Os planos do Projeto Folha e
o pirralho Kim Kataguiri
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A presença ofensiva de Kim
Kataguiri entre os articulistas da Folha de S. Paulo além de ser uma
contribuição do jornal à campanha pelo impeachment da presidente Dilma
insere-se numa proposta basilar do Projeto Folha, iniciativa que é desenvolvida
desde 1984 e que visa assegurar ao jornal uma posição hegemônica na imprensa
brasileira. A tal proposta basilar é a seguinte: instaurar um vínculo de amor/ódio
entre o jornal e os leitores.
Vou explicar: a propositura está
centrada na provocação do leitorado com quem o jornal busca manter uma relação desafiadora
e cínica. Trata-se, na verdade, de um plano, um processo, um procedimento
calculado e que objetiva investir contra o leitor para, como que numa ação de engenharia
reversa, prendê-lo ao jornal pela repulsa.
Quem justifica claramente tal
atitude é o jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva, que já andou
pela UFRN como professor convidado há uns bons anos, meados dos anos 1970.
Silva foi um dos mentores mais
ortodoxos e enlevados do Projeto Folha, e no livro “Mil dias: seis mil dias
depois” (Publifolha, 2005), detalha como age o jornal ao sovar o leitor para
paradoxalmente fidelizá-lo.
À página 143 ele fala com
entusiasmo a respeito do processo deflagrado pelo jornal e diz: “Uma última
observação sobre as perspectivas do futuro do projeto deve ser feita. É sobre a
relação de amor/ódio que o jornal tem cultivado com o seu leitor. Em todos os
sentidos, trata-se de uma postura que só pode ser positiva em termos tanto de
mercado como de influência política.”
E continua: “Um veículo de
comunicação que seja apenas benquisto pela sua audiência, acaba se tornando
desinteressante, monótono, previsível. A relação amor/ódio é muito mais
provocante, recompensadora e condizente com um público sofisticado e crítico.”
Salienta à página 144: “Sua
maior qualidade possivelmente é a agressividade editorial que lhe propicia um
papel inegável de liderança. Mas essa liderança, que resvala para a provocação ao
leitor muitas vezes intencional, pode acabar passando dos limites.”
E complementa: “O leitor deve
amar/odiar o jornal. Mas não pode só odiar. A Folha tem arrostado a opinião pública seguidamente. Não há melhores
exemplos que as coberturas da doença e morte de Tancredo Neves e da Copa do
Mundo de Futebol de 1986”.
Em ambos os episódios o jornal
saiu-se com noticiário cujas manchetes desfaziam da figura de Tancredo – então líder
circunstancial dos brasileiros ainda traumatizados com a ditadura – e atacavam as
dirigentes da seleção brasileira e suas artimanhas para ganhar a simpatia dos árbitros
a favor dos nossos jogadores. Foi um choque. Do jeito que o jornal queria.
No caso de Tancredo as pessoas
indignadas falavam em falta de respeito; no caso da seleção torcedores chocados
referiam ausência de patriotismo. O jornal aproveitava-se de momentos nevrálgicos
para tirar partido do amor/ódio.
Quanto à lógica da lucubração o
Projeto Folha está dito à página 130: “A lógica não é ética nem política. É apenas
mercadológica. O jornal não pretende falar em nome de toda a sociedade ou da ‘opinião
pública’, mas somente falar a todos os grupos que constituem o seu leitorado. Se,
em decorrência disso, a sociedade melhorar, tanto melhor para todos.”
As palavras, sem meios termos, dão uma ideia bastante exata do sarcasmo do
projeto e da forma condenável como tem-se desenvolvido ao longo do tempo.
Silva, aparentemente, acredita com sinceridade que que a “ética mercadológica”
é algo dignificante e deveria reger os passos da história. Lamentável.
Então, em consequência disso, temos
agora a presença de Kim Kataguiri figurando entre os articulistas do Grupo
Folha. Enquadra-se totalmente no estratagema
do amor/ódio. Lembra-me 1984, de George Orwell ou algo assim. Chega a ser
assustador.
O jornal consegue visibilidade, dá
estocadas no leitor e, com isso, valoriza-se como espaço de sociedade civil. Àquele,
dizem as melhores tradições, deveria apenas comparecer gente com capacidade de efetivamente
analisar o quadro histórico de forma respeitável, mesmo que fosse expressando
pensamento conservador – conservadores também têm o direito de se manifestar e
fazem parte da sociedade civil.
Mas o objetivo é esse mesmo :
criar um clima de ebulição, gestar um personagem inconsequente e boquirroto e
sacudir o vespeiro. Depois, bom, depois a criatura é descartável e pode ceder o
lugar a alguém que realmente merecesse ocupá-lo.
Só que talvez então se possa dizer: “O Brasil não merece – nem precisa – de um jornal como a Folha.”