Esquentai vossos pandeirosEmanoel BarretoChegou a festa, a cuíca zurra sua sua cantiga bárbara, lúbrica, luxuriosa - e geme; o cavaco solta acordes finíssimos, agudos como ponta de florete; surdos marcam, profundos, o ritmo que alucina; tamborins são sopranos em ária sensual; caixas atiram-se para a frente cantando a liturgia do prazer e mulatas flertam com o desejo agarrado às suas ancas. É o Brasil em festa. É o carnaval como fascinante sagração do desvario. E os pandeiros entoam seu ritmo feiticeiro. Chegou a festa. Somos a civilização de Baco, somos o povo feliz. Feliz por quatro dias, feliz pela ilusão criada de sermos felizes por exatamente quatro dias. Samba, suor e cerveja são nossos deuses lascivos; com eles iremos até o fim. Até que o último arquejo licensioso se cale, até que a última gota esgote o jato libertino. Vamos ser felizes, vamos ser felizes por quatro dias. Viva o Brasil. Viva essa alegria louca que confunde mas aplaca, que excita mas acalma, palpitando o coração por mais loucura. Viva o Brasil. Viva o carnaval. Viva a mulata que esconde nos quadris a imoderação e todas as suas delícias.........E Walter Medeiros chega, da cavaco e tamborim.Zé Pereira Walter MedeirosPortuguês danado,Cabra sem enfado,Pela vida inteira.Viva o Carnaval,Que tanto admiro,Mas já me retiro,Não me levem a mal.Viva aquele samba,Feito por Martinho,Que canto baixinho,Querendo ser bamba.Viva a lembrança,Do pó, do confetti,Caetano, Zé Kéti,Serpentina e lança.Viva Paulo Maux,Nosso eterno Rei,Nunca esquecerei,Mas sei que passou.Viva nossos clubes,De lindo passado,Que está gravado,Não há quem derrube.Viva uma saudade,Cá neste meu peito,De amores sem jeito,E de felicidade.
O capital quer dinheiroEmanoel BarretoTrabalhadores e pobres do mundo inteiro estão apreensivos: o capital tem fome. Depois da farra financeira dos bancos americanos, gente que não tem nada a haver com isso está pagando a conta. Paga com desemprego, medo de perda do emprego e paga com dinheiro que o Estado encaminha às empresas para sustentar exatamente o culpado pela crise instalada: o capital. Do mesmo modo que o chamado socialismo real apresentou a face cruel daquela formulação socialista, os fundamentalistas do mercado agora são chamados pela história a dar seu depoimento: está desfeita a máscara e o mercado mostra que não é nada daquilo que se dizia: elemento resolutivo para qualquer imprevisto econômico, agente coletivo dinâmico cujas forças internas tinham condições quase divinas para demarcar rumos.O que se vê é uma situação mundial perversa, com o Estado sendo chamado às pressas pelas empresas a fim de lhes garantir sobrevivência. É uma espécie de chantagem: se isso não for feito, a falência do sistema levará de roldão milhões de pessoas ao desespero e estará instalado o caos total. Ou seja: é preciso salvar os muito ricos, a fim de que os pobres consigam pelo menos uma tábua de salvação - já que o transatlântico do capital não comporta ocupantes de segunda classe.
Os podres PoderesEmanoel BarretoA genial charge de Angeli, na Folha, representa literalmente a perversa e monstruosa política brasileira. Câmara e Senado formam uma entidade acima, além e adversa ao ser coletivo a que chamamos povo. Muitos homens e mulheres bem remunerados, mimados por privilégios que envergonhariam a qualquer pessoa decente, trabalham ininterruptamente em proveito próprio. Alguém dirá: "Ah! Mas não são todos." Claro que não são todos. Mas a estrutura, o cerne congressual é embolorado por outro ser também muito nosso conhecido, a corrupção e esta, de alguma forma, inclui em seu abraço largo até os bem intencionados. Corrupção aqui em sentido amplo, abrangendo decisões que beneficiam grupos, toldam direitos dos trabalhadores e enegrecem o sentido ético da política. Quer ver? Basta lembrar as decisões partidárias que obrigam até mesmo os bons a se curvar ante interesses tenebrosos, estarrecedores. As elites e seus interesses dominam o Congresso e dele se valem como coisa própria. Daí porque a validade da charge, com alto poder de fogo editorial. Com a intenção típica das charges, ela se utiliza do humor sátiro e corrosivo para demonstrar os podres dos Poderes. Faz-nos rir, mas faz-nos também lamentar.
O lindo perigo de viverEmanoel BarretoEle ali, ante tão grande e belo abismo.A perplexa manifestação do que é viver.