quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

 Brasil: país odioso, lamentável, cruel e muito podre

Por Emanoel Barreto

O Brasil superou 200 mil mortos pela covid ante um constrangedor silêncio de entidades da sociedade civil como OAB, ABI E CNBB, tradicionais bastiões da defesa das grandes causas nacionais.

Por outra parte, multidões em festa reúnem bacantes frívolos e a estas se juntam negacionistas alucinados e descrentes do perigo da pandemia; um indivíduo amalucado preside o país, incentiva decididamente a aglomeração de pessoas, zomba da ciência e do bom senso e   agride os que ousam contrapor-se às suas atitudes escrachadas.

Temos um pandemônio. Reina a desinformação. Mortes se acumulam.

As vergonhosas multidões que acorreram ao chamamento da festa e da esculhambação são o resultado dessa situação de incúria e má-fé. Não há mais como ficar em silêncio covarde e conivente. É preciso uma ação de sociedade civil vigorosa e altiva, é preciso que alguém diga: “Eu acuso!” e parta para o enfrentamento da barbárie como fez Émile Zola em defesa jornalística do capitão Alfred Dreyfus – judeu e por isso vítima de perseguição pela nobreza militar francesa.

No caso, é preciso que alguém faça a acusação da ominosa omissão das autoridades de Brasília, uma vez que não há mais como esperar que cresça tanto sofrimento.

Nada justifica que o país continue postergando uma solução. É hipócrita e sórdida a atitude de quem se posta contra a exigência de que somente funcionem as atividades essenciais. O manto esfarrapado que serve de bandeira à alusão da perda de empregos e possibilidade de fechamento de empresas rasteja ante a perda de vidas, essas sim importantes e insubstituíveis.

O silêncio será sinônimo de conivência e o disfarce da tibieza, o silêncio será a supressão do gesto corajoso de desatar os nós e fazer navegar a nau da denúncia e da acusação. Mas há uma verdade que se faz presente e tal verdade é esta: não há como continuar nessa marcha louca de mortes sobre mortes.

Em Manaus o inferno da covid voltou. O jornal El País noticiou: “Cento e dez pessoas foram sepultadas em um único dia em Manaus. A marca, 233% maior que a média de antes da pandemia, foi atingida nesta quarta-feira (ontem) após quatro meses de registros de aumento no número de internações por covid-19 na cidade. Dezenove pessoas morreram em casa. As mortes fora do ambiente hospitalar mostram o tamanho do problema: sem vagas na rede privada e com a rede pública operando com média acima de 90% de taxa de ocupação de leitos de UTI e leitos clínicos nas duas últimas semanas, a capital amazonense enfrenta a segunda onda da pandemia, iniciando o ano de 2021 na fase mais grave do plano de contingenciamento da doença: a fase roxa, onde a previsão de esgotamento de leitos de UTI é em até seis dias.”

É muito horror e grande o número de mãos que se lavam diante das vidas perdidas. O comércio em Manaus só foi fechado por ordem judicial pois o governo local havia se ajoelhado à pressão dos empresários. É deplorável e nojento o espetáculo. É muito sujo o silêncio omisso da sociedade civil.

Citando Zola enfatizo o que ele escreveu antes do prefácio de J’accuse! Disse ele “a verdade está em marcha e nada a deterá.” No Brasil que pode se confundir com uma espécie de campo de concentração a céu aberto a verdade fará o julgamento histórico. E haverá a constatação de que aqui se passou algo de odioso, lamentável, cruel e muito podre. Mas já será muito tarde. O silêncio foi o cúmplice feroz e calado de tudo o que se passou.

Sou apenas um cidadão. Mas eu acuso!

 

 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

O compasso dos pés faz o caminho

Por Emanoel Barreto

Talvez seja difícil encontrar caminhos, mas havendo pés existirá sempre a possibilidade de uma partida e uma chegada. O que estiver no meio da caminhada é o caminho: e ele será sempre será único para cada um, para cada tipo de situação, para cada instante, cada pequena eternidade da espera até que se cumpra a intenção de chegar.

Caminho não é estrada; a vereda que cada um percorre pode ser alterada a qualquer instante; basta mudar de ponto de vista, quebrar o compromisso inicial da viagem e pronto: muda-se o caminho, esse destino incerto e não sabido.

Estrada é diferente de caminho. Na estrada há um caudal de rodas, há pressa, velocidade, ânsia de chegar. Já o trajeto feito a pé, o andar, é coisa de cada um, tem a haver com o que é vivido na solidão humana, no pensamento calado, no que foi superado ou perdido e precisa ser substituído ou mudado.

Os caminhos, especialmente aqueles que fazem ziguezague num terreno largo, são mapas, registros, latitude e longitude de pessoas que se passaram, gente que foi ou está voltando.

A senda, na floresta ou em campo aberto é desafio, chamamento ou escolha. É a vida mesma que se vive ao compasso dos pés e da coragem.