Você sabe o que é PCL-84?
Emanoel Barreto
O homem penetrou na imponência atemorizante da Repartição Pública. Construção pesada, com mais de cem andares de altura, era inteiramente pintada de cinzento. Ar de contrito, cabisbaixo, caminhava entre filas e filas de pedintes do serviço público. Agia assim cumprindo plano que tinha considerado como ardiloso: "Se eu demonstrar humilhação acho que vou ser mais bem atendido."
Dirigiu-se a uma senhora sentada a uma mesinha e disse: "Olhe", a mulher não olhou, estava lendo uma revistinha de moda, "eu queria saber..." - "se quiser saber tem que tirar ficha para poder saber. Ficha para poder saber não é comigo. É com aquela ali", e apontou um longo dedo em direção a um guichê onde havia enorme fila.
O homem, paciente, entrou na filha e após mais de três horas foi atendido. Tirou ficha para quem queria saber. Entrou noutra filha. Afinal, mais duas horas e chegou ao guichê. "Olhe", o funcionário também não olhou; lia o noticiário de futebol. "Olhe, é o seguinte: recebi em casa esse comunicado - e mostrou o papel onde estava o comunicado - dizendo que, pela lei n. 8.789.998.000, de 1767, fui multado com base no artigo 5º do despacho PCL-84. Como não sei o que é isso..."
O funcionário, ainda de cabeça baixa, anunciou:"Veio ao lugar certo". Isso animou muito o homem, quero dizer, o paciente, o pobre, o coitado, o miserável: "Então, o que é PCL-84?". Resposta: "Não sei. Isso é assunto da diretoria, informação sigilosa, entende? Precisa de ficha para ter acesso ao seu processo. Agora, uma coisa adianto: se é coisa do PCL-84, deve ser coisa séria. Tome essa ficha. Ela dá direito de usar o elevador.Vá ao centésimo décimo sétimo andar e lá eles lhe informam."
O pobre pegou a ficha e esperou mais uma hora até entrar no elevador. Elevador moderno, cabiam mais de 100 pessoas. E, nele, todos estavam implicados ao PCL-84, foi o que apurou nas mais de duas horas que o elevador levou, até chegar ao centésimo décimo sétimo andar. Gente muita, não é?, por isso a demora; peso grande, a máquina funcionava devagar.
Chegando, todos foram à Diretoria Especializada em PCL-84. Decepção: o diretor tinha dado uma saidinha. "Uma saidinha?". Todos ficaram desesperados: funcionários públicos quando dão uma saidinha demoram muito, é o costume, é regra consuetudinária, tem de ser respeitada. Mais dez horas de espera e o diretor chegou.
Todos foram levados à sua sala, explicaram a que vinham e pediram explicações. "Explicações? Ora, explicações... Nem eu mesmo sei o que é PCL-84. É uma lei tão antiga e tão complicada que nem mesmo os legisladores do tempo a compreenderam por inteiro. Vejam: só para pensar em pagar o sujeito precisa recolher taxas e emolumentos. Depois, tem acesso ao processo e paga a dívida toda."
"Onde se pagam as taxas e os emolumentos?"
"Vão direto à Coordenadoria de Taxas e Emolumentos que lá eles explicam."
"Isso fica aqui, neste edifício?"
"Não. Fica do outro lado da cidade e, detalhe: não podem ir de carro. Têm que ir em nossos ônibus especiais para devedores de Taxas e Emolumentos. Mas aviso: esses ônibus só funcionam de mil em mil anos."
Todos fizeram: "OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!........."
Mas, bondoso, o diretor disse: "Tiveram sorte. Hoje faz mil anos do último funcionamento e vocês vão embarcar sem problemas. Isto é, se passarem pela Polícia Especial de Taxas e Emolumentos devidos à Lei do PCL-84. Quem sai daqui devendo eles prendem."
"E se a gente não passar?"
"Problema de vocês."
Cabisbaixos, os pobres desceram pelo elevador. Quando se dirigiam para o ônibus e já iam sendo presos, o homem do início desta história teve uma ideia. Gritou: "Vocês da Polícia Especial: já pagaram seus emolumentos do PCL-84?"
Os guardas embranqueceram. Pálidos, fizeram que não com a cabeça. A turba então os atacou e todos foram surrados. Achando pouco, os homens invadiram o grande edifício, expulsaram todos os funcionários, o diretor e quantos mais e se apoderaram da burocracia. Agora mandavam em tudo.
Pouco depois chegou um homem, que perguntou: "Posso saber o que é PCL-84?"
Foi imediatamente dominado e entregue aos novos guardas da Polícia Especial e nunca mais se ouviu falar dele.
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