quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Deadline, o prazo fatal da notícia no jornal impresso

Por Emanoel Barreto

O jornal começa a ser feito muito antes de as prensas começarem a rodar. É um trabalho de equipe, intenso e coordenado. Como num jogo de passes é preciso que cada jogador entregue ao companheiro o bastão da notícia.  Começa com a pauta, segue com os repórteres na rua, sua volta ao jornal, a redação da notícia, seu encaminhamento aos editores, diagramação, impressão e distribuição às bancas e assinantes. Resumidamente é isso.


E a notícia enquanto mensagem vale pela compreensão social do fato, a representatividade do relato, o valor que previamente se dá a um determinado tipo de acontecimento que deve ser importante ou interessante. Sem isso nada de notícia. Importância ou interesse são essenciais.

Letras, palavras, fotos, ilustrações, tudo isso somente vale pelo que representam. E pelas consequências junto ao leitor. Vale pelo rumor social que pode causar. Em si não têm essência ou consistência. O código é a expressão tosca do entendimento humano. E o jornal é a desesperada tentativa de captar o mundo, transformando em tinta impressa a pressa das pressões que o homem sofre todos os dias.

A notícia sobrepaira à página impressa, se espalha, sai da mancha gráfica e se espraia no mundo.

O jornal trabalha com um repertório de fatos que nada mais são que os padrões do mundo, as coisas que escolhemos como cotidianas. Mesmo que essa estranha cotidianidade jornalística sejam o inusitado, o grotesco, o excessivamente bom ou a maldade em sua mais requintada forma. De alguma maneira ao longo da História a história da maldade se sobrepôs. O homem tem o dom do ruim.

O dia a dia, rotineiro e plano, é cheio de um vazio e previsível viver. Assim, o jornalismo dedicou-se dar relevo àquilo que foge do comum. E, lamentavelmente, os atos de maldade superam em muito os comportamentos de caridade, solidariedade, humanidade e bem. 

E ao trabalhar com tantos fatos, todos recheados de tensão, o jornalismo o faz sob pressão. 

É o que chamamos nas redações de deadline, literalmente "linha da morte"; em português prazo fatal, hora-limite. Mas se você tem uma profissão, digamos, convencional, se cumpre expediente litúrgico, atende a uma pontualidade budista, sequer imagina o que é trabalhar numa redação, o que é ser jornalista. E se você gosta de ser assim, jamais seria jornalista. O jornalismo é a tranquilidade em disparada. Ou, como já se disse, jornalismo é a História escrita à queima-roupa.

A matéria-prima do jornal é o mundo e seu almanaque de acontecimentos, o tal repertório a que me referi há pouco. Cria-se assim, entre o jornal e o leitor, uma relação analógica: o leitor sabe que, numa determinada página, encontrará, sempre, um determinado tema - política, esporte, polícia, economia, por exemplo - mas jamais pode, ou pelo menos não deveria, prever qual assunto será tratado.

Mas o que quero falar mesmo é a respeito da questão tempo, em função do deadline e seu equivalente literal em português, "linha da morte". Em jornal adquirimos uma vivência muito especial a respeito da questão tempo. Tempo não apenas enquanto imperceptível passar de horas para o trabalhador de expediente cerimonial, mas tempo como pressa.

Os criminosos da política, por exemplo, disfarçam seu fervor pelo dinheiro e pelo Poder em conciliábulos - perdão pela palavra -, e confrarias que ocorrem às ocultas. Há um podre recato no roubar político. 

Compete ao jornalista descobrir esses segredos. Tais mistérios são bem guardados como os grandes venenos, aqueles que se ocultam nos menores frascos.Um grande veneno é uma terrível arte. Administrá-lo é uma forma de perigosa ciência; como nos venenos há um certo saber no trabalho dos corruptos. Tanto que demoram a ser descobertos. Suas doses são homeopáticas. 

O ladrão dos dinheiros públicos tem a perícia de um cirurgião ou a técnica de um pintor do Renascimento ao retocar com suavidade uma nesga de tinta. E o que é pior - dessa cicuta, o veneno de buscar sempre o novo - os jornalistas bebemos todos os dias. De algum modo os jornalistas também morremos todos os dias com o apressado veneno do deadline. Todavia, renascemos dia seguinte com uma nova manchete.