sábado, 14 de janeiro de 2017

Os corruptos e seu alto preço



Semeadores do desespero


Geddel Vieira Lima. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Num país infestado de políticos corruptos é farta da paleta temática para comentários, editoriais, artigos, até mesmo crônicas a respeito do tema. 
Senão, vejamos: na primeira página da Folha temos “Geddel recebia propinas para liberar crédito, diz PF”.
Mais, também na Folha: “Ex-secretário da Haddad vê ação do crime nas invasões”. A matéria diz que o crime organizado está por trás do movimento dos sem-teto está a presença de bandidos ligados ao tráfico, que sublocam imóveis abandonados e assim têm locais onde distribuir a droga.
Mais? Temos. Diz O Globo: “Oito estados começam a privatizar saneamento”. Somente muita ingenuidade para não intuir que daqui a uns poucos anos além de a água estar a preços escorchantes haverá a descoberta de que houve maracutaia na privatização.
Jornal do Brasil: “Veja mensagens trocadas entre Geddel e Eduardo Cunha obtidas pela PF”. Sujeira pura, acertos e conchavos para pôr a mão em dinheiro público.
Folha outra vez: “Operação amplia pressão para Cunha delatar e exibe parte de seu arsenal”. O texto informa que o ex-deputado preso tem informações que revelam a podridão do alto empresariado, o congresso – como de hábito – e órgãos do governo federal.
Temos no Brasil uma espécie de regência, digamos assim, que estabelece o público como algo que deve ser patrimonializado, parasitado pelo privado, visando o bem de muito poucos; desonestamente, é claro.
Isso, além do acúmulo da riqueza nacional na mão de limitadíssimo percentual. Agrega-se a tal realidade a persistência da corrupção e temos o resultado: a exclusão social estimula a criminalidade, dá força ao crime organizado como se fora uma sociedade paralela e leva o trabalhador honesto ao desespero ante a imensidão do abismo que o assim chamado presidente Temer escava com grande ardor.
O pior é que não se vê perspectiva de punição efetiva aos culpados. Pior ainda: o quadro instalado sugere que a sociedade está sendo levada aos seus limites de suportação.
E como o governo está plantando o caos, caos ele colherá. A semeadura é livre; a colheita é obrigatória. A vinhas da ira produzem amarga bebida.
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PUBLICIDADE, MEMÓRIA
 



sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Ladroagem no Brasil

Até em fila tem ladrão;
ladrão de lugar

Irmãos Metralha, personagens de Walt Disney
Somos um povo lamentável. É verdade: é triste, mas é verdade. Somos uma sociedade onde um certo caldo de cultura apregoa como válido e aceitável - mais que isso, necessário e urgente -, levar vantagem, explorar, tirar partido e proveito de qualquer situação: vale até mesmo tomar lugar em fila. Além de, claro, ocupar vaga de idoso e deficiente físico em estacionamento. 

Levar papel off set para casa? Coisa mais normal. Afinal, repartição pública é para isso mesmo: serve para funcionário espertalhão não precisar ter  despesa quando for imprimir os trabalhos escolares do filhinho no computador. 
E o filhinho, por sua vez, copiou e colou todo o texto a ser impresso, não é mesmo? Supercomum, normalíssimo.

O incrível é a falta de respeito, a assunção pública do papel de safado, como pude bem perceber. Veja só: certo dia enquanto aguardava atendimento médico em consulta de rotina levantei-me e fui até o televisor da sala de espera. O aparelho estava com o volume muito alto. 

Levantei-me da cadeira e fui abaixar o som da TV. Para guardar meu lugar, deixei, sobre a cadeira onde estivera sentado, um envelope contendo resultados de exames que tinha levado para apresentar ao médico. Demorei uns dois minutos e, ao voltar, os papéis haviam desaparecido. Estranhei, parei um instante e os descobri ao lado de uma mulher: a matreira havia, na maior cara de pau, se apoderado dos envelopes, jogando-os em seguida sobre outra cadeira a fim de dar o lugar a um sujeito, que era seu pai ou algo que o valha. 

Como sei há muito tempo que com gente safada é preciso ser enérgico, não esperei duas vezes: peguei os papéis e, ante a surpresa do elemento que se preparava para sentar retomei o meu lugar. Sentei-me junto à tipa, que ficou de cabeça baixa. 

Pouco depois chegou um colega jornalista que começou a conversar comigo. O assunto foi corrupção: aproveitei para manifestar o quando são lamentáveis as pessoas que se aproveitam do momento para tirar vantagem e que roubam até lugar. 

Falei alto o suficiente para que a mulher ouvisse. Ela nada disse, manteve a cabeça baixa e encerrou-se aí o incidente.

Mas ficou-me aquele sentimento de indignação ante a indignidade. E veio-me à cabeça um questionamento que sempre me acode quando vejo pessoas safadas, tão safadas que se sujam por muito pouco. Penso assim: se roubam até lugar em fila imagine o que não fazem por dinheiro...

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Zooróscopo 


http://sonhoesignificado.blogspot.com.br/2013/11/sonhar-com-bicho-preguica-significado.html
Preguiça - Preguiciano amigo: logo de início, um conselho: não tenha, nem mesmo em pensamento, relacionamento com os que estão sob Esquilo. Se eles são a velocidade em pessoa, você dá a impressão de que vive no mundo da lua, ou melhor: no seu próprio e paralelo mundo. Os preguicianos são calmos, atenciosos, vivem na maciota. São ideais para ocupar cargos de aspone onde se são muito bem. Contam piadas que é uma beleza.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Coisas terríveis e palavras fortes



Os mistérios pertencem aos fantasmas
 
http://www.fotosefotos.com/page_img/12588/batalha_de_navios
Hoje encontrei-me com um amigo. Um amigo muito velho. Talvez tenha a idade de uma sequoia. Aliás, meus amigos são todos muito velhos, antigos homens-cedro que às vezes me caminham para uma conversa, algo assim. Às vezes nem falam. Pois tão velhos somos que já conhecemos todos os nossos assuntos. 
 Os nossos e os de outras partes, países distantes, terras onde, como acá, também se planejam horrores e se os praticam com gênio de milagre terroroso. Assim sabemos que, a rigor, hoje já não há mais novidades. Só um lento e clamoroso langor da vida que se repete a cada reedição de um desastre, no retorno de um furacão ou no morticínio idêntico ao seu predecessor.

Digo que sou velho e provo; por exemplo, fui menino, jovem e velho com Ramsés I e Ramsés II. Fui também menino com Marco Antônio e muito o aconselhei a não se meter com Cleópatra. Brinquei com Semíramis e, naquele tempo, como era arquiteto, fui o principal a ajudá-la a erguer os seus jardins suspensos, aquela maravilha que passeia os sonhos de quem com ela gosta de sonhar.
 Naquele tempo era assim: um homem podia nascer, crescer e viver ao lado de pessoas que seriam da sua e da próxima geração. Mistério do qual jamais busquei abalançar-me e desvendar. 
 É para isso que servem os mistérios: para funcionar como um leve devaneio, uma pluma, uma suave névoa na qual entramos mas a que não desejamos, de forma nenhuma, solver; pois, no íntimo, sabemos que o mistério é uma verdade revelada mas não dita por que é ou para que é. E é aí que reside a grandeza do mistério: ser arcano; não compreendido para iluminar a perplexidade.
 Mas hoje, suspeito, não há mais mistérios. Nada há de metafísico ou filosófico. Está tudo cibernético demais, racional demais, explicado demais para que haja mistérios a desafiar nossa busca.
 Minto: há mistérios sim, mas somente para quem deseje ser um pouco orvalho, um pouco manhã fria, um pouco silêncio, um pouco passos silenciosos numa casa habitada apenas por um casal. Aí, o mistério ainda vive; fica escondido, guardado entre antigos, avoengos pertences a que os olhos do mundo não devem ter acesso. O mistério pertence a fantasmas muito queridos, sei disso.
Mas dizia que hoje encontrara um velho amigo. Homem acomodado – aqui no sentido espanhol do termo, quer dizer, de classe média –  já criou os filhos e respira calmamente em sua vivenda ao lado da mulher.
Uma vida calma como a sombra de um jardim por onde não passa ninguém. Aproximando-se, falou-me que agora, quando já é um homem remoto e nada mais tem a temer, pois nada tem o que perder a não ser o seu resto de vida, tomou grave decisão: construirá navio, enorme nau de muitas velas e pelo menos oitenta peças-de-fogo e se fará aos mares.
Garantiu que percorrerá o Atlântico e o Pacífico, o Índico, o Glacial Ártico e o Glacial Antártico. E descobrirá, assegurou, um novo oceano. Ele entende que o Homem ainda não descobriu todo o planeta, coisa em que com ele concordo plenamente. 
Revelou-me, falando baixinho como uma pequena brisa, que esse oceano será importantíssimo para quando os povos forem fugir espavoridos dos desastres climáticos que se avizinham com a destruição lenta, programada e assassina do Planeta.
Além disso, detalhou, enquanto seu navio não fica pronto em estaleiro muito bem escondido em alguma baía ou porto seguro, anunciará desordens e grandes desgraças e fará vaticínios incontestes. Disse que proclamará sedições e grandes movimentos e inaugurará uma nova religião. Qual, não sabe ainda. Mas que ela virá, virá, tranquilizou-me. 
Mais que isso, vai exortar o povo, o povo do mundo todo, a que comece a caminhar pelas ruas munido de urinóis e que esses urinóis sejam despejados diariamente em todos os Parlamentos e que os grandes senhores e senhoras desses parlamentos sejam obrigados a fazer suas abluções matinais com todo o conteúdo que lhes for destinado. E me disse que isso é algo muito bom, no que concordei plenamente. 
Asseverou que vai ruminar horrores e gritar palavras que ninguém compreenderá. E terá o poder de conjurar raios e coriscos, choques e grandes explosões oriundos das forças dos elementos.
Enquanto assim falava os olhos do meu amigo injetavam-se de algo que se assemelhava ao que conhecemos por ódio, rancor ou vingança. Perdão: acho que estou sendo injusto: indignação era o que eu via naquele olhar irado e faiscante. Indignação justa, golpe fendente de espada.
Depois, acalmou-se. E, virando-se para mim, apascentou a minha própria indignação: "Amigo, não vamos nos apressar. Afinal, tudo de que acabo de falar é apenas mistério. Um mistério que só uns poucos, como nós, loucos e velhos, podem intuir." E saiu em direção à sua casa; uma casa feita à sombra de um jardim por onde não passa ninguém. E foi trabalhar em seu navio.