sábado, 10 de dezembro de 2022

Seleção falha miseravelmente; aceite, são coisas da condição humana

 Por Emanoel Barreto

Não sou chegado a futebol, pelo menos o futebol de hoje. Sou do tempo de

 Garrincha, Pelé, Didi, Djalma Santos, Nilton Santos, Vavá...; são como

 retratos colados nas paredes da minha memória, alegrias de jogadas de

 craques que nunca vi, somente em fotos na Revista dos Esportes iluminando

 meu imaginário juvenil com a descrição de jogos sensacionais. Então, eu

 tinha a palavra Seleção como uma espécie de termo sagrado, pelo qual tinha

 reverência, quase adoração. Depois passou.

Na verdade, esse nariz de cera é apenas para que eu enviese este artigo e o encaminhe para algo que considero relevante: o aspecto da condição humana em todas as suas limitações. E ser humano pode, e sim, muitas vezes experiencia momentos de horror e queda. A debacle da equipe brasileira é exemplo perfeito.

Nossos heróis subcumbiram. E o heroísmo, que inconscientemente se atribui ao atleta, implica vitória, grandeza, exaltação. Especialmente quando tal heroísmo está envolto nas cores nacionais; que excitam as multidões na sua busca do exercício catártico de purgar seus lamentos existenciais e sociais nas vitórias daqueles escolhidos como os melhores, mais pujantes e mais perfeitos exemplares, padrão de grandeza e glamour.

E quando isso não se dá, quando a hecatombe se consuma, quando o que poderia ser visto como apenas um insucesso passa a ver vivido como tragédia, temos a percepção, mesmo que difusa, de que vivíamos uma ilusão: não havia heróis na Seleção, apenas pessoas; inexistia um acontecimento colossal em si, mas um espetáculo efêmero – a Copa –  engrandecido pela ação do marketing; a Seleção era uma geringonça, uma bricolagem chamada time, não uma plêiade de deuses do futebol.

Nesse momento, no instante da queda, a realidade supera o narcisismo oculto em cada brasileiro que de alguma forma se sente parte da Seleção, batida, superada; e isso nos traz o desencanto. E vêm as acusações, as culpas apontadas, o “eu não disse?”, o escapismo de se ver como parte do fracasso, mesmo parcela que mínima e anônima de torcedor-herói-também-perdedor. Vergonha.

Já dizia Nelson Rodrigues: “A Seleção é a Pátria em chuteiras.” A frase de efeito, em toda a sua grandiosidade estilística, nos aponta para a convergência entre os heróis supostos e o país-pátria, entidade acolhedora, lar geral de riquíssimos e descamisados unidos numa igualdade de faz de conta.

Nossa Pátria de há muito está sem chuteiras, sem escolas, sem empregos, sem sapatos, sem justiça, sem... nem é bom falar. Buscamos, em compensação, fechar nossa ferida narcísica com a busca de um novo Pelé – inútil. O Rei não voltará.

Console-se. A Copa é apenas uma forma de campeonato. Daqui a quatro anos tem mais. E perder ensina a nos prepararmos para a próxima partida: na vida, em casa, no trabalho, em campo para bater o pênalti.  


sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

 BRASÍLIA

presidente Jair Bolsonaro decidiu que continuará em Brasília após deixar o governo e deverá morar em uma casa bancada por seu partido, o PL, do qual será presidente de honra.

Integrantes do PL disseram reservadamente que a intenção do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, é pagar a Bolsonaro um salário equivalente ao teto constitucional do setor público, que hoje está em R$ 39,2 mil.

Dessa forma, a previsão é que Bolsonaro tenha uma renda mensal próxima de R$ 85 mil a partir de 2023. Isso porque ele também tem direito a aposentadorias de militar (R$ 11.945,49) e de deputado federal, no valor de R$ 33.763.

Bolsonaro é como Chacrinha: não veio para explicar, veio para confundir

Por Emanoel Barreto

O texto acima, que copiei e colei, é de Marianna Holanda e Mateus Teixeira, da Folha. À simples leitura já dá para perceber que o tipo mencionado, futuro ex-presidente, vai ganhar uma renda polpuda para... fazer nada. Ou seja: Bolsonaro, que geme de preguiça, vai ganhar R$ 85 mil para ficar em casa fazendo de conta que está liderando o PL, do qual na verdade será unicamente um fâmulo.

Tenho alguma dificuldade em aceitar, pelo menos aceitar por completo, que ele vá liderar o partido na prática. A bancada do PL é formada por profissionais do carteado político, e nesse pôquer eles sabem ganhar sem Bolsonaro, seja blefando ou não. Certamente não vão precisar de alguém que somente sabe atuar via redes sociais para fazer divulgações aloucadas e divagações sem nexo com a realidade – vide as suspeitas lançadas sobre a confiabilidade das urnas do TSE.

Entendo ser improvável que ele venha a ser consultado pela bancada a respeito de grandes decisões, chamado a reuniões de peso ou qualquer conciliábulo partidário. Creio que seu uso deverá ser mesmo o do sujeito que vai bater lata, fazer barulho e trabalhar a confusão entre realidade e o alucinatório político que tão bem conhece, em vez de liderar, comandar, alertar, incentivar, ou seja lá o que for que se possa esperar de um líder, líder na essência da palavra.

Falta-lhe um telos, um objetivo histórico para o país, inexiste-lhe uma utopia, salvo se por utopia entendermos a defesa de um conservadorismo tacanho, a busca de aperfeiçoar a mediocridade, o empenho em estimular o barbarismo cortante de muitos dos seus seguidores.

Suspeito que ele acredite sinceramente que seja possível aperfeiçoar a decadência, aprimorar o descalabro, requintar a desgraça, tornar cálida e deliciosa a pobreza, bela a miséria, desejável a hecatombe. Suspeito mesmo.

Já tivemos na TV uma figura carismática e poderosa: Abelardo Barbosa. Você conhece: Chacrinha. Ele costumava dizer: “Não vim para explicar; eu vim para confundir.” A figura a respeito de quem aqui venho escrevendo segue o mesmo padrão. Só que sua confusão é bruta, traz discórdia e balbúrdia, berreiro e alarido, transforma o país numa estranha catedral da celeuma e violência.

A confusão chacriniana, quero crer, voltava-se mais para alguma forma difusa de crítica à realidade nacional; naquela em que ele também se imiscuía, fazendo parte do balacobaco bem brasileiro que sofre e samba; passa mal, mas festeja; tem dívidas, mas não lhe falta a cerveja do boteco; não tem escola para o filho, mas faz da escola de samba zona de escape aos seus problemas e dores.

A alegria de Chacrinha em sua Discoteca televisiva era parte da evasão a essas dores. O telespectador confundia, naquela fugitiva alegria, a angústia de ver seu salário-mínimo escorrer pelo ralo, acabar no outro dia, enquanto ele ia esperar o próximo carnaval.

Bolsonaro talvez esteja querendo confundir para voltar a ser o que – ele sabe –, jamais foi de verdade: ele nunca foi presidente embora tenha sido eleito e empossado. Ele veio apenas para confundir. E fez isso muito bem.

 

   

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

 O pão sempre amargo do diabo enche a boca de muitos brasileiros

Por Emanoel Barreto

Há algo de patético e deplorável, porque o patético é o trágico ridículo, nos grupos que se engancham aos portões de quartéis pedindo um golpe de Estado. A mirrada litania vem se alongando, e seus irrelevantes atores, forrados por alimentação que aparece sei lá como, se prestam a ficar sob sol e chuva suplicando por um regime de força, que com certeza lhes tiraria até mesmo os mais limitados direitos, sociais e trabalhistas.

Pobre povo o nosso, quando pessoas, por notória necessidade, se sujeitam a papel tão lamentável. O Brasil, com suas distorções sociais gravíssimas, suas injustiças estruturais, seu capitalismo dependente, está distribuindo pobreza e miséria e fazendo surgir o protesto dos que pedem o fracasso da democracia e estendem a mão faminta a esse óbolo estranho e desprezível.

Há investigações a respeito de quem financia tais movimentos, e tanto mandantes quando seus servos sabem que a nada chegarão. Lamentável o povo que implora pela chibata e busca curvar-se mais e ainda mais, desde que lhe chegue às mãos os miseráveis trinta dinheiros da sordidez dos que usam pessoas carentes para encenar protesto patriótico.

Cuidado com os que clamam pela Pátria e urdem planos trevosos; no fundo, desejam mesmo que tal conceito e realidade socialmente construída sejam, no máximo, um ornamento de oratória, uma desculpa para nos atirar ao escárnio da História, pagando aos famintos os honorários vis do descalabro, da dor, do desespero. Sem democracia haveria a corrente presa ao pescoço do povo – pois essa é o objetivo final de qualquer ditadura.

E o povo, pobre povo, desempregado, subempregado, desesperado em busca de um naco de pão ou um gole de café, surge na figura dos que se prestam a saciar a fome de força dos poderosos e aceitam a remuneração estropiada – vergonha.

Por suposto, tais atos não chegarão ao objetivo pretendido; por suposto os lamentáveis farsantes e soldo de patrões invisíveis, logo estarão em suas casas, nos arrabaldes para onde foram atirados pelo sistema injusto, cruel e ominoso.

Esperancemos que venham novos tempos; e as pessoas não precisem denegrir-se a troco de uma moeda, uma quentinha, um pedaço qualquer de qualquer coisa.

É isso: o Brasil não pode continuar a ser um pedaço qualquer de qualquer coisa. Não se pode servir ao povo o pão torpe que diabos ocultos amassaram.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

 Bolsonaro, um corvo velho,

 sorumbático e meditabundo

Por Emanoel Barreto

Envolto em sua soturna solidão qual um corvo velho, Bolsonaro aparenta estar macambúzio, sorumbático e meditabundo, vagando como alma penada pela penumbra do Palácio da Alvorada. Mesmo que não tenha chegado a tal estágio os presságios para seu futuro imediato não são auspiciosos: responde a algo como 25 processos, dizem as folhas diárias, e há a real possibilidade de que venha a ser preso.

A isso deve-se aditar que perderá capital simbólico, ou seja: será depossuído de poder, não terá mais a seu lado acólitos subservientes, não poderá mais influenciar partidos nem promover nomeações ou atos danosos, seja à saúde pública como ocorreu quando a pandemia explodiu e ele fez de tudo para frustrar a vacinação, seja natureza, ou à classe trabalhadora de modo geral.

Perder capital simbólico significa ver abalada sua imagem de líder, de mito. Em suma, perderá força. Será, na prática, empregado do PL, a quem pediu para ser contratado, e terá o duvidoso cargo de presidente honorário do partido, o que na prática quer dizer que na sigla ele será só uma figura. Parte do mobiliário político, sem utilidade.

Ninguém virá lhe pedir conselhos e em nada poderá atuar para direcionar a bancada de deputados federais, para seu desespero e temor.

É fácil observar os motivos do seu comportamento soturno: seus seguidores mais desmiolados estão escorados às portas de quartéis do Exército implorando por um golpe e Bolsonaro, encurralado em Brasília, não pode funcionar como caixa de ressonância. Teme ser essa caixa de ressonância.

Certamente por temor de que incentivando movimentos golpistas venha a agregar a seus, digamos, pecados políticos, mais uma denúncia, a prática de mais um crime: a busca da derrubada da democracia, o desrespeito à legitimidade do resultado eleitoral.

Como não é um líder pensante, um propositor, não terá, fora do cargo, competência intelectual para criticar o novo governo, salvo em atos de internet, certamente promovendo noticiário falso ou repetindo bordões da extrema direita.