terça-feira, 1 de junho de 2021

A Copa e o pandeiro do demônio

Por Emanoel Barreto

Os governos romanos, por volta de 100 d.C., instituíram a política do pão e circo. O objetivo era entreter o povo, faminto e desesperado, com a realização de jogos que se constituíam em combates mortais entre gladiadores, corridas de bigas e distribuição de pão e vinho; enganava-se a fome e se distraía a plebe do seu trágico destino. O circo eram as grandes arenas onde se realizavam os jogos – os estádios de hoje, coincidentemente, são chamados de... arenas.

O mesmo estratagema é feito por Bolsonaro: oportunista, incapaz de ser presidente de fato, limita-se a criar situações de confronto com adversários e viu na realização da Copa América o seu panis et circenses. E a Copa, como sua versão clássica na Roma antiga, também tem seu perigo de letalidade.

E o troço veio bem na hora: com a imagem em baixa, tal o descalabro da pandemia que se transformou em pandemônio e angústia para milhões de brasileiros, Bolsonaro agarrou-se à Copa como um alucinado supõe estar vendo algo ou alguém, um santo ou Deus a lhe indicar o caminho da vitória e da grandeza.

Seu raciocínio, básico e tosco, entende que trazendo a malsinada disputa aos nossos estádios a naturalizada paixão do brasileiro por futebol lhe dará resultados favoráveis em termos de imagem e adesão político-eleitoral, mesmo sem público presente aos jogos.

A reação, todavia, tem sido péssima. Nas redes sociais e TVs a gritaria contra os jogos tem sido a nota dominante. No Rio Grande do Norte a governadora Fátima Bezerra já disse que não quer; em Pernambuco também. Lamentável a atitude do tucano Doria em São Paulo, que disse ser receptivo à tragédia. Claro, também é um aproveitador.

Precisamos de vacinação rápida e crescente: não é hora de futebol para enganar algum tolo. As seleções virão de outros países, e com elas o potencial risco de chegada ao Brasil de mais gente infectada.

Creio que nunca esse país viveu tantos riscos, loucuras e desacertos: temos uma pandemia que virou um pandemônio e um sujeito que toca o pandeiro do demônio.

Estamos em vias de trazer a terceira onda da covid, estamos num maremoto de mortes. A sociedade não pode esperar calada a desgraça desembarcar em seus aeroportos. A cidadania deve ingressar na Justiça a fim de impedir esse samba de loucos, essa festa insana e funesta.

Havendo essa indecência estaremos cobrando pênalti contra a cidadania, a dignidade da vida, a honradez e a História.

E a covid vai fazer o gol.

 

 

segunda-feira, 31 de maio de 2021

 Quem tem pé de barro vai cair

Por Emanoel Barreto

Situações históricas onde persistem sistemática e estruturalmente a desigualdade e a injustiça favorecem grandemente o surgimento de lideranças manipuladoras e messiânicas, pregoeiros de uma era de prodígios, com isso atraindo a si a atenção dos ignorantes e, mais e pior que isso, a aliança dos que fazem da política um negócio, uma profissão, um cassino.

Na verdade, os messias de tais tempos são profetas falsos de suas próprias ideias superficiais e marcantemente brutas; mas tais ideias, caindo no solo fértil da ignorância e das necessidades de pobres e desassistidos, ganham impulso e força.

O Brasil sofre desse duplo mal histórico: a pobreza como degradação de milhões e a política como cofre para aproveitadores da pior espécie.

A tais situações veio juntar-se uma pandemia que tem sido negligenciada desde o início pela pessoa que ora é chamada de presidente da República, e infelicita a vida de milhões.

Caminhamos já para 500 mil mortos – uma tragédia que paradoxalmente parece não incomodar a muita gente.A sociedade parece de alguma forma paralisada.

A aparente naturalização da morte sugere que o lamentável número de mortos é visto apenas como noticiário, número exposto diariamente pela imprensa. E isso está se transformando num perigoso componente do complexo quadro de terror expresso em hospitais lotados.O horror parece não intimidar a muitos.

Prefeitos, numa atuação desatinada, buscam liberar, como se essenciais fossem, atividades como bares e restaurantes. Natal é um triste e bisonho exemplo sob a liderança de Álvaro Dias. Aluou? Creio que não: faltou foi mesmo sentimento de estimar os resultados terríveis de tal decisão. Faltou sobriedade de pessoa pública. Sem trocadilho, advirto.

Esperemos o seguir dos dias. Haverá uma vitória. E todos os que têm pés de barro vão cair.