sábado, 7 de fevereiro de 2009

Foto: Luiz Cruvinel
As mãos sujas e a honradez canalha
Emanoel Barreto

Junto com o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), líderes partidários costuram uma saída honrosa para o novo corregedor da Casa, Edmar Moreira (DEM-MG), envolto em denúncias. O acordo, já fechado, o afasta da corregedoria, mas o mantém na Mesa Diretora, como segundo-vice-presidente.

O deputado é investigado pelo STF em inquérito aberto em 2007, por apropriação ilegal de contribuições ao INSS feitas por seus empregados. Ele também é acusado de omitir da sua declaração de bens um castelo em Minas, que está à venda por R$ 25 milhões. Além disso, Moreira é dono de uma empresa de segurança que é executada judicialmente na 21ª Vara Cível de São Paulo por não pagar empréstimo de R$ 1,9 milhão feito no Banco do Brasil.

.......

Os trechos acima pincei nas coisas de jornal da Folha.

Agora, uma coisa, estamos falando de um deputado ou de um bandido? Salvo engano de minha parte, creio que devemos marcar a segunda opção. Feito isto, uma segunda pergunta: o que nos leva e dar a um homem desses a condição de parlamentar, habilitá-lo a caminhar pelos meandros do Poder, tomar decisões e imiscuir-se nos negócios públicos?

Suponho que a resposta não caberia num artigo jornalístico, mas num alentado trabalho acadêmico, o que não é a proposta deste Coisas de Jornal. De qualquer forma, vejamos: não estamos tratando de caso isolado, mas situação endêmica na vida político-social do Brasil.

O que acontece no micro, no cimo da pirâmide, onde habitam as elites, reflete o que acontece no macro, no todo social e histórico.

Somos uma sociedade onde o jeitinho, o passar-a-mão-na-cabeça, o primeiro-os-meus, são padrão, norma não escrita, mas cumprida à risca, tratado não estabelecido, porém regra do cotidiano. O honrado, o cumpridor das leis, termina por ser visto como o toleirão, aquele a quem se pode, e até de deve, explorar.

Isso infiltrou-se de tal maneira no modo brasileiro de vida, que tornou-se "natural". Fazer aquela pequena contramão, coisa pouca, de cinco ou dez metros? Vamos fazer. Afinal, são apenas uns metrinhos que facilitarão a preguiça, a vida e a irresponsabilidade. O guarda não viu, ninguém reclama... Então, façamos a contramão.

De forma reducionista, mas clara, está explicado o caso do deputado castelão. E, por decorrência, toda a ganância incontrolável, esse impulso quase genético que leva o nosso povo a aceitar como normal a improbidade, que tornou-se comum. Mas, não é por ser comum que deve ser normal.

Finalizando: o pior é que ainda vão encontrar uma "saída honrosa" para um homem que desconhece o que seja a honradez. E depois dele virão muitos outros, como muitos outros vieram antes. A frouxidão moral e ética espojou-se no Brasil e dorme eternamente em berço esplêndido.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009


Povo besta quer jogar

Emanoel Barreto

Enquanto o Walfredo Gurgel é um depósito de doentes, almas que penam, atiradas ao chão ou sofrendo em macas, Natal quer um estádio de futebol para a Copa do Mundo. Enquanto a zona norte é rasgada por dores e tragédias, assaltos, mortes, gente que passa fome, Natal quer um estádio para a Copa do Mundo.

Ruas esburacadas, praias contaminadas, a lastimável rede de ensino, o lençol freático cheio de nitrato, nada disso comove ninguém. E aí, Natal quer Copa do Mundo.

A insensatez, a loucura, a ganância, a deplorável ingenuidade do povo, incham o fermento. Natal quer Copa do Mundo. Quer um estádio, que agora é chamado de "arena". Bom nome, muito bem escolhido.

O povo não sabe, mas, como no tempo dos gladiadores, se esse intentona tiver êxito, não serão os jogadores quem nessa arena estará entrando. Será a própria ignorância, a insensatez parva e desdentada que estará chegando ao campo. E como os gladiadores, dirão: "Ave, César, os que vão morrer te saúdam."

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O tempo, o relógio e o salto...
Emanoel Barreto

Saltar sobre o pequeno abismo de todos os dias.
Trazer no olhar a neblina.

Saber que o instante é forma homeopática da eternidade;
que habita, e sempre volta ao mesmo ponto, no permanente
mapa do relógio.

O tempo foi inventado pelo tédio,
que nos ensina a girar
com os ponteiros,
como se alguma coisa fosse se mudar.

Não muda. E o salto é, então,
a tentativa vã dos que vão, vão vão...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009


As cores e o cinza
Emanoel Barreto
Sharbat Gula
foi fotografada quando tinha 12 anos
pelo fotógrafo Steve McCurry,
de passagem pelo Afeganistão.
Na segunda foto,
feita 17 anos depois,
a imagem da vida,
que mesmo em cores, é nefasta e cinza.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O Grande Irmão
Emanoel Barreto

A força do tirano - A foto da Reuters mostra o ditador da Coréia do Norte, Kim Jong-il em visita a uma central energética, sem que seja mencionada a data. O motivo são os rumores de que ele estaria com a saúde abalada. Em outras palavras, está doente com risco de morte.

O fato é emblemático. O poder absoluto, a ditadura sobre corpos e mentes, gera no poderoso a sensação de que é indestrutível, sensação que se transmite a seus súcubos. Essa indestrutibilidade seria tamanha, que nem mesmo a condição humana seria fator a ser levado em consideração.

O poderoso se apresenta e é visto como dotado de poderes supra-humanos. É ele que tem a clarividência política, sabe os rumos e toda a sociedade deve pensar como ele. Qualquer desvio é criminoso. Trata-se, claro, de uma farsa, que somente se sustém até o ponto em que nela se acredite. Desfazendo-se a crença e havendo condições de força - leia-se capacidade de enfrentamento armado - para encarar o tirano, ele cairá.

Mas, enquanto isso não acontece, continua a burla, cruel, grotesca, brutal. Mas o tirano é apenas um homem e um dia essa condição se apresenta. E quando chegam a doença, a velhice, o fraquejar do organismo, não há força político-policial que o garanta.

Entra então em jogo a falsificação da realidade via imprensa, imprensa controlada pelo sistema de poder do ditador, como se isso fosse garantir-lhe vida eterna. Mas, a vida do poderoso é como as demais vidas: é eterna enquanto dure. E parece que na Coréia do Norte as coisas não são diferentes.