sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Na novela eleitoral, tem pouca gente prestando atenção

"Nunca é tão fácil perder-se como
quando se julga conhecer o caminho."
Provérbio chinês

Os jornais têm noticiado os baixos níveis de audiência do horário eleitoral. Em comunicação de massa é preciso que exista, entre o formulador da mensagem e seu destinatário, empatia suficientemente forte por parte do comunicador para que se forme um vínculo entre emissão e atenção. E isso não está acontecendo. O que no Brasil se convencionou chamar de classe política passa por um momento histórico que coloca o candidato na condição muito mais de suspeito do que sujeito interessado em lutar pelo bem comum.

Além disso, informam os jornais que também é baixo o índice dos que se decidem pelo voto a partir da propaganda pela TV ou rádio. Desta forma, baixa empatia e pouca audiência formam um complexo que obriga o político a buscar votos na rua, com passeatas e caminhadas. O discurso de mídia tornou-se peça acessória.

A mensagem televisiva, em sua formulação histórica, aparentemente esgotou ou esvaziou em muito seu potencial de persuasão e sedução. Mais claramente: o político brasileiro acostumou-se a se apresentar ao eleitorado como aquele que estende a mão e dá um pão. Todos anunciam o que fizeram, o que continuarão a fazer, as metas que descortinam. São os mecenas das dádivas com o dinheiro público.

Esse tipo de discurso traz embutida uma mensagem que pode ser assim entendida: o político é aquele ser vocacionado, voltado para os interesses populares. Tanto, que se anuncia como um grande fazedor, um realizador nato, dinâmico, arrojado e íntegro. Do outro lado da TV ou do rádio, parada, pedinte, silenciosa, uma espécie de cidadania passiva, sempre a esperar que o grande líder, o condutor, lhe estenda aos pés obedientes o caminho que o povo, por incompetência, jamais poderia descobrir por si só.

O horário eleitoral tornou-se uma coisa insuportável. Ou melhor, como todos operam de alguma forma o mesmo discurso, alterando-se apenas a forma de cada um o fazer, a insuportabilidade tornou-se tão afilada, tão aperfeiçoada, que terminou por afastar o eleitor.

É preciso entender que o eleitor, quando está na condição de telespectador, tecnicamente é audiência. E o programa eleitoral é também, tecnicamente, um programa, como outro qualquer. Se na sua formulação falham a empatia e o carisma do candidato, do mesmo modo que numa telenovela ou num jornalismo mal feito, o eleitor-audiência, ante a impossibilidade de mudar de canal, simplesmente desliga o televisor, vai ver um vídeo ou DVD ou, se tem TV a cabo, vai para os canais pagos.

De fundo, um grave problema: exatamente o fato de a cidadania ser vista como algo a ser disputado, uma coisa a ser possuída pelo político. Para o político, a cidadania é algo a ser manipulado, atraído, reformatado emocionalmente, a fim de se transformar no produto que ele mais almeja: o voto.

Mas, como a classe política está, muito justamente, em baixa, o palanque eletrônico não funciona como seus atores esperavam. Mas eles sabem: mesmo sendo histriões, alguns serão escalados para o próximo capítulo da história, ganhando um papel a ser desempenhado, às vezes vergonhosamente, no governo, na câmara ou no senado.

quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Comunidades criminosas: quando o orkut incentiva o bandido

"Hoje é muito difícil não ser canalha.
Todas as pressões trabalham para o
nosso aviltamento pessoal e coletivo."
Nelson Rodrigues

Apesar de todos os esforços do Ministério Público, a representação brasileira do Google nega-se a prestar informações a respeito de sites de relacionamentos que reúnem criminosos. Certamente alega-se a liberdade de expressão, para impedir a ação da Justiça. Assim, conforme Nelson Rodrigues, fica, realmente, muito difícil não ser canalha.

Revela-se também outro aspecto perverso: a incapacidade que o Estado brasileiro tem, via Ministério Público ou Poder Judiciário, de enfrentamento a grandes grupos econômicos, como é o caso do Google.

Na China, o Google aceitou passivamente a censura do Estado, não permitindo que chineses que acessam seu mecanismo de busca tenham o direito de procurar informações que o governo considere como contrárias ao interesse nacional.

Sintetizando: o Google, por interesses mercadológicos, rendeu-se à censura da China, ganhando um grande público; aqui, alegando liberdade de expressão, não permite que sejam retirados da net os grupos que se comunicam com intenções criminosas.

Assim, no país da desordem, vale a ordem para garantir que tudo fique como está: os bandidos se comunicando impunemente, a comunicação servindo à disseminação do crime.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Farmácia está vendendo cachaça. E supermercado está vendendo osso de primeira. Você vai perder essa oferta?

"Assim como há uma rua Voluntários da Pátria,
podia haver uma outra que se chamasse,
inversamente, rua Traidores da Pátria."
Nelson Rodrigues

Já vi farmácia vendendo cachaça, sorvete, guloseimas e, claro, remédios. É óbvio que isso é estranho, realmente bizarro. Só no Brasil, convenhamos. Mas, uma coisa é farmácia adicionar, como dizem os marqueteiros, um plus, um mix à sua oferta de mercadorias. Através de uma lógica absurda, eles podem argumentar dizendo que, como em farmácia só se entra por necessidade, nada melhor do que atiçar o consumismo, exibindo algo mais que remédios. Afinal, farmácia é empresa e empresa precisa lucrar. Vá lá que seja...

Agora, supermercado vendendo osso a quilo, aí já acho que chegamos às raias do inaceitável. Você pode pensar assim: mas em supermerdado já se vende mesmo carne e muitas vezes carne com osso. Por que não somente osso?

Ora, entendo, por um motivo muito simples: tal fato demonstra que o poder aquisitivo do povo está caindo de uma maneira tal que, à falta de uma carninha de segunda ou mesmo de terceira para a sopa rala, já há gente comprando somente osso.

Agora, suponho também o seguinte: deve ser osso de primeira. Ossão dos bons, para dar um caldo cheio de sustança, como se dizia no sertão de antigamente, deixando o sujeito pronto para qualquer obra.

Aliás, sobre supermercado, acho tudo lamentável. Supermercado no Brasil não vende qualidade. Seus anúncios não valorizam produtos de primeira, sabor, valor nutritivo, alimento saudável. Supermercado no Brasil vende preço. É isso mesmo. Supermercado vende preço. Todo supermercado é sempre "o que vende mais barato", "tem as melhores promoções" e "sempre dá um jeitinho para o cliente sair satisfeito."

Como se vê, é uma forma perversa de vender. E perversa porque o sistema supermercado sabe do pobre poder aquisitivo do povo, sabe que quem vive com um ou dois salários mínimos não pode se dar ao luxo de comprar qualidade, precisa e quer mesmo é preço mais baixo, mesmo que esse preço mais baixo seja só coisa de publicidade. E sabe também que a maioria do povo brasileiro vive (?) é mesmo com um ou dois salários mínimos.

E assim, enche especialmente horários de TV, com "ofertas" de "preços baixos". E o consumidor, cabisbaixo, tem de se conformar com as tais promoções. Afinal, já pode até comprar osso de primeira para o sopão da família e, se no supermercado tiver sorteio de automóvel, quem sabe ele não ganha um carrinho básico, zerado, para a família?

Nota do Editor: O problema será depois manter o carrinho, entendeu? A Petrobrás já está anunciando que vem aumento de gasolina por aí.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Páginas da vida... e sem final feliz

"Fico na frente da televisão para aumentar o meu ódio.
Quando minha cólera está diminuindo e eu
perco a vontade de cobrar o que me devem,
eu sento na frente da televisão e, em pouco tempo, meu ódio volta."
Rubem Fonseca, no conto "O Cobrador"

Dona Nely, a senhora de 68 anos que concedeu um testemunhal à TV Globo para a novela Páginas da Vida, quando abordou superficialmente aspectos de sua vida sexual, trouxe para a sua vida não um drama televisivo, mas todas as dores da realidade: após revelar como ocorrera seu primeiro orgasmo, somente aos 45 anos, perdeu o emprego de oito anos, foi ridicularizada em comunidades do orkut, teve problemas de relacionamento com o filho e a filha, está cheia de contas e de dívidas.

Como compensação, pediu um emprego de faxineira na Globo, mas recebeu como resposta que "fosse se virar." E os 300 reais que a Rede Globo lhe havia prometido pela participação, até hoje não foram pagos.

A informação é do Globo On Line, que pertence ao Sistema Globo, acrescentando que o advogado Marcos Neves deu início a uma ação de reparação por danos morais e materiais contra a TV Globo, Manoel Carlos e Jayme Monjardim, responsáveis por Páginas da Vida.

A ingenuidade de Dona Nelly foi duramente punida por confiar que seu depoimento, pelos aspectos humanos que continha, contribuiria para fazer uma ligação direta, sintonia fina com o real, que a novela supostamente tenta retratar.

Segundo a matéria o depoimento durou mais de uma hora, quando falou sobre sua vida no morro da Mangueira, seus 17 filhos (vivos apenas quatro), sua fé no espiritismo. Enfim, todo um drama, um repertório de vida, do qual foi pinçada apenas uma declaração, exatamente a que mais chocaria o telespectador.

Do modo como foi exposta, Dona Nelly ficou representada como um ser humano que oscila entre o ridículo e o grotesco, pelo fato simples de falar a respeito de sua intimidade; como se o fato de obter prazer sexual seja algo pecaminoso, portanto indigno e necessariamente objeto a ser escondido e recoberto pelo manto do falso pudor.

Novelas não são exatamente o palco mais apropriado para tratar de assuntos sérios, questionar valores, suscitar polêmicas, propor soluções a problemas sociais, como atualmente roteiristas e diretores aparentam fazer. Novelas têm por objetivo abarcar audiências, ganhar pontos sobre emissoras concorrentes e assim fixar uma publicidade veiculada a preços astronômicos em horários de pico.

É falsa a suposição, assim como é falsa a intenção dos noveleiros, de tratar a realidade, trazendo ao telespectador situações de similitude com o dia-a-dia. O drama do favelado, o tiroteio entre bandidos e polícia, tudo isso é re-tratado, estetizado, puxado para dentro do roteiro de maneira a dar a impressão de que se estão criticando problemas sociais ou existenciais.

A situação, hoje, de Dona Nelly, comprova que o aparelho televisivo cresce e se nutre das coisas da vida para, apenas isso, fazer da vida uma história, uma história rentável, vendida a grandes anunciantes.

Agora, as páginas da vida de Dona Nelly se transformaram num livro difícil de ser lido, especialmente porque a única e triste leitora desse livro será, sempre, ela mesma. E pior: é um livro de uma só pagina, que traz em poucas palavras a terrível realidade da personagem solitária em que a transformaram.

Na novela de Dona Nelly, não haverá capítulo seguinte. Muito menos final feliz.