sábado, 31 de julho de 2010

Uma profunda discussão sobre cousas mui sérias


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Nobres e errantes divagações com um gorila e um papagaio
Emanoel Barreto

O macaco e o papagaio que me visitaram há poucos dias, voltaram. Pessoas circunspectas, desceram de um tílburi, cruzaram o pequeno bosque de tílias que circunda a minha vivenda, que é casa retirada, ancestral e mui avoenga, dirigindo-se ao vestíbulo.

Recebi-os com uma mesura e manifestei augusta alegria com a nova entrevista. "Entrem, cavalheiros". Uma criada recebeu suas cartolas e as depôs em conveniente local de chapelaria. Homens de finesse, manifestaram gentil fidalguia quando mandei lhes servissem um  porto.

Tinham, como supunha, cousas sérias a tratar. O macaco, gorila de modos dignos, logo revelou o que os trazia a mim: o papagaio estava sendo acusado de ser francês. Como se sabe, franceses são defensores de estranhas medicinas, ateus de muitos deuses, proferem impropérios contra o rei e contra a Coroa, acreditam que um dia haverá máquinas que maquinam. Sim, pessoas francesas praticam obscuras cousas, cousas indomáveis - o que quer que isso signifique.

Assim, sob acusação tão tremenda, o papagaio já fora aprisionado em um bergantim, do qual se safara com a ajuda prestimosa do gorila, que à época era alto comissário da Real Força Armada de Goa. Aportanto acá, logo a pecha de ser francês o acompanhara. "O que fazer?", perguntaram-me, sob inquietante angústia.

Só há um jeito, sugeri. Digam-se animais. Animais não têm pátria. Portanto, não podem ser apodados de qualquer gentílico. Mas como, manifestaram-se surpresos. "Homens é que somos. Integrantes da gentil e munífica espécie humana".

Como advogado que sou, expliquei-lhes que isso seria apenas uma manobra processual. Corrido o processo, o litígio que impetraria em seu favor, provaria que, além de humanos, nem o papagaio nem o gorila seriam tidos como franceses, caso alguém quisesse apor o labéu de francês também ao macaco. Preventivamente, o processo englobaria os dois.

Ficaram satisfeitos. Então, acalmados os temerosos ânimos de meus dois convivas, passamos a falar de coisas amáveis, dos trópicos, das velas dos grandes navios bailando ao mar e nos esquecemos de que no mundo há pessoas que são acusadas de ser francesas.

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