sábado, 21 de outubro de 2006

O que dizia Cora Coralina

Não, não: hoje não dá para falar em política, nas jogadas da farmácia magistral do marketing dos candidatos à presidência da República. Cansa, sabe?, ouvir a retórica retumbante do "eu prometo", "o outro está sempre errado", essas coisas. Nessa noite de sábado, vou transcrever um poema de Cora Coralina. Por uns instantes, vamos ler quem falava da vida e da verdade. É, "O cântico da terra".

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.
Eu sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste o pão de tua casa.
E um dia bem distante a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu
seio tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça. Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,do gado e da tulha.
Fartura teremos e donos de sítio felizes seremos.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Entre o estúdio e a realidade da presidência da República

Enquanto as pesquisas prenunciam a vitória de Lula, prossegue o ciclo, melhor diria o circo dos debates, onde os atores políticos procuram se apresentar segundo o melhor figurino, aquele perfil que efetivamente atenda àquilo que chamamos de cidadania.

Alckmin, no SBT, desvestiu a armadura de candidato combativo e adotou uma postura mais compatível com sua imagem histórica. Com isso, passou a idéia de que aquele comportamento agressivo na TV Band fora apenas o cumprimento de um papel que lhe fossa passado pelo seu marketing. Ninguém muda de personalidade. E isso até mesmo o senso comum sabe.

A farmácia magistral de Alckmin falhou ao tentar impor ao candidato uma figura que não se adéqua à sua essência enquanto pessoa. Lula, que esteve sempre mais próximo do seu perfil histórico - com seu discurso de que trabalha sempre pelos pobres - apelou para a ironia, para olhar de forma olímpica e do alto para o adversário que aparenta despencar, segundo o que os jornais dizem com a publicação das pesquisas de intenção de votos.

Mas, ninguém se engane: ambos estão apenas interpretando papéis. Da cenografia dos debates ao gabinete presidencial a distância é grande. As vivências dos candidatos em estúdio são bem diversas daquilo que é vivido por um presidente da República.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Perdidos no espaço, ou a demência transformada em lei

O Estadão publica a seguinte matéria. Li, entre perplexo e indignado. Seguem trechos da notícia:

"WASHINGTON - O presidente dos EUA, George W. Bush, assinou uma ordem que reivindica a seu país o direito de negar a adversários acesso ao uso do espaço fora da Terra para finalidades "hostis aos interesses dos Estados Unidos". Bush também afirma que os EUA vão se opor a tratados internacionais que limitem o uso ou acesso dos americanos ao espaço.

"Consistente com essa política, os EUA irão: preservar seus direitos, capacidades e liberdade de ação no espaço; dissuadir ou impedir outros de interferir com esses direitos ou de desenvolver a capacidade de fazê-lo; fazer o que for necessário para proteger suas capacidades espaciais; responder a interferência; e negar, se necessário, a adversários o uso de capacidades espaciais hostis aos interesses nacionais americanos".

Os donos do mundo

A arrogância americana parece não ter limite. A atitude de Bush, reveladora de que tipo de mentalidade literalmente preside o imaginário do povo americano - a principal nação do mundo, a América para os americanos, todos os demais povos são um perigo, todos os demais povos devem ser subservientes aos interesses dos Estados Unidos - demonstra a que ponto chegam a arrogância e o imperialismo nascido naquelas terras.

A primeira figura que me chega, para comparar com Bush, é a de Hitler e seus propósitos de superioridade do povo alemão. Deu no que deu. A determinação posta em vigor por Washington faz-me lembrar a idéia do "espaço vital" hitlerista.

Só que agora, em sua nova formulação, o esoaço vital surge nas feições daqueles tiranos de histórias em quadrinhos e seus sonhos assombrosos de dominação do mundo.

A mais forte metáfora para tanto, quem nos deu foi Chaplin, com o seu "O Grande Ditador". Na cena mais vigorosa do filme, o ditador, brincando com um globo terrestre esvoaçante, traz às suas mãos sinistras a materialização do pesadelo que pensava impor ao mundo. De repente, o globo de plástico se fura e murcha. E ele perde seu doentio e falso domínio sobre a Terra.

À época, Chaplin criticava Hitler e lamentava,temia pelo destino da humanidade. Bush também quer brincar com a Terra. Concorre com loucos como os fundamentalistas islâmicos,o governo da Coréia do Norte, e o governo de Israel.

O ser humano prossegue em sua maravilhosa e terrificante aventura no mundo. Esperemos que algum dia todos possam parar e imaginar, como Lennon, um mundo de paz e cantar: "Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único."

Se isso não acontecer, estaremos, como naquele velho seriado de TV dos anos 1960, perdidos no espaço.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

O marketing político como farmácia magistral

No início do século passado,o receituário médico era levado às chamadas farmácias magistrais. A designação pomposa, imperativa, solene em sua enunciação, indicava que a receita, em seu potencial curativo, quase mágico, passaria por mãos adestradas e devotadas ao fim dos males que afligiam o sofredor doente.

Os farmacêuticos manipulavam as fórmulas miraculosas, que em seu esoterismo químico, no ambiente segredual e oculto do austero laboratório, eram como poções que logo depois deveriam ser unicamente sorvidas, ritualmente utilizadas, vindo afinal a cura, a libertação do sofrimento, do medo, da dor.

Não cabia ao paciente saber o mistério, a aura que cercava o pequeno frasco que continha literalmente o seu regresso à saúde. Não havia bula. A fé guiava todo o pvocesso.

Se formos traçar um paralelo entre as farmácias magistrais e o marketing político, encontraremos alguma proximidade. Para o político, o marqueteiro e sua equipe de redadores, diretores de arte, pessoal de estúdio de TV (esse muito especialmente) e de internet, formam como que uma farmácia magistral de campanha.

É dessa farmácia de formulação de símbolos que, espera o político, deverá sair a fórmula mágica, o filtro salvador de sua imagem, a pavimentação de sua campanha rumo à vitória.

É dessa farmácia de efeitos midiáticos que brotará para o público a visão de que o candidato é puro e reto em suas intenções, ítegro em seus princípios e apto ao exercício do cargo pelo qual luta.

E o adversário, esse ser perigoso e terrível, deve, isso sim, ser temido pelo povo como se fora o mal a ser previamente afastado do corpo social pela vacina do marketing. Para tanto, basta votar naquele que é digno e justo e o povo será feliz. Simples assim.

As farmácias magistrais da política estão, neste exato momento, trabalhando com vigor e decisão para seduzir o povo a escolher entre Lula e Alckmin. Temos, na verdade, dois homens, com todos os defeitos e virtudes comuns a toda a humanidade.

Sei que a visão do parágrafo acima é simplista em sua formulação. Na verdade, tenho consciência de que pratico um reducionismo. Mas esse raciocínio tem um sentido. Explico: ambos estão manipulando suas fórmulas simbólicas para se apresentar não como homens,mas como líderes, seres olímpicos, isentos de erros e dúvidas,e de que em seus governos tudo será modificado. Estão sendo elevados da condição de homens ao estatuto de demiúrgos. E isso não é verdade. Estão ambos blefando, para dizer o mínimo.

Eleito, um ou outro não poderá fazer tudo o que prometeu: seja em função das limitações que terão necessariamente a que se curvar, como alianças para dar governabilidade ao País, seja em função de fatores estruturais.

É preciso entender que o próximo governo terá grandes desafios na área social, na segurança, na seguridade social, no relacionamento internacional, na defesa do ecossistema, no enfrentamento ao capital, especialmente o capital financeiro. A lista seria casuística e quase interminável, tantos os desafios.

Acreditar radicalmente que um ou outro será o salvador, o portador da formulação magistral, ou é radicalismo cego ou ingenuidade de quem bebeu sem pensar a formúla da farmácia do marketing da sedução.

Creio que a ponderção seria o melhor caminho para uma decisão de voto. Tenho a suposição de que Lula, como já afirmei em artigos anteriores, seria aquele que, apesar de tudo o que temos visto em matéria de corrupção em seu partido, seria o nome a ser escolhido. Remeto-me ao seu passado para manter minha nesga de confiança.

As farmácias magistrais já se perdem no tempo. E os líderes, como em todas as épocas históricas do que chamamos de civilização, foram sempre homens, apenas isso, homens. E nenhum deles logrou levar adiante, mesmo os mais sinceros, as realizações inteiras de seus melhores e mais bem intencionados propósitos .

E ao povo, no fim, sobram apenas o panis et circencis; afora o repertório de dor e dúvidas que sempre habitaram a vida do povo, de todos os povos, em todos os tempos.

Uma coisa é fim de carreira, outra é dacadência vestida de vaidade

Nada entendo de futebol, até mesmo perdi o interesse em qualquer jogo da Seleção, desde que compreendi que a equipe hoje não mais representa aquela idéia antiga que Nelson Rodrigues falava, de ser a Seleção "a Pátria de chuteiras".

Hoje, o que se tem é um grupo de mercenários midiatizados, vendidos a peso de ouro a multinacionais do esporte: os clubes europeus e as empresas que produzem material esportivo.

Mas, na verdade o que quero dizer tem a ver com Romário, o chamado Baixinho, que tantas alegrias deu à torcida do Flamengo. Romário bem que tentou, mas jamais chegou a ser um pelé. Agora, quando descobre que desce a rampa da vida, rampa que levará a todos nós a um ocaso, busca desesperadamente chegar aos mil gols, a marca final da glamorosa carreira de Pelé.

Pelo que li, parece que vai ser contratado por um timeco não sei bem de onde, aqui no Brasil, e agora foi chamado a disputar na Austrália um final de campeonato. Na notícia está dito que ele promete "muitos gols".

Vou agora para uma questão mais a aberta: a questão de sabermos quando devemos parar. O ser humano precisa compreender que as coisas são impermanentes. O tempo passa e, com ele, o homem. Se você descobre que algo plajenado tornou-se impossível de ser atingido, deve descobrir outras motivações e, literalmente, sair de campo, coisa que o craque parece não haver compreendido.

É uma pena. Melhor seria haver pendurado as chuteiras quando as glórias ainda o cercavam, do que atirar-se a um jogo em que, mesmo vindo a completar os mil gols, já não mais terá o sabor juvenil da vitória final alcançada em pleno vigor.