sábado, 19 de junho de 2021

A toalha maldita que fez um menino virar ladrão

Por Emanoel Barreto

Diário de Natal, um sábado qualquer de 1975. O repórter Pepe dos Santos, o bam-bam-bam do jornalismo policial tinha saído para uma matéria importante e eu, um foca sem graça, fui mandado a uma delegacia fazer uma matéria, qualquer matéria. “É só queda de bebo, Barreto. Só pra fechar a ronda nas delegacias”, disse Alexis Gurgel, editor de polícia, barra-pesadíssima, competente até os pés.

 “Queda de bebo” era a expressão que significava matéria besta, sem futuro, coisa menor do submundo do crime e da vagabundagem. Eram relatos curtos, publicados numa coluna chamada Ronda, sem sequer assinatura.

 Peguei o carro e desci. “Descer” queria dizer sair da Avenida Deodoro, onde ficava o Diário, seguir ladeira abaixo e ir parar na Ribeira, a Cidade Baixa. Fui à Roubos e Furtos ou melhor: à Delegacia de Roubos, Furtos e Defraudações. 

Falei com o delegado, ele deixou-me ir à carceragem, mas avisou: “Só tem um marginal. E marginal escarradeira”, ou seja: bandido sem moral no crime, ladrão de roupa em varal, lanceiro. Aquele tipo que aproveitando um descuido da vítima dava um “lance”: metia a mão no que estivesse perto pegava e corria.

 Pois bem: o marginal era um sujeito esguio, pequeno, manhoso. Sentei no chão ao lado da grade e ele contou que tinha dado um azar danado quando furtava nem sei mais o quê, e uma radiopatrulha que passava o havia metido na chave.

 Anotei a lorota e já ia saindo quando ele me chamou: “Quer uma história legal para você fazer munganga no jornal?” Eu disse que sim e ele contou o seguinte: “Quando eu era menino minha mãe tinha o maior medo do mundo que eu virasse ladrão. Ela já tinha notado que eu andava perto da casa de dois velhos, um casal. Eu vivia olhando muito pelas janelas da tal casa. Ela notou a minha intenção e avisou:  ‘Não se meta com eles que eles são catimbozeiros. Se pegarem você, comem seu figo.’ Fiquei com um medo danado e por uns tempos não cheguei perto dos velhos.”

E continuou: “Mas, um dia, notando que há tempos eles não apareciam na porta da casa criei coragem e entrei lá. Invadi a casa dos velhos. Era uma casa escura, feia por dentro, e saí batendo pelos escuros. Senti um cheiro ruim e pensei: ‘Tão fazendo catimbó.’ Segui no rumo da catinga e entrei no quarto dos velhos. E aí tive uma visage, a coisa pior do mundo. Tavam lá os dois. Tavam deitados na cama, um do lado do outro. Cheguei mais perto e vi que estavam mortos. Dei um pulo e saí correndo feito um doido.”

 “Somente parei em casa, o coração quase saindo pela boca. Minha mãe perguntou o que tinha havido e eu disse que tinha ido na casa dos velhos e eles tavam fazendo catimbó. Minha não disse: ‘Tá vendo?’, e completou: ‘E o que você tá fazendo com essa toalha enrolada no pescoço?’”

“Somente aí notei: na carreira em que eu tinha vindo uma toalha do varal da casa dos velhos tinha se enrolado no meu pescoço. Acho que foi mesmo  catimbó. Aquela toalha me fez virar ladrão.”

 Foi a única e miserável história que apurei naquele sábado. Voltei à redação;  não quiseram publicar. Caíram na gargalhada e eu fiquei ali, parado, meio tonto. 

 Hoje lembrei desse caso. E sabe que era mesmo uma boa matéria? A toalha maldita que fez um menino virar ladrão. E agora, vendo os ladrões de gravata, penso: será que eles também não eram meninos que queriam roubar coisas em casa de velhos catimbozeiros? Acho que eram, eram sim: meninos ladrões com toalhas enroladas no pescoço, mas hoje respeitáveis políticos e ladrões.