Saiba tudo sobre este estranho relato:
Ano de 2013 quer reencarnar no
ano de 2014
Se V. costuma ler este coranto
deve saber que sou tipógrafo de profissão. E que à minha oficina comparecem os
tipos mais estranhos e inesperados. Veja só: ursos vêm falar-me a respeito de
grandes problemas internacionais, hienas comentam a respeito de ópera e literatura,
cavalos falam sobre graves questões existenciais.
Todos esses bichos são, sem
dúvida, seres humanos do mais alto quilate. E a todos trato com atenção. Se V.
pesquisar meus arquivos lerá a respeito de tais e requintados
seres.
Pois bem; ontem quem esteve na
minha tipografia foi o ano de 2013. Sim, o ano de 2013 em pessoa, já pensou? Vinha
falar sobre seus planos para o futuro. Estranhei, pois pensava que os anos, ao
fim do seu tempo, simplesmente desapareciam, esvaneciam-se nas brumas de um
tempo maior e mais antigo, o tempo da eternidade, o tempo sem tempo, o tempo estático.
− Não – ele me disse – os anos
são como as pessoas; têm essência e consistência. Veja só: cada ano é único e
irrepetível. Tem cara própria, personalidade bem sua, tragédias únicas e
felicidades exclusivas. Assim, quando um ano cumpre seu período, vai reunir-se
a outros anos mais sábios e anciães. E com eles dialoga tentando passar ao ano
novo sabedoria e experiência.
− E o ano novo aceita os
conselhos? – quis saber.
− Nunca – 2013 afiançou.
− E o que vocês fazem. Há alguma
punição? – perguntei, enquanto compunha um título manualmente.
− Não podemos fazer nada. A Lei
dos Anos não permite. Ela nos obriga a voto de silêncio sempre que o ano novo
não quiser ouvir os mais velhos. Ou seja: podemos falar uma vez. Mas,
repelidos, temos que nos calar.
Virei-me para 2013, já um velho
respeitável, e indaguei:
− E o Sr., aceitou os bons conselhos
quanto era um ano novo?
− Jamais – admitiu, sentando-se
próximo a mim.
− E quais foram seus piores
erros?
Ele respondeu: no mundo foram
milhares, milhões de erros: − Deixei haver guerras de barbárie inominável,
exploradores do povo continuaram com a sua terrível tarefa, houve bombas e
massacres.
− E em Natal? O que o
Sr. Deixou acontecer? – foi a minha curiosidade em seguida.
Eis a resposta: − Peço perdão
ao povo de Natal e do Rio Grande do Norte por haver permitido que fosse levada
adiante a construção do novo campo de futebol que políticos insanos chamam de
Arena das Dunas; peço perdão por haver deixado que o Hospital Walfredo Gurgel
seja quase um campo de concentração, onde os médicos não têm condições de
trabalhar; peço perdão pelos corruptos que não foram presos.
Quis eu então saber: − Como os
anos podem influir nos destinos da história?
Ele respondeu: − Por algum
motivo mágico os anos têm esse poder. Conduzimos a inteligência dos cientistas
na cura das doenças e os grandes artistas nas artes. Eu poderia ter impedido a
construção da Arena das Dunas, levando a que o dinheiro fosse empregado numa
coisa digna e útil.
− E por que não o fez? – era agora
a minha curiosidade.
E 2013, cabisbaixo e
compungido, confessou:
− Fui subornado para não fazer coisas
boas.
− Como assim, subornado? – eu estava
perplexo.
Ele respondeu: − Um grupo de
políticos procurou-me prometendo a imortalidade anual. Eu seria, segundo
disseram, um ano eterno. Iriam promulgar uma lei tornando-me um ano sem fim.
Acreditei e deixei que as obras daquela maléfica, sórdida e reluzente obra fossem
levadas adiante.
−E deu certo? Você será o ano
eterno, o ano sem fim?
− Não. Os políticos me
enganaram. Quando o dinheiro jorrou sobre o maldito estádio eles tiraram a lei
de votação com pedido de urgência urgentíssima e agora vou acabar,
tornando-me um ano como os outros.
− Mas – eu completei – você me
disse no começo deste texto que que tinha vindo falar de seus planos para o
futuro. Quais são esses planos?
− Ótimos planos. E envolvem
novamente os políticos.
− Quais são esses planos?
− Seguinte: ontem mesmo um
político me garantiu que fará uma lei para que eu reencarne em 2014.
−É mesmo?
− Sim. Desde que eu providencie
para Natal a reforma e ampliação do Forte dos Reis Magos, a demolição da Igreja do Galo para a construção de um grande edifício bem como um terremoto para destruir Ponta Negra a fim de que sejam feitos novos aterramentos a preços espaciais. Vai ser tudo superfaturado
e...
Não deixei que ele terminasse
de falar. Diante de tamanha e tão trágica ameaça muni-me de uma pesada acha de
lenha e expulsei 2013 da minha tipografia.Ele correu, foi recolhido por um misterioso carro preto com placa branca e agora estou com medo de que venha mesmo a reencarnar em 2014.