias são humildes e estão se preparando há meses para o Festival. Tem gente deixando de comprar a mistura do almoço para comprar roupa de frio. Será muito injusto se não conseguirmos ir", afirmou Cleber Teixeira, 32, brincante do Boi. "Até ontem (quinta-feira), antes dessa reunião aqui na prefeitura, estava dando a viagem como perdida. Mas ainda não podemos comemorar", frisou.

A previsão é que a caravana para Olímpia seja formada por 280 pessoas, de 22 municípios, levando na bagagem a culinária, o artesanato e as principais manifestações populares.

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Os políticos, quando se fazem eleger, impõem-se a esse coletivo a quem chamamos povo. Mas o fazem sob o alarde de grandes campanhas publicitárias, ações de marketing voltados às agendas positivas, discursos de glória e autoexaltação: são bondosos e atendem ao que lhes pedem os sofredores de filas e outros males que o Estado brasileiro sabe criar como ninguém. O exemplo é essa malsinada Copa do Mundo, que vai sugar bilhões de reais de políticas sociais em favor dos cofres da Fifa e empreiteiras quejandas. O dinheiro da Copa de alguma forma está faltando a esses grupos culturais.

Essas pessoas, que mantêm vivas tradições, são grupos de resistência cultural. Deveriam ser estimulados. Ao contrário, parecem estar pedindo esmola, um favorzinho, percebe? Assim, vão de porta em porta, sem saber o que lhes acontecerá. Mas, o povo foi treinado para isso mesmo: seguir de porta em porta, sem saber o que lhe acontecerá. É triste, mas é a verdade.


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Um micróbio no Senado

Caminhava pela Deodoro ontem quando vi inusitada cena, momento indescritível quase. Meu amigo Pancrácio, que gosta de ser conhecido e reconhecido como o homem mais ocioso do mundo, passava por lá. Nada de mais não fosse o fato de estar deitado em enorme cama em cujos quatro cantos havia varais. Assim, a cama era na prática uma liteira. Em cada varal dez homens. Quarenta ao todo garantiam o sossego e a preguiça de Pancrácio. Seguiam em marcha lenta. De cada lado desse estranho veículo duas filas de lindas núbias sustentavam sobre Pancrácio enormes leques, daqueles que a gente vê em filme de paxá, lembra?
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Mas o pior ainda estava por vir: atrás da cama ambulante vinha outra cama, essa completamente vazia. Pois bem: quando vi a arrumação gritei ao meu amigo e Pancrácio fez sinal a sua equipagam, que parou. Quis saber do que se tratava e ele fez um sinal. Isto posto, uma grandiosa cadeira, tipo um trono, apareceu como que por encanto, também levada por quarenta homens. Nela fui sentado e a louca procissão seguiu em frente. 

Gente de todo tipo nos olhava. Perguntei novamente a Pancrácio o que era aquilo e ele me explicou: estava ali em cortejo e se dirigia à Fortaleza dos Reis Magos a fim de pegar um avião para ir a Brasília, deixar um grande amigo seu que tomaria posse como senador. Tratava-se de um suplente que assumiria a vaga, por morte, do ocupante original. Onde está o suplente?, indaguei. Está ali, na cama que nos segue. Olhei só para confirmar e vi a cama vazia. 


Mas Pancrácio insistiu: o suplente de senador está ali e vai tomar posse. Deixei de lado por um momento essa questão do suplente e questionei: Mas a Fortaleza não é aeroporto. Como vai pousar um avião lá? 

Explicou Pancrácio: Não vão destruir o Machadão? Confirmei: Vão sim.

Pois bem, disse ele: ficaremos na Fortaleza para onde toda a metralha será levada. O Forte será todo coberto com a metralha e será um campo de aviação. Uma mente privilegiada descobriu que o Forte ou Fortaleza, como queira, é muito velho e não presta para nada. Assim, para algo servirá.


Mas vocês vão esperar até que o Forte seja coberto? A destruição do Machadão nem começou... 

Rebateu Pancrácio: Problema não: será construído um hotel onde nos hospedaremos até que a grande obra de destruição do Machadão esteja completa.

Mas, "nós quem", meu amigo? 

Disse Pancrácio: Naquela cama, colega, está um elogiável e digno ser. Ali está um micróbio. Por isso você não o vê. Mas ele foi eleito suplente de senador. Como é o micróbio da peste-negra é um homem de arroubos. Assim, não suportou a espera e infectou o senador. Pronto: o idiota morreu. Com a morte daquele, o micróbio tornou-se o legítimo dono do cargo. 

E o que fará um micróbio no Senado?, quis saber.


Grandes coisas, meu amigo. Grandes coisas. Fará leis que protegerão os micróbios, impedindo que os laboratórios fabriquem remédios ou vacinas. Os antibióticos serão banidos de todo o território nacional, haverá grande morticínio, peste e doenças de todo o tipo. Isso incentivará a criação de funerárias e muitos concursos para coveiros e isso é muito bom. Fará, da mesma forma, leis que vão equiparar os senadores corruptos aos micróbios e eles serão realmente intocáveis. 


Mas, Pancrácio, você acha isso bom? Um micróbio no Senado?


Meu caro, não se espante. Há mais micróbios no Senado do que sonha nossa vã filosofia. 


Eu desci da cadeira ambulante e Pancrácio seguiu em direção ao Forte. Dizem que, nesses dias, começam a destruir o Machadão.

Corrupção à tripa-forra

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Excelente a matéria da Tribuna do Norte a respeito dos supersalários no Rio Grande do Norte. A situação registrada é claro indício de que há todo um esquema histórico para concessão desses pagamentos. É coisa antiga, enraizada nos usos e costumes da administração pública do Estado. Lendo a matéria você entenderá. Os supersalários estão no IPE e na Tributação. Por que isso? Por que esse povo ganha mais que os outros, chegando alguém a ter pagamento de mais de 60 mil reais?

O governo tem aí uma boa oportunidade de estancar essa sangria. Isso é corrupção à tripa- forra. Tenho certeza de que se o jornal levar adiante um trabalho cuidadoso, detalhado, preciso, conseguirá trazer à tona tudo, tudo o que se passa no IPE e na Tributação. Há algo de podre, muito podre, no reino dessa Dinamarca. Senão, como se explica que um auditor fiscal aposentado ganhe o salário de mais de 60 mil reais, como diz a matéria? Ou que um auxiliar de serviços diversos embolse mais de 20 mil por mês? Há algo de podre no reino dessa Dinamarca.

 Abaixo, a matéria da Tribuna. 

Maioria dos supersalários está no IPE e na Tributação

Maria da Guia Dantas
Repórter

É no âmbito do Instituto de Previdência dos Servidores do Rio Grande do Norte (IPE), da Secretaria de Estado da Tributação (SET) e também da Polícia Militar o maior número de contracheques com salários acima do teto constitucional permitido para o serviço público, que atualmente é de R$ 27,7 mil (remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal). A informação é resultado de auditoria que está em andamento na folha do governo do Estado e que deve ser concluída nos próximos 60 dias. Informações preliminares das quais teve acesso à TRIBUNA DO NORTE dão conta de remunerações (valor bruto) que chegam a R$ 62.916,39, como é o caso de um auditor fiscal aposentado desde 1980, cujo salário é o mais alto do estado.

alex regisMiguel Josino afirma que haverá proposta para definir tetoMiguel Josino afirma que haverá proposta para definir teto

Um auxiliar de serviços diversos, com lotação na Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (Fundac), é dono de uma remuneração invejável de R$ 21.000,69. Com o abatimento de empréstimos e descontos diversos o salário mensal passa a ser de R$ 12,4 mil. O curioso é que o vencimento básico do servidor é de apenas R$ 713. No contracheque de junho deste ano ele contabiliza, para abastecer o montante salarial, horas extras que somam R$ 8.103,16. O funcionário da Fundac também faz jus a um "complemento salarial temporário" de R$ 3.904,73.

O secretário chefe do Gabinete Civil, Paulo de Tarso Fernandes, afirmou que o governo enfrentará o problema e pedirá ressarcimento, caso seja constatado algum tipo de ilegalidade. Ele observou que é preciso levar em consideração garantias adquiridas pelos servidores e reajustes nos salários decorrentes de decisões judiciais. Mas deixou claro também que o teto salarial é regra para todo o país e não deve ser diferente no caso do Rio Grande do Norte.

As decisões judiciais destacadas pelo secretário podem ser percebidas com mais contundência nos demonstrativos financeiros dos auditores fiscais, os detentores dos mais vultosos salários. Um exemplo disso é que nos contracheques de dois dos servidores (ambos aposentados), dos quais teve acesso a reportagem, é especificada um ""gratificação de prêmio de produtividade inativa" de R$ 19.468,00. Um deles dispõe duas vezes do mesmo valor, ou seja, um "prêmio de produtividade por decisão judicial" dá a ele outros  R$ 19.468,00 para ampliar a remuneração. O funcionário aposentado do fisco, campeão salarial do Rio Grande do Norte, é agraciado ainda com um adicional por tempo de serviço de R$ 6.180,44, cujo montante é novamente dobrado por força de decisão judicial. A TN tentou entrar em contato com o Sindicato dos Auditores Fiscais do RN, mas não obteve êxito.

No caso da Secretaria de Saúde Pública (Sesap), o exemplo mais emblemático é de um assistente técnico, lotado no Hospital Deoclécio Marques, em Parnamirim, cuja remuneração mensal (bruta) é de R$ 21.905,57. O salário básico deste servidor é de R$ 912,49. Chamou atenção, ainda, um auxiliar de tesoureiro aposentado que recebeu no contracheque de junho deste ano  R$ 120.859,91 na condição de "proventos atrasados".

Os levantamento preliminares indicam que são aproximadamente 440 funcionários do Estado que gozam de condição privilegiada, com remuneração que ultrapassa o limite definido pela Constituição.

Processo contra aumento é distribuído

A Ação Civil Pública (ACP) interposta pelo Ministério Público para contestar os reajustes nos vencimentos dos procuradores da Câmara Municipal de Natal (CMN) foi distribuída somente ontem para a 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal. O processo já encontra-se no Tribunal de Justiça, aguardando encaminhamento, desde a semana passada. Os promotores de Defesa do Patrimônio Público questionam o aumento superior a 1.000%, em três anos, nos contracheques dos procuradores da CMN. O juiz Geraldo Antônio da Mota ficará responsável pelo caso até a próxima semana, quando retorna à 5ª Vara da Fazenda Pública o juiz auxiliar, Airton Pinheiro. Ainda não há previsão para o primeiro despacho do magistrado.

Os promotores relataram, no processo, que alguns procuradores recebem hoje mais do que a prefeita de Natal, que tem salário de R$ 14 mil. Em menos de três anos, a remuneração desses procuradores aumentou de R$ 1.500,00 para R$ 18.765,00.

Os promotores pedem na Justiça o ressarcimento integral dos valores que os procuradores da Câmara receberam mais do que o salário da chefe do Executivo da capital potiguar. Na ação, o Ministério Público pleiteiateto.

O processo é longo. Até agora já são 235 páginas divididas entre a denúncia dos promotores e alguns documentos que foram anexados aos autos. O Ministério Público amparou toda acusação no fato de que o teto para os servidores do município é o salário da prefeita. "Em que pese a Carta Magna impor como limite remuneratório aos servidores municipais o subsídio do Prefeito, as fichas financeiras acostadas ao inquérito demonstram que alguns procuradores legislativos do Município do Natal estão ganhando remuneração até 30% acima daquela percebida pela Prefeita", escreveram os promotores. Foi relatado que em 2010, os procuradores Dijosete Veríssimo da Costa Júnior e Eriberto da Costa Neves alcançaram a remuneração de R$ 18.765,00 e R$ 17.939,52, respectivamente. "Nos municípios, a remuneração dos servidores municipais estará limitada à remuneração do Prefeito, que, por sua vez, obedecerá o limite geral, que é o subsídio dos Ministros do Supremo (STF)", escreveram os promotores na denúncia.

A principal argumentação do Ministério Público na acusação é que os procuradores, como servidores públicos municipais, não pode ter o teto remuneratório equiparado ao de desembargador do Tribunal de Justiça, mas dos servidores do município. "Diga-se de passagem que, a despeito de integrarem os quadros da Câmara de Vereadores, o estatuto jurídico aplicável aos Procuradores Legislativos é o mesmo aplicado aos demais servidores municipais", ressaltaram os promotores.

Procuradoria fará análise de cada contracheque

A Procuradoria Geral do Estado (PGE) está orientando a Secretaria de Administração e Recursos Humanos (Searh) - órgão responsável pela auditoria na folha de pagamento do governo - a instaurar um procedimento administrativo para analisar todos os casos separadamente e proceder os devidos ajustes. A intenção é enviar à Assembleia Legislativa uma mensagem governamental que fixe um teto estadual para os salários. Não se sabe ainda se o limite máximo será o subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça, que é de R$ 26,5 mil (o mais provável),  ou a remuneração recebida pela governadora Rosalba Ciarlini (DEM), que atualmente é de R$ 12,5 mil. O procurador geral do Estado, Miguel Josino Neto, disse que se estuda ainda a possibilidade de se adotar o parâmetro federal, que é subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal, que é de R$ 27,7 mil.

"Queremos assegurar a todos o contraditório e a ampla defesa", assegurou o procurador. Miguel Josino destacou que a intenção é que os processos sejam concluídos em um curto espaço de tempo, sobretudo porque o Estado espera pleitear a devolução dos valores que porventura tenham sido recebidos pelo funcionalismo em descompasso com o que prevê a lei.

O procurador assinalou que os servidores que tiverem os salários identificados como sendo acima do teto permitido serão notificados para prestarem esclarecimentos e, após constatada a ilegalidade, serão chamados a devolverem os valores. "Caso esse procedimento não seja possível através de consenso nós iremos requerer o ressarcimento dos valores pela via judicial", emendou Miguel Josino, que informou ainda da intenção do governo de investigar possíveis casos de improbidade administrativa.

Tão logo seja constatada a infração o pagamento do montante alvo de contestação será suspenso, segundo o  procurador. "Será analisado caso a caso e nós já estamos designando uma equipe para tratar desse assunto", reforçou.

A ex-governadora Wilma de Faria chegou a enviar um projeto de lei à AL para definição de um teto salarial no Estado. A proposta não foi acatada pelos parlamentares e acabou na gaveta.

terça-feira, 5 de julho de 2011

RAY CONNIFF-DANCING IN THE DARK - Fred Astaire e Cyd Charisse


De Leonardo Boff, na Carta Maior, transcrevo:

Crise terminal do capitalismo?


Leonardo Boff

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.

A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.

A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.

O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.

Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal 12% no país e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas, mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.

A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.

Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.

As ruas de vários países europeus e árabes, os “indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: “não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumossacerdotes do capital globalizado e explorador.

Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da superexploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.
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A cara do crime na face da lei

A desarticulação de quadrilha de policiais militares traz a nu realidade que, aqui acolá, se desvencilha das amarras dos segredos da corrupção e explode em escândalo: o uso do aparelho público para fins privados. E isso em área que envolve funcionários públicos sob cuja proteção, em tese, está a sociedade. Funcionários públicos armados e que deveriam exatamente combater o crime se organizam para fins criminosos.

Temos, lamentavelmente temos, a tradição corrupta de uso do público pelo privado. A prática, permita-me, da safadeza como norma; o gesto, entenda, do crime como manifestação de esperteza gratificante; o lucro, é triste, a partir do que seria inegociável. 


Agora, numa ação firme do Comando da própria Polícia Militar em conjunto com o Ministério Público, temos a defraudação exposta e a sujeira escorrendo na sarjeta. Temos a denúncia da corrupção do que seria privado tornado em situação de furtivo, às escondidas, com o uso da autoridade para garantir a segurança de empresários. 


Urgente e necessária a atitude das autoridades. Agora, esperamos que o gesto, a captura dos infratores venha a ter desdobramentos. A impunidade seria inaceitável e incentivo a que tais atos voltem a ser perpretados. 



A respeito do assunto, informa o Diário de Natal:

Uma operação desencadeada na manhã de ontem pela polícia e Ministério Público Estadual (MP) resultou na prisão de 12 policiais militares e três empresários - dentre eles um sargento, um major e um tenente-coronel - nas cidades de Assu, Mossoró, Pendências e Paraú. A ação foi baseada em nove meses de uma investigação conjunta feita pela própria Polícia Militar e por um grupo de promotores de Justiça, que descobriu um esquema de pagamento de propinas em troca de serviços de segurança para empresas privadas.


Comandante-geral, coronel Araújo explica que acusados usavam estrutura da corporação para segurança privada Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press
Denominada "Batalhão Mall", a operação envolveu mais de 80 homens e 11 promotores e cumpriu todos os mandados de prisão que haviam sido previamente expedidos, além de seis mandados de busca e apreensão. O nome da ação faz referência à "venda" dos serviços realizados pelos policiais, lotados 10º Batalhão da PM (baseado em Assu), em troca da propina que teria sido paga pelos empresários. A investigação flagrou homens desse batalhão usando viaturas e armas da Polícia Militar, além de estarem fardados, em escoltas a pessoas que realizavam serviços bancários para lojas e segurança de postos de combustíveis de Assu, além de segurança 24 horas em alguns locais.

Dentre os presos, está o tenente-coronel que comandava o 10ª BPM, o major responsável pela companhia de polícia de João Câmara e nove soldados. Alguns deles também foram flagrados retirando combustível das viaturas para carros particulares dentro do próprio batalhão. Segundo o comandante-geral da PM, coronel Francisco Canindé de Araújo, a investigação aponta inúmeras falhas dos policiais. "Há vários indícios e provas de que os policiais estavam utilizando a estrutura da Polícia Militar em favorecimento próprio, o que é crime", explicou ele. Ainda de acordo com o coronel Araújo, a sessão de inteligência da PM também participou dos nove meses de investigação, juntamente ao Ministério Público.

Dentre as acusações apontadas pelo Ministério Público na operação, através dos promotores de justiça que compõem o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime (Gaeco) e o Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (Nucap), estão corrupção passiva e ativa, utilização da máquina pública e escolta ilegal, transporte irregular de valores. Os mandados de justiça cumpridos na operação foram expedidos pela Auditoria Militar do Estado, órgão ligado à PM, e pela Vara Criminal de Assu.

Batalhão mall - presos:

- Rodolfo Leonardo Soares Fagundes De Albuquerque, dono de posto de combustível;

- Pedro Gonçalves Da Costa Junior, supervisor geral da rede da Nossa Agência;

- Erinaldo Medeiros De Oliveira "Bebé", dono de posto de combustível em Assu;

- Wellington Arcanjo De Morais, tenente-coronel da Polícia Militar e comandante do 10º BPM;

- Carlos Alberto Gomes De Oliveira, major da Polícia Militar e ex-subcomandante do 10º BPM;

- Francisco Xavier Leonez, sargento da Polícia Militar;

- Manoel Xavier Leonez, soldado da Polícia Militar;

- Jocélio Sandro Bezerra, soldado da Polícia Militar;

- Emerson Dantas Lopes, soldado da Polícia Militar;

- Francine Nogueira Da Silva Júnior, soldado da Polícia Militar;

- Glauco Vasconcelos De Morais, soldado da Polícia Militar;

- Dário Martiniano Bezerra Filho, soldado da Polícia Militar;

- Demétrio Rebouças Torres, soldado da Polícia Militar;

- Iukatan Jefferson Da Silva, soldado da Polícia Militar;

- José Nilton Dos Santos, soldado da Polícia Militar.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Abaixo, bela reflexão da professora Josimey Costa a respeito do jornalismo.


A comunicação, o ensino e as pessoas no mundo
Profª Drª Josimey Costa da Silva

Aos formandos de Comunicação Social

Radialismo e Jornalismo - março de 2008

UFRN

          A primeira vez em que pensei em dizer o que vem a seguir foi em 2000, quando fui convidada para ser paraninfa, mas não cheguei a proferir o discurso. Havia, à época, uma noção muito distorcida do que significa ser um profissional da comunicação neste estado e qualquer pessoa, como eu, que criticasse quando necessário as práticas de profissionais e de empresas da comunicação causava uma certa ansiedade. Tanto que fui convidada e logo depois desconvidada... Mas guardei o discurso! E como se pode lucrar com o tempo, haja vista a venda de segundos pela televisão, acredito mesmo que lucrei, pois os tempos hoje são outros. Hoje posso falar e os alunos que aqui se formam podem ter certeza de que isso não vai tirar um emprego sequer de nenhum deles. Há mais espaço para a crítica, há muito mais liberdade para fazer diferença porque o campo da comunicação no Rio Grande do Norte está mudando. E muito.
Queridos alunos, que me permitiram experimentar um gosto que eu não tive no passado, muito obrigada por tão gentilmente me homenagearam com o convite para ser sua paraninfa. Aprendi muito com o seu caminhar os primeiros passos do jornalismo e do radialismo e por tudo o que vi e ouvi, só posso dizer que tenho muito orgulho de vocês, dos alunos que foram e dos profissionais que, com certeza, serão.
Depois disso, posso dizer, enfim, algo sobre o nosso campo de estudo e de trabalho.
As sociedades humanas são fundadas na comunicação. Entre os humanos, é na comunicação, no olhar de um ser para o outro, que toda a condição de humanidade se estabelece. Somos humanos porque nos reconhecem assim, porque nos reconhecemos como seres iguais a outros, também considerados humanos. Portanto, sem comunicação, não há vida humana. É a comunicação que nega a insularização primordial, essencial de cada ser humano.


 A palavra comunicação, do ponto de vista etimológico, é o que pertence a todos ou a muitos. Comunicar, portanto, é o ato de tornar comum, fazer saber. Mas bem a propósito, a acepção “tornar comum” vem em primeiro lugar, e a razão pode ser encontrada buscando-se as raízes da palavra ação: ato, efeito, obra. Comunicação, assim, deve ser entendida como aquele ato de tornar comum que visa a uma nova ação. É assim que entendo a comunicação, e é essa a concepção que quero partilhar com todos aqui, especialmente com meus ex-alunos, hoje colegas, vocês que são o motivo maior da minha presença neste momento. 


A comunicação é cultura e vice-versa. Mas o que tem isso mesmo a ver com o ensino numa universidade? É óbvio que as universidades não existiriam sem comunicação social. Não existe educação sem comunicação. Não existem aulas, não existem livros, não existem professores nem alunos sem a comunicação. E o quê as universidades têm feito pela comunicação humana?


         As primeiras escolas superiores eram cooperativas de alunos. Alunos que eram senhores maduros, oriundos de centros de comércio, interessados em conhecimento geral, na época chamado de essências universais. Nada dessa moçada universitária que a gente conhece hoje, portanto.
No século 13, universidades de eruditos desenvolveram-se em organismos jurídicos com estruturas administrativas bem definidas. Essas estruturas geraram a massa crítica de pensamento fundamental para o surgimento do Renascimento e do Iluminismo como renovação da cultura humana.
Numa universidade contemporânea, se repassa o saber discursivamente formulado e se transforma cada uma das esferas da experiência humana num saber racional, assegurando-se a sua utilização técnica. Nessa confluência entre o saber e a sua utilização é que reside a essência da universidade atuais.
Na universidade, deve-se questionar, principalmente, a dimensão institucional da comunicação e dos meios, e não somente a dimensão instrumental. Deve-se buscar uma formação crítica, um conhecimento dos princípios do saber para além das suas meras aplicações. As aplicações puras são do âmbito do saber técnico. O saber mais amplo, que insere a técnica no contexto social e cultural, na dimensão humana: isso é o saber universitário.
Assim, o papel da universidade não é apenas produzir técnicos de nível superior. A universidade tem responsabilidade numa formação mais humanística, e não somente para o desenvolvimento de habilidades técnicas e de conhecimento desvinculado do agir social.
Hoje em dia, temos escassas oportunidades de refletir sobre o que fazemos e sobre como o fazemos nestes tempos em que se vive, simultaneamente, todas as dimensões contraditórias da história, nestes tempos em que as horas se transformam celeremente em segundos. Se as universidades formam profissionais capazes de refletir e atuar nos processos da comunicação - ou seja, no próprio cerne da vida social - poderemos intervir conscientemente na construção do mundo em que vivemos, na sociedade em que estamos inseridos. Poderemos, efetivamente, dirigir os nossos destinos.
Utopia? Talvez. Especialmente se continuarmos a trilhar o caminho que já estamos seguindo. Fazer pensar, levar a conhecer não é fácil, nem se consegue de qualquer jeito. As sociedades humanas evoluíram a tal ponto que o construir o conhecimento e conhecer o próprio processo de conhecimento são aventuras cada vez mais complexas. No mínimo, é preciso condições adequadas para o conhecimento florescer. No caso das universidades, espaços físicos, laboratórios, instrumentais, equipamentos. É indispensável, também, a presença daquela figura, que entra na constituição de qualquer ser humano adulto letrado contemporâneo: o professor. O professor ainda e sempre, é necessário, pois ele tem uma função importante a desempenhar na construção do conhecimento e na utilização social desse conhecimento, segundo princípios que não podem jamais se dissociar de um agir ético. Ele tem a responsabilidade de introduzir humanidade no processo do ensino-aprendizagem.
         Ética é o ramo do conhecimento que pondera sobre a conduta humana, estabelecendo os conceitos do bem e do mal, numa determinada sociedade, em determinada época, mas segundo princípios universais de respeito à vida. A ética também pode ser entendida como o exercício de um olhar sobre si com vistas ao agir moral. Através dela, se pode analisar e aprofundar os fatos morais dos quais podem ser deduzidas as regras para o comportamento humano. 
O pensar ético parte do princípio de que todo homem, espontaneamente, deve saber o que é bom e o que é mau, que ações devem ser praticadas, e quais não. Isso seria próprio da natureza do homem. A política visa o bem comum; a ética política visa os meios de se atingir esse bem comum. 


         Podemos pensar que, hoje, a comunicação social é ditada grandemente por interesses comerciais nos veículos de massa; que as universidades têm suas própria existência ameaçada pelo risco de se tornarem apenas fábricas de técnicos de nível superior; que a ética serve principalmente para a elaboração de códigos inócuos de um exercício profissional questionável; que a sociedade, enfim, desaba numa indesejável entropia excesso de individualismo. 


Mas eu prefiro um exercício de otimismo crítico. Vocês sabem, o pessimista diz que é possível, mas muito difícil. E o otimista diz que é muito difícil, mas perfeitamente possível. Eu sou desse time.


Qualquer sistema como uma sociedade, ou um sistema de comunicação, são estruturas muito complexas. Envolvem diversos elementos em correlação constante e sua existência e desenvolvimento estão em dependência direta da sua capacidade de reformulação contínua. Há, na própria natureza desses sistemas, uma capacidade de aut-eco-organização que surpreende muitas vezes os analistas, os experts, ao abrir rumos em direções inesperadas. As disputas eleitorais são exemplares nessa área.


Agora, mesmo, estamos vivendo uma discussão importantíssima sobre o que é a comunicação pública. Em 2000, essa discussão não passava dos discursos não lidos dos professores universitários. Hoje está em todos os jornais, nas agendas da câmara e do senado federal. São ou não são tempos novos e muito mais estimulantes? E isso nada mais é do que reorganização. 


É justamente na reorganização que cabe uma ação ética por parte de todos nós. A ação que visa o bem comum é que pode alterar a marcha da entropia e reorganizar os sistemas responsáveis pela nossa existência. Isso não é utópico, não é só teórico, nem está distante de nós. Isso diz respeito a cada um que está aqui, a mim e aos concluintes, a quem me dirijo especialmente.


         Sejamos éticos no agir. Lembremo-nos de que a comunicação visa a ação comum, e a sobrevivência de cada um e de todos depende de visarmos, com essa comunicação, o bem comum. O que nós fazemos como comunicadores necessariamente tem efeito social e nos cabe uma responsabilidade enorme por isso. Não nos enganemos imaginando que nossos atos só dizem respeito a nós mesmos, que o nosso trabalho só deve beneficiar a nós mesmos e que o resto do mundo é o resto. Só existimos porque esse mundo existe. Por isso, ele não é o resto. O mundo somos nós. Nós o afetamos tão profundamente quanto ele nos afeta.


         Portanto, sejamos éticos no ensinar, sejamos éticos no aprender, sejamos éticos no comunicar, sejamos éticos no viver. Não entendo vida de outra forma. E não poderia desejar nenhuma outra coisa a vocês.