sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Muitas línguas e um silêncio grande
Emanoel Barreto


Blá-blá-blá - A realização do Forum Social Mundial em Belém parece ser uma reunião babélica. Muita gente falando muitos idiomas, como na construção da torre bíblica. Não sei até que ponto mobilizações desse tipo contribuem para que tenhamos um mundo melhor.

Numa reunião assim, não tenho dúvida de que muitos interesses dissimulados estão postos, até mesmo contrários às propostas mais gerais e humanas que, certamente, pessoas bem-intencionadas pretendem ver realizadas.

É válida a construção de uma sociedade civil global como muro de contenção aos interesses dos que querem ver até mesmo o planeta destruído, desde que isso signifique lucro.

Mesmo assim, não creio que seja possível o estabelecimento de uma agenda, com passos e finalidades programáticas a ser cumpridos etapa por etapa, até se chegar à formulação de algo efetivamente forte para enfrentar os terríveis interesses dos grupos e corporações internacionais do grande capital.

As ONGs se dizem não-governamentais, mas adoram ganhar verbas do Estado. Muitas se afirmam defensoras da Amazônia, todavia, se verificarmos com atenção, nada mais são do que sucursais sui generis de empresas que têm por objetivo explorar sua rica biodiversidade, patentear descobertas, enfim, ganhar dinheiro.

Aqui do meu canto, espero, pelo menos, que disso tudo saia pelo menos alguma coisa que faça o mundo ser (um pouco) melhor. Já seria de bom tamanho.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ele é o homem
Emanoel Barreto

Pode ser o nosso Obama - Pronto. Pai Arnapio é o homem. Tem todas as qualidades que não encontramos nos políticos e mais alguma coisa. Já imaginou um presidente de República como Pai Arnapio? Um presidente que cuida até de unha encravada? Em Brasília, à falta de um Salão Oval, ele fazia despachos em qualquer encruzilhada para o bem da nação.

Mais que tudo, um presidente assim era o próprio SUS ambulante: cuidava do povo, mandava o demoneo para a Sibéria e fazia o que mais fosse preciso. Resolvendo problemas com cartões de crédito e FGTS acabava com a burocracia. Ia me esquecendo: com esse negócio de tirar demoneo do corpo e de qualquer lugar, não tenho dúvida de que acabava com a seca no Nordeste. A seca, esse demoneo que acaba com a alegria do nosso povo e mata de fome nosso gado.

Pai Arnapio, se candidate. Dê às mulheres seus maridos de volta, descubra todos os cornos e mande eles para alguma tourada na Espanha. Além de melhorar a auto-estima deles ajudava a resolver, mesmo que em parte, o problema do desemprego.

Pai Arnapio, se candidate. Batize os filhos de mãe solteira e faça deles bons cristãos. Benza os cobreiros, Pai Arnapio. Tire as morróidas dos funcionários públicos. Eles não se sentam em suas cadeiras por causa da dor. Ficando curados começarão a trabalhar como loucos.



quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Olha o carnaval aí, gente!
Emanoel Barreto

A Globo já tascou na tela uma mulata seminua para anunciar que o Carnaval vem aí. As coisas de jornal já gritam em notinhas que a festança nesses dias vai começar. Escolas de samba ensaiam, haja samba e tamborim.

Sinceramente, tenho dificuldade para entender o nosso povo. Mas, intimamente o aplaudo. De onde vem tanta vontade, tanta ganância pelo pagode, o remelexo, o requebro, a cadência doida de sexo que enfeita o carnaval? Por que a bebedeira, a bagunça, a festa-de-arromba? O que se comemora? Do que se tanto ri?

Será que ninguém percebe como são dolorosas, bisonhas, cinzentas e cabisbaixas as quartas-feiras-de-cinzas? E depois o dia-a-dia, a prestação da geladeira, a conta de luz, o prato com medo de ficar vazio. Por que, então, a grande festa? A resposta não está no moralismo, se alguém por acaso está pensando que sou seu defensor.

A resposta também não virá flutuando no vento, como diz a canção de Bob Dylan. A resposta vem de longe, perde-se nas estradas vicinais da constituição do nosso povo, vira a esquina das nossas tragédias históricas, pega a reta da poderosa miscigenação étnica e cultural, até repicar no tamborim, escorrer no suor que banha o quadril da mulata e explodir no grito-mestre do puxador-de-samba: "Olha o carnaval aí, gente!"

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A sofisticação, essa decadência
Emanoel Barreto

Há algo de decadente na lânguida e perversa sofisticação.
Corações vaidosos, vazios até do nada,
arfam, deliciados com uma beleza em vão.

A quem se mostra a sofisticação? A quem?
Sutil beleza afetada, olha-se no espelho
e pergunta: "Alguém mais bela do que eu?"

E o espelho, que é é ela mesma refletida, responde:
"Não, não há ninguém, porque você mesma é ninguém."

Mas isso ela não percebe, porque é sofisticada,
e se volta sempre para seu belo espelho.
Que não contém nada e está cheio de ar.
COMÍCIO DA SÉ – 25 ANOS
Walter Medeiros* – walterm.nat@terra.com.br

No começo do século passado tudo em São Paulo era mais ou menos metade do Rio de Janeiro. Em 1907, o Rio tinha 522.000 habitantes, enquanto São Paulo tinha 240.000. O Rio detinha 30% das indústrias brasileiras, contra 16% de São Paulo. Eram as oficinas de manufatura de calçados, vestuário, móveis, tintas, fundição e outras, onde trabalhavam operários brasileiros, italianos, portugueses e espanhóis e surgiam as primeiras leis trabalhistas do Brasil. As comemorações dos 445 anos de São Paulo trazem-me fortes lembranças de minhas rápidas, porém marcantes viagens àquela metrópole, uma delas em 1984.

Um frio de doze graus cobria Campos do Jordão naquela manhã. Era 25 de janeiro. Aniversário da capital, São Paulo. Um dia histórico, pois nele os brasileiros depositavam as esperanças de um deslanchar na campanha pelas eleições diretas. Depois do café da manhã seguimos, eu e companheiros de um curso, todos a pé para uma praça onde estavam estacionados os ônibus que a Prefeitura pusera à disposição da população a fim de participarem do Comício da Praça da Sé. Um dos ônibus fora reservado completamente para nós.

Descemos lentamente a Serra da Mantiqueira, observando aqueles precipícios de 1.750 metros de altura. Somente no trajeto já gastamos uma cota de coragem. O ônibus parou na Estação Tiradentes, de onde todos teriam que seguir de metrô para o novo destino. O grupo ia todo junto. Ao desembarcar na Praça da Sé, começamos a esquentar as gargantas, o sangue e o entusiasmo, com as palavras de ordem do dia. Era um sentimento de que a multidão era superior. Como dizia uma música da época: “A multidão é Deus”.

Sentíamo-nos fortes e começávamos propagando a conclamação: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil, viva o Partido Comunista do Brasil”. Era um forte grito em coro, que ecoava em toda a estação do metrô. Aproximando-nos do Marco Zero, mudamos, para acompanhar a multidão, que gritava outra palavra de ordem: “Agora, já, fora Figueiredo e o regime militar”. Eram momentos de muita emoção. Um dia inteiro de atividade. Discursos, panfletos, bottons, convencimento, amor à causa do povo.

A Folha de S. Paulo disse que ali estavam trezentas mil pessoas. Houve jornal que falou em meio milhão. Em todos estavam lá fotos aéreas das torres da Catedral da Sé e a multidão embaixo ocupando toda a praça e ruas adjacentes. Olhamos e lemos no dia seguinte, orgulhosos de termos contribuído com a nossa parte para aquele cenário inesquecível. Depois veio a frustração da rejeição da Emenda Dante de Oliveira, porém seguida da eleição de Tancredo Neves e da Constituinte, da democracia, dos erros e acertos e dos sonhos que continuam sendo sonhados. E viva São Paulo!
*Jornalista – Natal/RN