quinta-feira, 5 de abril de 2007

Dança do ventre

E a dança se fez carne
e habitou entre nós.

Movimentos fortes,

femininos gestos,
curvas siamesas
que enviesam sonhos.

E dos véus e mãos que se encaminham

surge a mulher,
feita toda de lentos caminhos,
passos vagarosos,
tendas e mistérios.

Lendas que se achegam,

gestos faiscantes,
brisas do deserto,
curvas lampejantes.

A dança do ventre é vida

que se espalha e fica contida, toda,
no instante mesmo
desse desmaio programado e calmo.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

O martírio de um homem digno

A boa fama, o passado correto, as posições dignas e corajosas, podem, ironicamente, se transformar em armadilhas que saltam do tempo para prejudicar a vida de alguém, especialmente se esse alguém é uma personalidade de mídia, como o rabino Henry Sobel, encontrado em situação que em nada diz respeito ao que ele realmente é.

O assunto está quase saindo da agenda, mas vale a pena comentar: restou sobejamente esclarecido que ele estava sob efeito de poderosas medicações, que resultaram em transtornos emocionais e comportamentais, cujas conseqüências sociais foram o furto de algumas gratavas de griffe e enorme repercussão no jornalismo.

A grande falha da imprensa, que cobriu o fato como episódio, foi exatamente não fazer referência ao Henry Sobel que sempre se postou a favor de causas humanitárias e enfrentou a ditadura - foi ele quem participou de uma cerimônia ecumênica em São Paulo, quando do sepultamento do jornalista Wladimir Herzog, apresentado pelos seus algozes como suicida. Se o fosse, teria sido sepultado em área apropriada a tanto, já que Wladimir era judeu e os judeus repudiam os suicidas. Sobel o sepultou com todas as honras. Estava aí a sua resposta silenciosa e firme à ditadura. O sistema começou a balançar a partir desse fato.

Ao falar sobre o incidente nos Estados Unidos, disse, em declarações à imprensa, ser impossível "explicar o inexplicável" e que o "Henry Sobel que se estava vendo ali, nao era o "Henry Sobel que todos já conheciam" - referindo-se a seus dramas atuais.

O jornalismo não tem o direito de atormentar um homem de bem quando este passa por uma queda, mas tem a obrigação de exaltar seus passos e feitos, que em muito superam essa queda. Henry Sobel é um exemplo a ser seguido: honrado, digno e justo.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Os controladores que descontrolam a vida do País

O motim dos controladores de vôo representou não apenas um grave ato de agressão e desrespeito à sociedade, mas pode e deve também ser encarado como pista, indício de que algo bem mais grave está instalado no serviço público brasileiro: um processo de formação de corporações que atuam em setores vitais, disso têm consciência e estão prontas para achacar o público, visando a obtenção de vantagens pecuniárias e de carreira.

De fundo, é justa a reivindicação salarial dos sargentos amotinados, mas foi perversa a forma como se procedeu para assegurar ganhos salariais e de mudança de estatudo, com a desmilitarização do setor.

O mesmo se diz da polícia federal, que já acena com um movimento de greve. Também não são raras as mobilizações das polícias militares e civis dos estados, em busca de melhores salários.

O Estado brasileiro, por sua parte, também tem culpa. É do Estado, aqui entendido em sentido amplo, a responsabilidade pela remuneração desses servidores. Permitir a defasagem salarial é efetivamente inaceitável, pois a atividade é estressante. A manutenção desse estado de coisas permite a formação desse tipo de massa crítica, que desencaminha tais setores de seus perfis originais, fazendo-os buscar assemelhar-se a entidades sindicais civis cujos serviços, paralisados, não trazem conseqüências tão drásticas.

Será preciso haver sensibilidade para com as reivindicações, mas sem permitir a quebra da disciplina e o caos instalado. Acima de tudo, é preciso prever que, com a desmilitarização, os controladores estarão fora ao alcance do código penal militar e assim poderão manter todo o País refém de seus objetivos pecuniários, sempre que o desejarem.

Deve-se resolver o assunto de uma vez por todas. Atender às reivindicações, dentro do bom senso e das possibilidades do erário, mas deixar legislativamente claro que é inadmissível que uma minoria explore taticamente a sociedade em geral, a fim de atingir seus objetivos.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

A necessidade da fama

Uma espécie de angústia a passos lentos está dominando o jogador Romário, na busca pelo seu milésimo gol. Ao contrário de Pelé, que chegou a tal número em plena e olimpiana glória, Romário sabe que vive uma decadência festiva, mascarando seu ocaso com um gol que muitos jornalistas esportivos põem sob suspeita, quando dizem: "Pelas contas dele, será seu milésimo gol."

Trata-se, de fundo, de uma questão existencial. Alguém que viu seu tempo passar, viveu inegavelmente momentos de grandiosidade, foi arrogante e vaidoso e de repente compreende que a vida é passageira, rápida e ilusória em seus instantes de aplausos.

A necessidade de ter a fama preservada com um marco, o desejo de, de alguma forma, igualar-se Pelé, mesmo que seja só por espelhamento, movem o jogador que mendiga glória tão mesquinha: a de enganar-se com um suposto milésimo gol, como quando festejava as grandes vitórias em tardes de domingo, Maracanã lotado. Que saudade.

É a pobreza humana, que se manifesta na busca de construir uma estátua que se desmanchará quando o jornal for atirado de lado e a manchete for parar no lixo.

domingo, 1 de abril de 2007

Literalmente, um morto-vivo

Walter Medeiros, amigo, poeta e jornalista, envia uma estranha história, bem típica dos tempos de hoje em dia, em que a indiferença, o individualismo, o vazio humano estão chegando aos limites da perfeição perversa:

SAIU NO NEW YORK TIMES
Gerentes de uma editora americana estão tentando descobrir por que ninguém notou que um dos seus empregados estava morto, sentado à sua mesa havia cindo dias, até que alguém perguntou se ele estava bem.George Turklebaum, 51, que trabalhava como revisor em uma firma de Nova York há 30 anos, sofreu um ataque cardíaco no andar onde trabalhava (andar aberto, sem divisórias) com outros 23 funcionários.

Ele morreu na segunda-feira, mas ninguém notou até o sábado seguinte pela manhã, quando um funcionário da limpeza o questionou por que ainda estava trabalhando no final de semana.Seu chefe, Elliot Wachiaski, disse: "O George era sempre o primeiro a chegar todo dia e o último a sair no final do expediente.Ele estava sempre envolvido no seu trabalho e o fazia sozinho."

Ironicamente, George estava revisando um livro médico quando morreu.Sugestão: de vez em quando, balance a cabeça para os seus colegas de trabalho terem certeza de que você está vivo. E...moral da história : "Não trabalhe demais. Ninguém nota mesmo... Só quando você atrapalha a faxina... "