sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Será Marcola um monge budista?

"A liberdade é defendida com
discursos e atacada
com metralhadoras."
Carlos Drummond de Andrade

A Folha de S. Paulo on line está promovendo uma enquete em que pergunta: "Você acha que, após o seqüestro do repórter Guilherme Portanova, da Rede Globo, o governo de São Paulo deve ceder às pressões da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) e extinguir o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), que impõe regras mais rígidas aos presos?"

As respostas, até quando era redigido este artigo eram: cinco por cento favoráveis aos criminosos; seis por cento se dizem "mais ou menos" a favor, enquanto oitenta e nove por cento dos votos são contrários à capitulação do governo.

A frase de Drummond se encaixa à perfeição com o momento vivido. O poderio do PCC, que agora já articula um canhestro discurso político, deplorando as condições carcerárias do País, dá bem um demonstrativo do quanto o crime organizado no Brasil está ganhando terreno e busca, por meios enviesados, adquirir simpatizantes, a partir de dois pontos: no primeiro ângulo, o discurso do convencimento pela argumentação ideológica, que encontra eco em setores da sociedade; na segunda face, a manutenção do discurso municiado, o discurso da metralhadora como forma e meio de manter sua identidade, potencial ofensivo e modus operandi ou, em outras palavras essência, liame e consistência grupal.

O que chamei de primeiro ângulo está fundado na denúncia das péssimas condições carcerárias do País, e disso ninguém pode discordar. É preciso uma reforma urgente do sistema prisional, a fim de que o apenado tenha condições de viver, de existir, enquanto dura o cumprimento de sua sentença. Não é uma questão de atender às reivindicações dos bandidos; reivindicações, aliás, feitas a partir da barbárie das rebeliões. É preciso, sim, dentro de um processo civilizatório, dar às prisões outras condições, que não as hoje vividas.

Quanto à segunda face, encontamos aí o desmascaramento dos propósitos dos bandidos que, a partir de um tratamento humanitário, querem mesmo é ampliar e consolidar ainda mais seu sistema grupal, o que, em redundância, amplia seu poder de fogo. Ou seja: a sociedade dá amparo ao criminoso, que disso se aproveita para fortalecer-se ainda mais.

O equilíbrio encontra-se no fato de que, a par de melhorar as condições de encarceramento, deve a legislação penal manter-se firme, não ceder a pressões nem intimidamentos, a fim de que, fora dos muros, as quadrilhas sejam desmanteladas e os criminosos, presos, cumpram efetivamente suas penas.

A questão do seqüestro do jornalista da Globo sinaliza muito claramente que outros atentatos do tipo deverão acontecer, não saindo de cogitação atos de terrorismo como bombas, incêndios e ataques a postos policiais e à sociedade civil em geral.

O regime disciplinar diferenciado deve e precisa ser mantido, a fim de que criminosos de alta periculosidade, como Marcola, sejam mantidos sob estrita vigilância, uma vez que sua disposição irrrevogável é manter unida e atuante a estrutura criminosa que, literalmente, administra.

Afinal, as liberdades democráticas e os direitos humanos não devem servir de cunha para aqueles que, como os criminosos, ao agir contra tais liberdades e tais direitos, não venham a se beneficiar da ingenuidade, má fé ou complacência, de quem, a pretexto de defender encarcerados, termina se voltando, aí sim, contra as liberdades democráticas e os direitos humanos daqueles que, em silêncio, sofrem os ataques, o medo, o pavor: as vítimas.

Ou alguém pensa que Marcola foi preso porque é um monge budista, e estava a um passo da iluminação?

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

O crime organizado segue a "Lei de Gérson": leva vantagem em tudo

"O jornalista não tem
amigos ou inimigos."
James Reston

O seqüestro do jornalista Guilherme Portanova, da Rede Globo, libertado após ficar 30 horas em poder do Primeiro Comando da Capital é o demonstrativo maior de que a cada dia cresce o poder, a ousadia e a capacidade intimidatória do grupo criminoso.

Utilizando-se de táticas de terrorismo, os bandidos exigiram a veiculação de um vídeo em que reclamam do sistema penitenciário brasileiro e deixam bem claro que estão dispostos a tudo, para manter-se em situação de impor terror e pânico.

O crescimento do crime organizado no País indica claramente que a situação está assumindo proporções protopolíticas e o PCC, na verdade, já atua como um partido político marginal, uma aberração que estende seu potencial destrutivo e invade o cotidiano, distribuindo angústia e medo.

A mensagem veiculada pelo PCC através da Globo dá claramente o indício de que o PCC tem rudimentos de um discurso político e se prepara, de alguma forma, para ações no plano ideológico, aliando armas e palavras. Com certeza atrairá a seu favor setores da sociedade que se identificam com a defesa dos direitos humanos, que justificarão, senão o uso das armas, pelo menos a intenção do discurso.

Ante a omissão das autoridades, que aparentemente não têm qualquer plano nacional para o combate do crime organizado, é bem possível que esse fenômeno venha somente a crescer, afinal se cristalizando e firmando raízes neste País.

James Reston, na citação feita, não era nenhum ingênuo. Sua frase aduz tão-somente à objetividade do jornalista, quando está cumprindo com seu dever profissional: buscar uma atitude de equilíbrio e colocar a público aquilo que seja contra o público; mesmo que isso lhe custe denunciar um amigo.

O jornalista, sim, tem amigos e inimigos. O bom jornalismo tem como inimigos a corrupção, o crime sob todas as suas formas, a brutalidade, a exploração, o homem enquanto lobo do homem. E muitas vezes tem pago caro por isso: a morte de Tim Lopes ainda ressoa na memória, o caso do repórter da Globo está aí para provar.

É lamentável mas, no Brasil, seguindo a 'Lei de Gérson", o crime está levando vantagem.

domingo, 13 de agosto de 2006

Vontade


Do jornalista e poeta Walter Medeiros recebo o poema "Vontade", publicado em homenagem ao Dia dos Pais.

(A meu pai, José Firmino)

Tenho vontade de ler Drummond,
Aquele Drummond que falava de José:
“Você é duro, José...”

Vontade de ouvir Moacir Franco,
Falando de um louco que vinha
“Das calçadas que o tempo não guardou”.

Vontade de sentir o perfume
Daquelas plantas silvestres,
Nos sítios de Mata Grande.

Vontade de rever aquelas mangueiras,
Que davam tantas sombras e frutos;
E deram lugar a edifícios, no Tirol.

Vontade de reler aquelas revistas
Que o tempo fez sumirem;
E que talvez nem existam mais.

Tenho vontade de ler Drummond,
Aquele Drummond que falava de José:
“Você é duro, José...”.


Walter Medeiros