sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

"O delegado sou eu"

Eu o vi duas ou três vezes: bêbado, mirrado, bracinho fino erguido e indicador apontado para o alto, bradando uma inútil advertência: "O delegado sou eu! O delegado sou eu!" Ninguém contestava, até porque nele ninguém prestava atenção, a não ser eu; não sei se perplexo ou estranhamente fascinado com aquela cena que oscilava entre o ridículo e o comovente.

Corriam os anos 60, e da minha casa eu o via seguir ladeira abaixo, Rua Princesa Isabel, centro de Natal. Ele passava na calçada do outro lado da rua e seus gestos hoje me lembram um Carlitos torto e anônimo, um brasileiro pobre que se dizia autoridade.

Não sei mas, na época, bem que eu poderia tê-lo presenteado - meninos, se você não sabe, podem tudo - com uma linda viatura policial que naqueles tempos eram chamadas de "tintureiras", para ele fazer valer sua disposição de Quixote e prender todo mundo. A tintureira seria toda pintada em preto e branco, e Delegado poderia cumprir mandados, fazer flagrantes, capturar os maus. 

E mais: eu poderia pedir ajuda aos meus amigos Zorro e Tonto, Billy the Kid, Kit Karson, Roy Rogers, o Fantasma, Búfalo Bill, Águia Negra, Falcão Negro, Daniel Boone, Dom Chicote, Cavaleiro Negro, Kid Colt e, claro, Jerônimo, Aninha e Moleque Saci. Se a coisa ficasse muito feia poderia chamar o Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda e mais: El Cid, o imperador Carlos Magno e os Doze Pares de França. Athos, Porthos, Aramis e d'Artagnan também poderiam vir.

Eles eram invencíveis e jamais se negariam a me ajudar e ao Delegado. Eu daria a ele um dos meus revólveres de plástico, quem sabe até mesmo um de metal, o mais bonito, o que disparava espoletas. 

Com essas armas eu mesmo prendi muitos bandidos que habitavam esconderijos que somenete eu conhecia. Eu tinha até uma estrela de xerife, ganha numa promoção da Toddy chamada Patrulheiros Toddy. Eu era um Patrulheiro Toddy e bem poderia ter ajudado ao Delegado. E eu não fiz nada. Não chamei os caubóis meus amigos, nem os grandes espadachins, não lhe dei a tintureira, não lhe dei meu revólver, não saí galopando a seu lado rua abaixo. Nada, nada, nada; somente o vi passar, tão desamparado, maltrapilho e tão bêbado, um pobre brasileiro e se perder na pesada ladeira da Princesa Isabel.
E ele se dizia o delegado. É porque ele só queria respeito. Porque tinha a autoridade de ser povo, pobre e embriagado. 

Depois eu o vi duas ou três vezes. Então, nunca mais reencontrei o Delegado. E acho, somente hoje descobri, que ele também era meu amigo, e tão corajoso e firme como Jerônimo ou Zorro. Afinal, eun e o Delegado vivíamos em mundos paralelos, universos imaginários e queríamos ajudar, prendendo bandidos. Naquele tempo além de querer prender bandidos, eu tinha outra paixão: queria ser arqueólogo, pensava em ir ao Egito e fazer grandes descobertas.  

Hoje penso no meu amigo Delegado, reduzido a uma réstia de lembrança. E agora me vem, não sem um certo temor e uma fisgada de angústia: acho que quando ergo minha voz nestes textos de internet também estou descendo alguma ladeira e grito como o louco sublime: "O delegado sou eu! O delegado sou eu!"


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Recebo e divulgo:

Professor Marques de Melo agraciado com a Ordem do Mérito dos Palmares

O Governador Teotônio Vilela Filho anunciou, no dia 21 de novembro de 2011, no Palácio dos Martírios, em Maceió,  a outorga da Ordem do Mérito dos Palmares ao professor José Marques de Melo pela sua contribuição para o desenvolvimento da sociedade brasileira. A comenda é atribuida anualmente pelo Estado de Alagoas a 10 personalidades que fizeram “diferença”, utilizando uma “importante ferramenta para transformar a sociedade”. 

A lista dos homenageados neste ano inclui intelectuais como o historiador Moacir Medeiros de Sant´Ana, a escritora Solange Chalita e o jornalista Enio Lins, os engenheiros José Carlos Lyra e José Roberto Fonseca, o político João Evangelista Tenório e a mãe de santo Maria Celestina da Silva, entre outros.

Alagoano nascido em Palmeira dos Índios, mas criado em Santana do Ipanema, José Marques de Melo pertence ao quadro acadêmico da Universidade de São Paulo, onde co-fundou a Escola de Comunicações e Artes, ali fazendo sua carreira docente e científica. É autor de meia centena de livros sobre jornalismo e comunicação, que circulam em universidades brasileiras e latino-americanas. Dirige atualmente a Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação e presidente a Federação Brasileira das Sociedades Científicas e Associações Acadêmicas de Comunicação.

Escolhido como Personalidade da Comunicação no ano 2011 pela comunidade da área reunida em congresso nacional (Mega-Brasil), recebeu anteriormente a Medalha Rui Barbosa (Ministério da Cultura), o Prêmio Wayne Danielson de Ciências da Comunicação (Universidade do Texas, EUA), o Prêmio Ibero-americano de Teoria da Comunicação (Universidade de Oviedo, Espanha), o Prêmio Adelmo Genro de Jornalismo (SBPJOR) e o Prêmio Comunicador da Paz (Organizações Católicas Internacionais de Comunicação).


quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Um bom emprego num buraco federal

Um amigo me liga para informar que ganhou um novo emprego: está, garantiu alegríssimo, trabalhando num buraco. Disse que trabalhar em buracos é a nova onda e o mais alentado sonho de desocupados e apadrinhados de políticos e que tais. A relevância de tal ofício, disse, é que os buracos têm também status. "Têm status?", perguntei. E ele, empafiado, garante: "Sim!" 
http://www.google.com.br/imgres?q=buracos

E explicou: há o buraco de rua, aquele feito pela chuva, mas é buraco de segunda, não tem futuro; todavia, existe o buraco de estrada, os melhores estão em rodovias federais,  e estes já são buracos de maior tamanho e responsabilidade. Há ainda aqueles enormes, resultantes de pontes rompidas e grandes desastres naturais. Esses são o máximo, pois ali cabem muitos inúteis e assemelhados, magotes deles.

Os buracos maiores têm muitas ligações subterrâneas. Têm nichos climatizados, onde os citados elementos se acomodam para dormitar após almoço e janta. A importância do buraco é que, sendo confortáveis, digo aqueles buracos de primeira, o indivíduo pode dormir por lá mesmo e dia seguinte já está no serviço.

Perguntei a meu amigo como se arranja emprego num buraco e ele me respondeu que é coisa difícil, de grande complicação e altos engenhos, perquirições e encômios. E, com um olhar vago e algo sarcástico, disse, já que eu insinuava saber demais a respeito de tão altas instâncias: "Não é para o seu bico."

Disse isso e meteu-se num buraco federal que ia passando. Sumiu. Dias depois passou novamente pela minha casa e anunciou: "Agora estou trabalhando numa gaveta: cheia de contratos e papéis de cauixa dois. De lá só saio se for para trabalhar, e me aposentar, no escaninho de alguma ONG.