sábado, 5 de novembro de 2011

Deu na Tribuna

Operação apreende alimentos

A apreensão de 1.875 quilos de alimentos que estavam acondicionados em freezer abaixo da temperatura mínima exigida levou quatro funcionários do Carrefour da zona Norte a prestarem depoimentos na Delegacia do Consumidor (Decon), situada na avenida Coronel Estevam, antiga avenida 9, no Alecrim. "Nós fizemos medições com as próprias máquinas da loja e o freezer só dava entre 5º e 6º", disse o delegado Sílvio Nunes Silva, o qual informou que foi jogado detergente em cima de todo o volume de carnes, frangos, peixes e hambúrgueres, para que não fossem reaproveitados e depois levados para o aterro sanitário de Ceará Mirim: "A gente levantou que o prejuízo foi de R$ 20.500".
Emanuel AmaralArakén Farias, diretor-geral do Procon EstadualArakén Farias, diretor-geral do Procon Estadual
Os quatro funcionários do setor de carnes estavam acompanhados de uma advogada e nenhum dos cinco quis falar com a imprensa. Todos seriam liberados depois de ouvidos pelo delegado Sílvio Nunes Silva, que não quis informar em quais artigos eles deverão ser indiciados, porque ainda faltam identificar e intimar para depoimento o responsável pelo setor de carnes e  o gerente da loja do supermercado. Será solicitada uma perícia ao Instituto Técnico e Científico de Polícia (Itep) para embasar o inquérito  criminal.

Sílvio Nunes informou que a operação começou por volta das 10 horas da manhã, com a participação do Ministério Público e dos Procons estadual e municipal, instituições para as quais ele vai mandar cópias de DVD com as imagens feitas no local da apreensão dos alimentos impróprios para o consumo humano.

De acordo com as informações dos Procons haviam produtos estragados e alguns enlatados estavam amassados. Além disso, a ação ainda encontrou outras irregularidades no estabelecimento, como alguns produtos anunciados nos encartes com promoção e oferta flagrados no estabelecimento com o preço acima dos divulgados. Um chaleira, por exemplo, que aparecia no encarte com o preço de R$ 12,90 estava sendo comercializada por cerca de R$ 50.

O diretor-geral do Procon Natal Lailson Medeiros, disse que a apreensão faz parte de uma ação desenvolvida nas reuniões do grupo que congrega órgãos que trabalham em Defesa do Consumidor. O diretor também explicou que a escolha da loja foi baseada nas quantidade de reclamações recebidas. "Essa é a loja de supermercado recordista de reclamações nos Procons, por isso foi a indicada para essa 'blitz'", disse.

Já o diretor-geral do Procon Estadual, Arakén Farias, alertou  sobre a possibilidade do supermercado ser fechado. "O Procon orientou aos gerentes que se adequassem mais rapidamente, pois em caso de reincidência, o estabelecimento poderá ser fechado ou interditado por tempo indeterminado.", comentou.

Nota
O Carrefou emitiu nota à imprensa, a respeito da operação realizada ontem, nas dependências de sua loja da Zona Norte:

"Com relação à visita do Procon de Natal na loja Carrefour Natal Zona Norte, localizada Av. Dr. João Medeiros Filho,  2.005, a empresa esclarece que atendeu imediatamente a recomendação do órgão e retirou os produtos indicados da área de venda. A rede está averiguando internamente a questão e qualquer irregularidade decorrente de uma quebra de procedimento será rigorosamente apurada e reparada. O Carrefour informa que mantém rígido controle dos produtos oferecidos em suas gôndolas, a partir de processos de verificação e supervisão, seguindo de maneira estrita as determinações do Código de Defesa do Consumidor".

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Presente de grego para o povo grego

http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/1000731
Na Grécia querem derrubar George Papandreou porque o primeiro-ministro pretende levar ao povo um referendo a respeito do empréstimo que viria solucionar temporariamente a crise da economia grega. 

Os grandes não querem isso: querem que a crise seja solucionada pelo lado dos especuladores. O povo é acessório, como sempre tem sido.

Mas o primeiro-ministro tem razão: quem vai pagar essa dívida é o povo com o seu trabalho, seu sofrimento a redução de seus direitos; não os especuladores. Esses sempre são protegidos, amparados, escondidos, homiziados se preciso for por governos e quejandos.

Informa-se que, por isso, o ministro cairá. Devendo assim vir ao seu lugar alguém "mas ajuizado". Como sempre acontece. Como sempre acontece.
E esse ajuizado será um péssimo presente de grego - para os gregos.

Li na Folha

Potiguar faz sucesso em São Paulo com doces árabes


MARÍLIA MIRAGAIA
DE SÃO PAULO

Quando chegou ao Brás, na São Paulo dos anos 1970, Francisco das Chagas Neto, 53, comia feijão com arroz, farinha e carne -comida de gente "muito humilde".

Letícia Moreira/Folhapress
Ninho de pistache, uma das receitas de sobremesas árabes de seu Chico, da CH Doces
Ninho de pistache, uma das receitas de sobremesas árabes de seu Chico, da CH Doces                    

Nascido no Rio Grande do Norte e criado na cidade de Iguatu, no Ceará, decidiu morar em São Paulo com o "entusiasmo" de ser padeiro.
O trabalho surgiu no balcão de um restaurante libanês, ponto de encontro de árabes que negociavam tecidos naquele bairro. 

Não havia "nada de coxinha". Eram servidos quibes, esfihas, caftas e doces cobertos de nozes e mel.
Sem nunca ter lidado com panelas, foi enviado à cozinha. Ali, aprendeu os macetes daquelas receitas: pão achatado, carne temperada com especiarias e as muitas camadas das sobremesas. 

A tarefa mais árdua era decifrar as recomendações em outro idioma. "Não entendia nada, achei que eram gagos." Começou, então, a trocar vocabulário com os colegas recém-chegados do Oriente.
Quando deixou Halim, seu "mestre" libanês -hoje dono de restaurante homônimo no Paraíso, em São Paulo-, Chico já reunia algumas receitas e falava um pouco de árabe. 

Letícia Moreira/Folhapress
Seu Chico em sua fabrica de doces árabes
Seu Chico em sua fabrica de doces árabes  
Entre uma e outra investida, chegou a ser o responsável pelo restaurante do clube Homs, na avenida Paulista, um dos mais tradicionais redutos da comunidade árabe.
Há 15 anos, vendeu um Fusca e fundou a CH Doces, que hoje produz 5.000 sobremesas por dia, como ninho de pistaches, maamoul ou fatayer (veja ao lado).
Levava amostras de seu produto para os conhecidos até se transformar em revendedor de restaurantes como Raful e Folha de Uva, e de tradicionais empórios da região da 25 de Março, na capital.
Seu Chico, que ostenta a bandeira libanesa em um anel dourado, diz que a clientela no centro se dissipou. Agora, o potiguar terá de conquistar, com seus doces árabes, o paladar dos chineses. 

ONDE ENCONTRAR
CH DOCES
Rua Eliezer José de Macedo, 485, Vila Císper, São Paulo, tel. 0/xx/11/2541-1781
FOLHA DE UVA
Rua Bela Cintra, 1.435, Consolação, São Paulo, tel. 0/xx/11/3062-2564
HALIM
Rua Doutor Rafael de Barros, 56, Paraíso, tel. 0/xx/11/3884-8502
RAFUL
Rua Com. Abdo Schahin,118, Centro, São Paulo, tel. 0/xx/11/3229-8406
A máquina e o gás aberto


Corria o ano de 1974. Meu primeiro ano como jornalista. Uma tarde calorenta de rachar. A redação do Diário de Natal funcionava na Deodoro, onde hoje só existe saudade. Naquele tempo o DN tinha um suplemento dominical, o Módulo 3  onde os repórteres exercitavam seu lado mais criativo, com textos trabalhados.

Eu era repórter policial, um aprendiz de redação. Pois bem, foi nessa tarde suarenta que apareceu na redação, vindo-se sei lá de onde, o fotógrafo Paulo Saulo, com uma pequena escultura em vidro de lâmpada fluorescente. Uma pequena cegonha cheia de água colorida, que exibia, todo orgulhoso. E contou, cheio de si: “Isso é feito à base de fogo. O cara, o artista que faz esses bichinhos, trabalha o vidro a quente e faz qualquer coisa com o vidro. Quer fazer uma matéria com ele?”

É claro que aceitei na hora. Seria uma bela matéria para o Módulo. E lá me fui eu, na sacolejante Kombi do jornal, rumo à Ribeira, onde ficava a oficina do tal artista. Chegando, Paulo Saulo, hoje falecido, saltou rápido da Kombi e indicou onde iríamos fazer a matéria: “É ali. Naquela casa, que vamos fazer a matéria com o cara.”

Chegamos, nos apresentamos e o artista, alegre com a possibilidade de ficar conhecido, recebeu-nos de braços abertos. Eu perguntei: “Onde vai ser a entrevista?” Ele respondeu “ali” e apontou para a sua “oficina”. Olhei, confesso, e não gostei do que vi: um quartinho apertado, quentíssimo, cheio de bujões de gás - lembre-se de que o homem trabalhava com fogo. Intimamente comecei a ficar preocupado com aquela reportagem.

Fogo, local apertado, gás, nenhuma segurança, huuum... Mas, afinal, eu estava ali para fazer a matéria. E entrei. O homem fechou a portinha do quarto, acendeu o maçarico, pegou uma lâmpada fluorescente de onde se tinha retirado toda aquela tinta branca que recobre o vidro, que, assim, ficou completamente transparente. Claro, tinha que ser transparente, para ser possível ver a água colorida dentro da escultura.

Fez isso e começou a trabalhar. O calor foi aumentando, até se tornar insuportável. O homem era realmente um mestre: tornava o vidro incandescente e trabalhava com rapidez. Paulo Saulo, encapetado, saltava de um lado para o outro, escolhia ângulos, colocava a objetiva em planos mais altos, mais baixos, fechava nas mãos do artesão, pegava planos gerais da cena.
Eu, que já havia feito um quem-é-quem com o homem, suava em bicas, até que ele afinal deu por concluído o seu trabalho, apresentando-nos uma estatueta de não-sei-lá-o-quê.

Terminamos tudo. Dei graças quando saí incólume do quartinho; até mesmo porque, nos cinco minutos finais, pensei estar sentindo cheiro de gás. Agradecemos, fomos para a redação e fui preparar o texto. Ficou bom, bom mesmo, para a minha alegria de foca.

Saulo embrenhou-se no laboratório fotográfico do jornal e toca a demorar, a demorar, a demorar, até que, cansado de esperar, fui até lá e o encontrei:
“E aí, Paulo, as fotos ficaram boas?”
“Não”, foi a resposta.
“Mas porque não ficaram?”
Ele olhou para mim com a cara mais lambida do mundo: “A máquina estava sem filme.”

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Na Folha



RUBEM ALVES

Despedida


Minha alma é movida pelas ausências; mas, nos jornais, não há lugar para ressurreições

ESSA CRÔNICA é uma despedida. Resolvi, por decisão própria, parar de escrever em Cotidiano.
Devo ter perdido o juízo. Minha decisão contraria um dos dois maiores sonhos de cada escritor. Primeiro, o sonho de ser um best-seller. Encontrar algum livro seu nas prateleiras da livraria Laselva, nos aeroportos. Confesso: sou vítima dessa vaidade. Mas não aprendo a lição. Nos aeroportos, vou sempre visitar a Laselva na esperança de lá encontrar um dos meus livros. Saio sempre desapontado.
O outro sonho dos escritores é ter seus textos publicados num jornal importante: ser lido por milhares de leitores. O que significa reconhecimento duplo: do jornal que os publica e dos leitores. Isso faz muito bem para o ego. Todo escritor tem uma pitada de narcisismo.
Fernando Pessoa tem um poema que diz assim: "Tenho dó das estrelas luzindo há tanto tempo, tenho dó delas..." E ele se pergunta se "não haverá um cansaço das coisas, de todas as coisas..." Respondo: Sim. Há um cansaço. A velhice é o tempo do cansaço de todas as coisas. Estou velho. Estou cansado. Já escrevi muito. Mas, agora, meus 78 anos estão pesando. E como acontece com as estrelas, há sempre a obrigação de brilhar.
A obrigação: é isso o que pesa. Quereria ser capaz de viver um poeminha do Fernando Pessoa: "Ah, a frescura na face de não cumprir um dever... Que refúgio o não se poder ter confiança em nós..." Perco o sono atormentado por deveres, pensando no que tenho de escrever. Sinto -pode ser que não seja assim, mas é assim que eu sinto-que já disse tudo. Não tenho novidades a escrever. Mas tenho a obrigação de escrever quando minha vontade é não escrever.
Não é qualquer coisa que se pode publicar num jornal. O próprio nome está dizendo: "jornal", do latim "diurnalis"; de "dies", dia, diurno; o que acontece no dia; diário.
O tempo dos jornais é o hoje, as presenças. Mas minha alma é movida pelas ausências: nos jornais, não há lugar para ressurreições.
Acho que aconteceu comigo coisa parecida com o que aconteceu com a Cecília Meireles. Escrevendo sobre ela, Drummond falou o seguinte: "Não me parecia criatura inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me sempre a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Por onde erraria a verdadeira Cecília, que, respondendo à indagação de um curioso, admitiu ser seu principal defeito 'uma certa ausência do mundo'"?
Deve ser alguma doença que ataca preferencialmente os velhos e os poetas. A Cecília descrevia o tempo da sua avó com "uma ausência que se demorava". E Rilke se perguntava: "Quem assim nos fascinou para que tivéssemos um olhar de despedida em tudo o que fazemos?" O sintoma dessa doença é aquilo que a Cecília disse: uma certa ausência do mundo.
O místico Ângelus Silésius já havia notado que temos dois olhos, cada um deles vendo mundos diferentes: "Temos dois olhos. Com um, vemos as coisas do tempo, efêmeras, que desaparecem. Com o outro, vemos as coisas da alma, eternas, que permanecem". Jornais são seres do tempo. Notícias: coisas do dia, que amanhã estarão mortas.
E é por isso vou parar de escrever: porque estou velho, porque estou cansado, porque minha alma anda pelos caminhos do Robert Frost, porque quero me livrar dos malditos deveres que me dão ordens desde que me conheço por gente...

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

TRF obriga governo a conceder identidade a apátrida


ANNA RUTH DANTAS - Agência Estado

Em decisão inédita no Judiciário brasileiro, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região confirmou a decisão da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, que reconheceu um africano como "apátrida" (caso daquele que não é reconhecido como cidadão de nenhum país) e, com isso, determinou que a União assegure identidade brasileira e o direito a exercer atividade remunerada. 


O africano Andrimana Buyoya Habizimana, que reside em Natal, nasceu em Burundi e fugiu para o Brasil em um navio cargueiro. O caso se tornou alvo de discussão no Judiciário porque nem o país de origem, nem a África do Sul ou o Brasil reconheciam o africano como cidadão. 

A União recorreu da decisão em primeira instância, mas perdeu na Corte Regional. Na sentença judicial, agora confirmada, o magistrado observou que "inexiste Estado que considere o autor (africano) como seu nacional, ou que se manifeste pela pretensão de acolhê-lo". "Considero que a negativa do pedido (de conceder identidade brasileira) implicará, na prática, a redução do autor (Andrimana Buyoya) à condição de coisa, eliminando a possibilidade de desenvolvimento de sua personalidade, o que se atrita - e muito - com o princípio da dignidade da pessoa humana.(Estadão)

Algumas histórias estranhas: coisas de jornal ( 2 )

O visitante noturno disse: "Eles estão me perseguindo"

Redação da Tribuna do Norte, Natal, uma noite em 1982, precisamente 21h30. Lembro, pois olhei o relógio logo depois da saída do visitante noturno e do seu intrigante relato. Começou assim: eu estava já com umas quatorze horas de trabalho  -- começado às sete da manhã quando fizera a pauta, seguindo o restante do expediente em preparar o segundo caderno até a hora do almoço. Depois, a partir de uma da tarde eu havia reiniciado, cuidando do funcionamento da redação até a hora em que o homem entrou sem ser anunciado. 


Na redação ninguém além de mim e da diagramadora Tânia, competente profissional que sempre encontrava uma boa solução gráfica e estética para o noticiário da página 5. Até mesmo Moacir Oliveira, o velho Moaça, diagramador-chefe, já não estava.


Eu saí um instante do aquário onde ficava a sala de diagramação quando vi a figura sentada a um birô. Peguei uma matéria em cima da minha mesa. Nisso, ele se dirigiu a mim. Veio direto como lâmina de florete: "Sou um perseguido político." E detalhou: trabalhava numa TV pública onde comia o pão que o diabo amassou nas mãos de pessoas ligadas ao sistema. Já havia sido transferido diversas vezes até vir para Natal, onde estava na TV Universitária. Mas, garantiu, sentia-se perseguido pelos agentes da ditadura.


Pedi licença um minuto. Estava em fase final do fechamento, já com algum atraso. Eu lhe pediu mais uns quinze minutos, que o atenderia. Atenderia, diga-se, à base de muita boa vontade, pois pendulava entre o cansaço mais pesado e o sono certeiro. Bom, mas passaram-se os quinze minutos. Só que, quando olhei pelo vidro do aquário para a redação, o canto mais limpo. 


O homem cabisbaixo, de voz vestida de angústia havia desaparecido. Tão silenciosamente como havia chegado tinha saído. Isso deu-me uma sensação ruim. Um rápido e intenso processo de culpa: como eu tinha feito aquilo? E se aquele homem morresse em alguma esquina da tortura ou prisão? Por que não o havia atendido imediatamente? Essas perguntas foram o meu tribunal e a minha sentença durante vários dias.


Hoje, passados esses anos todos, veio-me à memória aquele estranho noturno: não deu-me qualquer detalhe das perseguições sofridas em Natal ou de quem as perpetrava. Só que agora questiono: seria verdade mesmo o que dissera? Ou seria aquilo produto de alguma mente transversa em busca de notoriedade num jornal de oposição?


Não tenho a resposta. Mas de uma coisa tenho certeza: a figura que se apresentou a mim naquela noite tinha algo de muito pesado sobre os ombros: ou realmente a perseguição dos esbirros ou a ponderosa noite de sua crença de estar sob perseguição, o que vem a ser a mesma coisa.
Notícia triste
--- Walter Medeiros* 
 
A semana começa com o sol aberto, temperatura elevada, trânsito da segunda-feira de acordo com a retomada do serviço, depois do feriado do Dia do Servidor seguido de fim de semana. No caminho da Unicat, Graça tira dúvidas sobre as plantas e um pé de ipê que ostenta algumas flores no canteiro da avenida. E aos poucos nos preparamos para a rotina do atendimento ao público e preocupações com o andamento do nosso serviço.

Como sempre, esperávamos encontrar aquele rosto jovem, alegre, brincalhão, porém forte e sério quando necessário, de uma das nossas colegas de trabalho. Ela foi das primeiras pessoas com quem mantivemos contato. Ajudou a nos acolher em nosso novo ambiente de trabalho, há poucos meses. Farda caqui, botas e boné, que não tiravam em nada sua vaidade, principalmente mostrada em seu longo cabelo.

De longe nem vimos que ela não estava em seu local de trabalho. Até porque antes mesmo já nos informavam que a violência tão presente em nossa sociedade a havia atingido. Jovem, 28 anos, com filhos adolescentes, havia sido mais uma vítima. Pelo ar chegavam as palavras inesperadas, chocantes, lamentáveis: “mataram Emmanuelle”. Emmanuelle era a vigilante que orientava o serviço no atendimento preferencial da Unicat. Foi assassinada com seis tiros. 

Nem tivemos tempo de conhecê-la melhor, de conhecer seus filhos, seus familiares. Apenas sabíamos que era separada do marido. O mais, era no trabalho o seu expediente imenso, sempre atenta, respeitosa e vigilante, como manda a sua profissão. E os sonhos que tinha de melhorar de vida, para usufruir melhor as coisas do mundo e garantir aos seus filhos uma vida digna e um bom futuro. Sempre se procura retardar um adeus; mas em algum momento isso é impossível. Por isso temos de dizer agora, sem ter para quem apelar: “Adeus, Emmanuelle! Que a sua vida eterna lhe dê boa guarda”.

Na recepção onde ela trabalhava, outro vigilante está cumprindo seu horário. Mas a cadeira onde ela sentava está parada junto à parede. Sobre ela alguém colocou uma rosa vermelha, em homenagem à colega de trabalho.
*Jornalista