sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Os penitentes vão sair para matar

"Está se deteriorando a bondade brasileira.
De quinze em quinze minutos,
aumenta o desgaste da nossa delicadeza."
Nelson Rodrigues

Estão sendo liberados para o feriado do Dia dos Pais, em todo o País, grande número de criminosos, muitos deles gente de alta periculosidade. Mas talvez alguém diga: mas também não apresentam periculosidade uma expressiva parcela do Congresso Nacional, muitos membros do Judiciário, funcionários públicos de alto escalão, ministros, secretários, empresários...?

Sim, só que esses criminosos, como não mataram ninguém, são, hummmm, bandidos fora de série, bandidos de boas maneiras, não intimidam pelo porte de arma ou assaltos, não. Eles roubam no silêncio das canetas assinando papéis secretos, desviam na calada das conversas noturnas em restaurantes luxuosos, locupletam-se em meio a mesuras e confabulações.

Ou seja: não trazem na figura a estampa do medo que o criminoso encarcerado de há muito tatuou em sua vida em seu modo de ser e aparecer.

Esses criminosos devem ser combatidos de um jeito, o bandido comum, de outro.

Mas vem o Dia dos Pais e os bandidos que possam ser considerados como bons - ao lado de Jesus não havia Dimas, o bom ladrão? pois é... - podem sair às ruas. E lá se vão eles, amplos e folgados, prontos para fazer o que lhes der na cabeça; até mesmo visitar os filhos e ficar, pacatamente, em casa.

Eles estão deixando as penitenciárias, quer dizer, são, objetivamente, penitentes. E o peninente, pelo sentido dicionarizado do termo, é aquele que cumpre penitência, arrepende-se dos seus pecados e/ou acompanha procissões.

Espero que não, mas é bem provável que o PCC faça sua procissão de crimes e de sangue; mais uma procissão, em que louvarão o deus da violência e da matança. E, nessa religião de crimes e de morticínio, os mártires não são seus seguidores, os penitentes libertos, mas os inocentes que fiquem ao alcance de suas balas.

Realmente, como dizia Nelson Rodrigues, estamos perdendo a nossa delicadeza. O brasileiro parece não ser mais um povo cordial.

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

O candidato pobre, um homem com fé de carvoeiro

A história é uma galeria
de quadros em que há poucos
originais e muitas cópias."
Tocqueville

Hoje pela manhã uma cena, entre patética e comovente, chamou-me a atenção. Numa oficina de carros, um motorista chegou com seu sacolejante automóvel e pediu para que um mecânico fizesse uma revisão rápida. O homem, coitado, vestido modestamente, era um candidato. Candidato a deputado federal. Pelo menos era isso o que alguns adesivos diziam. Adesivos não, na verdade eram fotos dele, com o nome embaixo, material impresso em computador, com a tinta já quase se acabando.

Estava ali, penso eu, um desses ingênuos que pensam que política se faz com sinceridade, boa vontade e o chamado espírito público.

O homem e o carro formavam uma dupla perfeita: ele sem qualquer carisma, meio calvo, a camisa muito velha. E os cabelos que lhe restaram estavam desgrenhados e enrugados; o carro, por sua vez, cheio de amassados, movia-se sobre quatro pneus carecas. No seu interior, o estofamento parecia ter sido atacado por um gato-do-mato em estado de possessão. O capô, ao ser aberto, expôs um motor que mais parecia uma daquelas máquinas do Professor Pardal.

Aquilo não era um carro: era uma geringonça. Para completar, apafusados a duas armações de ferro, dessas usadas por surfistas para transportar suas pranchas, estavam dois enormes e velhíssimos alto-falantes, para ele a mídia que, certamente supõe, o elevará à condição de colega de classe de mensaleiros, sanguessugas e outros quejandos. Mesmo que ele não tenha vocação para o furto.

Detalhe: os dois alto-falantes estavam presos, literalmente presos, às armações por uma boa e confiável corrente. Afinal, devem fazer parte do pobre patrimônio daquele candidato. Já pensou, não ganhar a campanha e ainda ter seus alto-falantes roubados?

Mas a triste figura desceu do carro e pediu que fosse feito um servicinho qualquer. Ele falava com o recepcionista, quando ouvi esse fiapo de conversa:(recepcionista) "... é, quem manda é a ideologia..."; (o candidato): "É, mas já pensou se eu peço dinheiro a um empresário? É claro que ele vai me dar... Mas, e depois? Depois eu vou ter que pagar o preço dessa ajuda."

Em seguida, feito o servicinho, coisa rápida, negócio para dez minutos, ele agradeceu ao mecânico e tentou fechar o capô. Bateu uma, duas, três vezes. Na quarta tentativa afinal pôde fechar a tampa do motor. Agradeceu e saiu, perdendo-se pelas ruas com sua humilde e ingênua propaganda colada aos vidros do carro, os alto-falantes ainda mudos, o pensamento quem sabe já elucubrando o discurso de estréia na Câmara dos Deputados.

Algum dia um professor meu disse que Santo Tomás de Aquino pedia a Deus para ter uma "fé de carvoeiro", a fé dos simples, e jamais baquear em sua confiança nos desígnios divinos ou cambalear sobre a crença na existência do Pai.

Acho que hoje encontrei um homem com fé de carvoeiro. Montado em sua geringonça estava, como o Quixote, pronto para investir contra os moinhos de vento das candidaturas milionárias que estão surgindo no Rio Grande do Norte, muitas destas, de homens completamente desconhecidos e que fizeram pelo Rio Grande do Norte tanto quanto uma formiga de roça.

Acho que hoje encontrei um homem com fé de carvoeiro. Acho que, como Diógenes, o cínico, encontrei um homem de bem.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Uma guerra de cuspe

"O brasileiro não está preparado para ser
"o maior do mundo" em coisa nenhuma.
Ser "o maior do mundo" em qualquer coisa,
mesmo em cuspe à distância,
implica uma grave,
pesada e sufocante responsabilidade."
Nelson Rodrigues

A frase de Nelson Rodrigues nos desnuda a preocupante condição de uma sociedade de conveniência. Coisas tipo jeitinho brasileiro, vâmo vê como é que dá, né? Isso, pelo menos, no que diz respeito às nossas autoridades. Ah, sim. Você tem acompanhado o noticiário a respeito dos atentados em São Paulo? Tem visto na TV postos policiais, bancos e ônibus incendiados? Tem? Creio que sim.

Mas, tem anotado alguma reação mais, digamos, firme, para não dizer viril, do governador tucano Cláudio Lembo, o Cláudio Lento, como diz o pessoal do Casseta e Planeta? Tem? Tem não. Tem não, porque o governador paulista está mais preocupado com as repercussões que uma ajuda federal teria sobre os números de Ibope de Geraldo Alckmin, favorecendo a candidatura Lula, do que com a vida e a integridade do povo da capital paulista.

E, o que é pior, o governo central, ao que parece, não aplica qualquer pressão sobre o Lento, temendo também que isso seja visto como intolerável intromissão ou intervenção, no sentido jurídico do termo, na vida e na cidadania dos paulistanos.

Simplificando, como disse Nelson Rodrigues, seria uma "grave, pesada e sufocante responsabilidade". E isso o pessoal do Poder não está disposto a encarar.

Sabe? Acho que, no fim, o PCC vai deixar tudo no "tá dominado! Tá tudo dominado!", e as autoridades vão disputar algum campeonado de cuspe à distância.

Nota do editor: Só para completar, uma espécie de metáfora ou o que seja, sobre o Brasil. Eu estava, há poucos dias, na irrrequieta companhia de minha neta, Eduarda, num shopping center em Natal. Chovia. Os carros que chegavam ao estacionamento, que fica no subsolo, deixavam cair pingos, que lembravam marcas de cuspe no chão. Ela virou-se para mim e advertiu: "Olha, Vô, cuspe. " Eu respondi que sim. E ela:"Vô, mais cuspe." E vendo mais e mais pingos no chão, avisou:"Cuspe, cuspe, cuspe." Afinal, sentenciou: "Vô, é muito cuspe. Tá havendo uma guerra de cuspe." Pronto. As autoridades brasileiras também estão pensando que, em São Paulo, está havendo, também, uma guerra de cuspe.

domingo, 6 de agosto de 2006

O político ganha votos, o produtor bovino perde dinheiro

Tanscrevo abaixo artigo de autoria do zootecnista Edgar Manso, publicada no Jornal de Hoje, Natal. Trata-se de assunto de gande importância, especialmente para quem conhece as dificuldades do criador nordestino.

Prezado Marcos Aurélio de Sá, parabéns pela sua matéria da sexta-feira.. Como sempre, você abordou com muita propriedade os problemas dos produtores locais de leite bovino . Como você escreveu, nesse ano de política todos falam sobre o "Programa do Leite", esquecendo os produtores que não participam do mesmo, estes representam cerca de 75% da produção potiguar.

Concordo quando você diz que o pagamento direto aos produtores não resolverá totalmente o problema, será bom, mas não o bastante.Eu, como zootecnista que sou, acho que o maior problema está na falta de assistência técnica ao produtor rural, esse é um problema do Brasil, não é só nosso não.

Em recente pesquisa que fiz, constatei que 40% dos produtores do Litoral Oriental, 75% dos produtores do Litoral Norte, 20% dos produtores do Seridó e 40% dos produtores da região de Mossoró não têm assistência técnica nenhuma, pública ou particular.A adoção de tecnologia no campo é inevitável; para isso é preciso investir em treinamento de pessoas. Investir na educação é prioridade.

O produtor está ansioso por novas técnicas, solicita ajuda de técnicos, quer trabalhar e produzir com qualidade. Brigar por melhores preços é importante, sem tirar o foco do problema principal que é o controle dos índices zootécnicos da propriedade.

Criaram o programa, melhoraram os preços, garantiram a compra, mas não ensinaram como produzir.A importância econômica e social do Programa do Leite é inegável. Em todo o Brasil o nosso modelo de programa social é copiado, mas ele tem falhas, é normal. Para resolver esse problema da falta de assistência técnica aos produtores, poderia ser criado um fundo de reserva visando custear uma equipe de profissionais das ciências agrárias para assistir à esses produtores.

De onde sairia esse dinheiro? Quem levaria vantagem com isso? Um produtor de leite que recebe a visita de um zootecnista regularmente tem a chance de monitorar com precisão todos os seus custos de produção, sendo assim pode focar as suas atenções nos setores mais deficitários do seu sistema de produção.

Adotando as técnicas de manejo nutricional, cuidados com a higiene e controle de custos, o produtor vai poder, aí sim, brigar por um preço mais justo, pois o seu produto estará com uma qualidade nutricional muito superior.

O dono do laticínio que adquirir um leite produzido dentro das recomendações preconizadas por um zootecnista, sentirá no bolso uma grande diferença positiva. Seu rendimento no processo de fabricação de derivados como o iogurte e os queijos será muito maior, sem contar que o número de bactérias nocivas ao ser humano será muito menor, assim ele não correrá o risco de ser "surpreendido" por alguma fiscalização sanitária. E o político?

Ele ganha alguma coisa? Ah! meu amigo, esse é que ganha... Tirar apenas um centavo de cada laticínio já rende por mês uns 40 mil reais, esse valor é menor do que os juros que os laticínios ganham quando seguram o dinheiro dos produtores por dois ou três meses, e eles também serão beneficiados. E ter um zootecnista trabalhando na sua equipe é sinônimo de eficiência e responsabilidade.A assistência técnica é o xis da questão.
Vai um leitinho aí?

Edgar Manso
Zootecnista